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A Emenda Constitucional 09/1977 e a Lei 6515/1977: a solubilidade do casamento

PARTE I: DESCORTINANDO O MUNDO DA PESQUISA

1.3 O olhar jurídico sobre a dissolução conjugal

1.3.5 A Emenda Constitucional 09/1977 e a Lei 6515/1977: a solubilidade do casamento

Outros dispositivos importantes a serem mencionados são a Emenda Constitucional – EC – nº 9 de 19779, que possibilita a dissolução do casamento, e a Lei

9 A Constituição Federal em vigor nesse período era a de 1969. O texto alterado refere-se ao seguinte: “Art. 175. A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Podêres [sic] Públicos. § 1º O casamento é indissolúvel.” (BRASIL, 1969).

nº 6515 de 1977, que regulamenta as mudanças estabelecidas por essa Emenda. O elemento novo apresentado por essa Emenda era que o casamento se tornava passível de dissolução e a separação judicial passava a ser reconhecida (BRASIL, 1977a). A EC determina o seguinte formato para o parágrafo 1º do artigo 175 da Constituição: “§ 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos." (BRASIL, 1977a).

A Lei nº 6515 de 1977 (BRASIL, 1977b) regulamenta a mudança constitucional, estabelecendo que a sociedade conjugal poderia ser finalizada por um dos quatro motivos elencados aqui: a morte de um dos cônjuges, a nulidade ou anulação do casamento, a separação judicial e o divórcio, sendo a dissolução conjugal possível pelo primeiro ou pelo último item (art. 2º). Como veremos posteriormente, essa norma possui semelhanças com o disposto no Código Civil de 2002.

Percebemos que o desquite foi abolido e que a separação judicial tornava-se reconhecida como um passo para o divórcio, encerrando os “[...] deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido” (art. 3º) (BRASIL, 1977b). A separação constituía-se como uma etapa para o divórcio, ainda não significando a efetiva dissolução do casamento, uma vez que estava associada a um como se. A separação funcionava como se o casamento fosse dissolvido. Como vimos na EC, somente após três anos de separação judicial, poderia haver a dissolução do matrimônio.

Nessa lei, não era estabelecido um rol de situações em que a separação podia ser solicitada, como acontecia com o desquite, no Código Civil de 1916. Apesar disso, seu texto aponta que a separação “[...] pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum.” (art. 5º) (BRASIL, 1977b). Também nessa lei podemos perceber que o afeto não era apontado como um motivo para o divórcio ou a para separação conjugal.

Outra situação em que a separação podia ser pedida era quando um cônjuge provava a ruptura da união e a impossibilidade de retorno da vida conjugal (parágrafo 1º do art. 5º) (BRASIL, 1977b). Inicialmente o tempo de ruptura deveria ser de, no mínimo, cinco anos consecutivos, sendo diminuído, em 1992, pela Lei 8408, para um ano (BRASIL, 1992).

O pátrio poder não foi abordado nesse dispositivo, o que nos leva a perceber que esse instituto não foi modificado: permaneceu como uma competência de ambos os genitores, mas exercido pelo homem, com a colaboração da mulher.

Em continuidade com o disposto nas leis anteriores, nos casos em que a separação judicial era consensual, resguardava-se a decisão dos cônjuges quanto à guarda dos descendentes, e quando havia um culpado, a guarda dos filhos era destinada ao cônjuge inocente, permanecendo a culpa como um elemento definidor da guarda (art. 9º e 10º) (BRASIL, 1977b). Nos casos em que ambos eram os responsáveis, os descendentes ficavam sob a guarda materna (§1º do art. 10º) (BRASIL, 1977b)10, em conformidade com o proposto na Lei 4121 de 1962, continuando o predomínio das mães nos cuidados sobre os filhos nessas situações.

Aqui é explicitado o direito de visitas ao genitor não guardião, a ser estabelecido pelo juiz, e também é-lhe atribuída a função de fiscalizar a educação dos filhos (art. 15) (BRASIL, 1977b), sendo possível perceber uma diferenciação quanto aos papéis parentais: um se torna o guardião e o outro, um visitante-fiscal.

Também nesse instrumento legal, o (ex) casal é colocado em uma posição de disputa, na qual um deles sai vencedor enquanto o outro, vencido.

Art 17 - Vencida na ação de separação judicial (art. 5º " caput "), voltará a

mulher a usar o nome de solteira. [...] Art 18 - Vencedora na ação de

separação judicial (art. 5º " caput "), poderá a mulher renunciar, a qualquer momento, o direito de usar o nome do marido.” (BRASIL, 1977b, grifo nosso).

Observamos aqui um incentivo à lógica da competição entre os cônjuges, na qual um sai perdedor e o outro ganhador. Uma lógica na qual um parceiro é colocado contra o outro para disputar uma ação judicial, seja a guarda dos filhos, a pensão alimentícia, as visitas... Contudo ainda não sabemos responder o que ganham os vitoriosos, uma vez que, para nós, todos perdem: perdem convivência com os filhos, perdem tranquilidade, perdem tempo, perdem dinheiro...

No que se refere ao divórcio, este tornou possível a dissolução do casamento, inclusive dos efeitos civis do matrimônio religioso (art. 24). Aqui o pedido de divórcio também apenas competia aos cônjuges, salvo situação de incapacidade de um deles, sendo possibilitado por meio de sentença judicial, mas somente após a decisão definitiva quanto à separação (§1º do art. 24) (BRASIL, 1977b).

10 Outras situações de guarda e de separação são contempladas nessa lei, contudo não abordaremos por não se constituírem como foco de nosso estudo.

O pedido de conversão da separação judicial em divórcio poderia ser requerido por qualquer um dos cônjuges e a solicitação de divórcio a partir da separação de fato também poderia ser realizada, sendo necessária, para tanto, a comprovação da causa e do período de cinco anos consecutivos (art. 40). Vale acrescentar que a Lei 7841 de 198911 reduziu esse período para dois anos, retirou a necessidade de comprovação da causa nesses casos e possibilitou que o divórcio fosse solicitado mais de uma vez (BRASIL, 1989).

Pelo que observamos na Lei 6515/1977, questões relativas à guarda e à pensão dos filhos eram decididas durante o processo de separação judicial. Como o texto da lei (art. 27) estabelece que o divórcio não altera o relacionamento entre pais e filhos, no que se refere aos direitos e deveres dos primeiros em relação a estes, mesmo após a ocorrência de novo casamento por qualquer um dos cônjuges, pareceu-nos que o divórcio não modifica as decisões efetuadas durante a separação. Apesar disso, vale explicitar que o valor referente aos alimentos e a decisão sobre a guarda dos filhos poderiam ser revistos a qualquer tempo (art. 28) (BRASIL, 1977b).