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4.3.1. A prioridade de Pernambuco na renovação cultural.

Romero não encontrava na província, com a exasperação imaginativa dos intelectuais, a inspiração profunda para interpretar o país. Acusava a elite letrada de até então de dar um tratamento burlesco, pitoresco, idílico dos outros elementos nacionais, como o negro. Em sua memória estavam os tempos de fazenda, os tempos de Recife ou da volta ao Sergipe e a Lagarto. Em busca de material para análise de nossa formação, coletou e armazenou uma série de trabalhos de diversos folcloristas, para vislumbrar a formação do país não no ambiente da Corte, no Rio de Janeiro, mas nas províncias, no interior do país. Diz a ele a respeito disso, na entrevista a João do Rio:

“A função literária e intelectual de nossas antigas províncias não é a de criarem literaturas à parte, como, com alguma ironia, se alvitra no Rio de Janeiro, depois que o saudoso Franklin Távora falou em literatura do Norte.

Não foi no sentido incriminado o seu pensamento, com o chamar a atenção para as tradições, os costumes, as cenas nortistas e com o aludir aos bons talentos daquela zona. A sátira é escusada, ainda que parta principalmente de provincianos acariocados. A função das províncias, prefiro lhes chamar assim, do norte, sul, centro e oeste, é a de produzirem a variedade na unidade e fornecerem à Capital os seus melhores talentos.

Sempre foi isto desde os tempos de Silva Alvarenga, dos Andrada, Cairu, Odorico Mendes, até Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Coelho Neto, Raimundo Correia, Artur e Aluísio Azevedo, Luís Murat, José do Patrocínio, Graça Aranha, Araripe Júnior, Afonso Celso, Arinos, João Ribeiro, José Veríssimo, Capistrano de Abreu, Fausto Cardoso, Melo Morais, Teixeira Mendes... e duzentos mais, passando por Gonçalves Dias, Alencar, Porto Alegre, Macedo e as mais vivas figuras do romantismo.

Inútil é lembrar os políticos cujo número é legião. Pelo que se refere ao quinto e último quesito, afirmo convicto, posto nunca tivesse sido

um homem do ofício, que o jornalismo tem sido o animador, o protetor, e, ainda mais, o criador da literatura brasileira há cerca de um século a esta parte”. (ROMERO, 1905 apud Do Rio, João, 1905, p. 29-38).

Romero destaca o grande número de intelectuais e políticos que tiveram grande destaque na construção da elite letrada na corte carioca. E num tom provinciano, afirma que é da margem que vem os melhores talentos. Tom sempre presente em intelectuais como Romero e Tobias, cientes da menor importância de que gozavam no Rio de Janeiro, sempre resultando num desprezo pela hipocrisia e pompa da corte.

Desta maneira, as províncias não fazem uma cultura letrada afastada da unidade nacional, que residiria na corte, mas daria elementos a esta, dando-lhe grandes nomes. É neste sentido que encontramos o regionalismo da Escola do Recife, como formador de raiz para a capital que sedimenta o país que vem das margens.

Em 1879, Sílvio publicou na Revista Brasileira, o artigo A prioridade de Pernambuco

na renovação cultural, onde procurava mostrar a prioridade de Recife nas novas ideias que

estavam em discussão na elite letrada carioca. A renovação do pensamento brasileiro teria partido de Pernambuco.

O sergipano observa a longa tradição liberal de Pernambuco na luta contra a centralização politico-administrativa. E fala que na formulação dessa crítica residia uma orientação mais adequada as filosofias modernas, ao contrário da corte ainda tão ligada aos saberes de outrora. Por sua história de lutas contra o lusitanismo do poder central, havia uma orientação do pensamento no estado mais próximo a crítica moderna, e menos irascível ao “bando de ideias novas”.

Fazendo surgir no Recife, os primeiros movimentos de reforma intelectual do país. Desde os meados da década de 1860, frisa o sergipano, que o movimento intelectual intensifica-se com a ciência, a crítica e a prosa. Era a criação do Condoreirismo de Castro Alves e Tobias Barreto, a primeira resposta ao indianismo romântico. Esta seria a primeira fase do movimento que, para ele, renovou a cultura brasileira (a Escola do Recife). Era a fase do patriotismo, do teatro e do salão. O crítico sergipano fala num momento de transição, onde o lirismo era mais sadio do que o romantismo indianista, tornando a poesia um pouco mais filosófica.

Para o sergipano, faltava a Castro Alves a intuição filosófica de Tobias Barreto, cabendo a este o talento e força intelectual reerguer o pensamento nacional a partir da próxima geração. Veio então a segunda fase, que Romero dividiria em duas: a) do realismo de Celso de Magalhães, Generino dos Santos, Souza Pinto, b) e do germanismo de Tobias Barreto.

Nesta nova fase, Romero destaca que a passagem da literatura para ciência se deu a partir do combate ao romantismo no jornal A Crença. Mas, ainda faltava à intuição monística, preparada crítica. Romero abre um parêntesis para fazer uma ode a Abreu e Lima, que seria representante do novo na província, sendo o primeiro a levantar o problema da religião pós- Voltaire, colocando-se contrário à metafísica e a relação entre a igreja e o estado. Eis então, que começa a terceira fase: a do moderno naturalismo.

Sílvio destaca a importância do germanismo em Pernambuco, através de Tobias Barreto, ao contrapor novos autores numa atmosfera intelectual dominada pelos franceses. Ele também tinha tido papel predominante ao ser introdutor entre nós de autores da “intuição crítica moderna”, como Comte, Buckle, Taine, Spencer, Darwin, e tantos outros. A importância de Tobias teria sido em encarnar o espírito e a crítica moderna, seus objetivos e abordagens, modificando o panorama do pensamento brasileiro. Afirma Romero:

“A grande transformação do pensamento hodierno, produzida pela ascendência da Alemanha, o único representative man que teve no Brasil encontrou-o em Pernambuco. Ainda, neste ponto, o iniciador foi Tobias Barreto de Menezes. Eu não conheço maior metamorfose operada em um espirito do que a que se efetuou no sergipano. O chefe da poesia hugoína brasileira fez-se igualmente o evangelista do germanismo entre nós. A critica é a grande porta por onde nos vae fazendo conhecer a Alemanha; e a critica em sua totalidade aplica-la à filosofia, á religião, â literatura, á politica e ao direito. Tobias Barreto tem percorrido todos estes districtos da ciência, sem que sua antiga intuição romântica o perturbe”61.

A corte ainda era muito apegada ao saber clássico, de nascitura judaico-cristã, e não tinha conhecimento adequado da crítica moderna para apreciar a obra de Tobias Barreto. Os louros não vindos do centro da elite letrada criaram um ressentimento em Romero por estar inicialmente a ocupar suas margens, devido aos problemas de recepção. O sergipano reafirma que o moderno não nasce com Cônego Pinheiro ou Machado de Assis. Sobre o criticismo de sua autoria, afirma:

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“Em poesia, o criticismo, porque é a feição do tempo; em filosofia e literatura, o realismo científico, e a verdade ao Brasil, tudo sem endeusar uma escola, ou uma nação. A verdade de onde quer que ela venha. Isto envolve uma série de afirmações e negações, que apareceram nos jornais de Pernambuco nos oito anos que mediaram entre 1869 e 1876”62.

Uma das principais características do movimento intelectual renovador de Pernambuco foi a incorporação das novas teorias cientificistas, o entusiasmo com as ideologias do progresso, incorporando a análise literária estes elementos sociológicos; e a poesia, os elementos étnicos. Já as províncias seriam, para o sergipano, as nossas pátrias intelectuais, servindo-nos o material para análise cultural.

4.3.2. O folclore regional

O estudo do folclore serve, em tese, para conservação e publicação das tradições populares: as lendas, provérbios, ditos-cujos, cantigas, superstições, antigos costumes, danças, poesias populares, etc. Embora proceda criticamente aos antigos saberes e aos nossos tempos de colônia, Romero irá buscar a formação do nosso povo através dos elementos da cultura popular, com o folclore.

No final do século XIX, havia poucos estudos a respeito do folclore do país. O pioneirismo coube aos estudos de poesia popular brasileira do maranhense Celso de Magalhães. Mesmo discordando deste, Romero se interesse pelo estudo, e ampliar sua dimensão, e coleta vários elementos folclóricos do norte brasileiro, principalmente de Pernambuco e Sergipe. Uma novidade de Sílvio é o destaque ao fator negro na nossa formação, e aos elementos folclóricos que nos apresentavam isto. Depois de Sílvio, teremos a coletânea de Pereira da Costa, com seu Folk-lore pernambucano: subsídios para a história da

poesia popular em Pernambuco. Entre estes escritores, muitas influências tiveram dos

trabalhos folclóricos de Almeida Garrett e Teófilo Braga.

O Sílvio Romero folclorista está mais preocupado em fazer um trabalho de coleta de material, elaborando o primeiro livro sobre contos e cantos populares de Pernambuco. Nele, encontramos poesias populares, em seu caráter de costumas, festas, cantigas, a partir do hibridismo cultural, da influência africana preponderante. Romero observa a literatura de cordel, as modinhas, o ciclo do vaqueiro, lendas do Recife antigo (como A alforria do cachorro), histórias de Lobisomen, espinhas na garganta, histórias populares do Cabeleira, as

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danças, pianos, romanceiros de Sergipe e Pernambuco, a figura do cavalo-marinho e do bumba-meu-boi, as solenizações e brindes, os ceguinhos e marujos, as senhoras de casa, os brinquedos e troças infantis. Na cultura que condensava nosso povo, Romero inspirou-se e sentiu-se partícipe:

“Ainda agora sinto no ouvido a melodia simples e monótona desses e de outros versinhos do gênero; e invade a saudade, doce companheira a quem devo nos dias tristes de hoje as raras horas de prazer de minha vida. Tudo que sinto do povo brasileiro, todo meu brasileirismo, todo meu nativismo vem principalmente daí. Nunca mais o pude arrancar d'alma, por mais que depois viesse a conhecer os defeitos de nossa gente, que são também os meus defeitos.” (ROMERO, 1905 apud Do Rio, João, 1905, p. 29-38).

Os estudos folcloristas de Romero serão mais valorizados depois da publicação. Na época, se deu mais atenção aos problemas filosóficos, à crítica literária e ao ensejo político. O sergipano tem dificuldades em separar o racial e o sociocultural na análise deste material, mas, de toda forma, realça que ele é fruto de um dado positivo, ocorrido, que não se poderia mudar: a mestiçagem. O estudo da cultura popular e do folclore procurava fixar no fator racial e cultural a representação das ideias.

Desde a infância, Sílvio vai coletando essas manifestações populares, que depois reunirá nos Cantos e Contos Populares. Os seus artigos que depois se reunirão nos Estudos sobre a

poesia popular no Brasil foi a porta de entrada para elite letrada carioca, sendo publicados na

Revista Brasileira. A sua compilação das fontes orais será a grande contribuição de Romero para os estudos culturais. A sua análise, contudo, deixa a desejar, girando muito mais em torno das polêmicas, Romero não analisa o material em si, mas demonstra concordâncias e discordâncias em relações a autores que trabalharam com material parecido. O método crítico de Sílvio longe de acuro científico ou rigor conceitual era mais um invólucro de polemista, sempre expondo seus pensamentos em tornos de aprovação ou desaprovação do seu opositor.

O crítico sergipano afirmava que base da cultura nacional havia dois agentes: um criador, e outro transformador. Os criadores seriam as três raças de uma maneira distinta: branco, negro e índio. Cada em suas características raciais e socioculturais. O agente transformador seria aquele criado pelas três raças: o mestiço. A mestiçagem seria o elemento racial e cultural de diálogo das populações com o seu meio geográfico.

E a partir desse prisma, Sílvio coleta uma série de cantigas, rodas, poesias, cânticos e contos, que mostram este hibridismo, com o agente modificador. Uma cantiga portuguesa adaptada, uma dança modificada, etc.

No entanto, o crítico sergipano dá prioridade ao elemento branco-português, dizendo que dele vem a hegemonia, por causa da língua, das crenças religiosas, e das instituições civis e políticas. Nos romances de vaqueiros havia mais influência indígena. Nos versos de reinados, congos, taieiras, encontrava-se mais a influência africana.

Em especial, o elemento negro teria tido mais força para ressignificar os traços populares trazidos pelos portugueses. Assim, depois do português, caberia ao mestiço a prioridade do popular. Na cultura popular do norte agrário, Romero destacava, em especial: a) figura do boi; b) e o drama popular do Nordeste (de influência banta).