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O encontro com Rita e a construção de novos sonhos

PARTE II: DESCORTINANDO O MUNDO DE NOSSOS SUJEITOS

4.3 O encontro com Rita e a construção de novos sonhos

O entrevistado relatou que trabalhava no mesmo local que a ex-esposa, onde se conheceram. Explicou que vivenciaram um namoro curto, de três meses, pois, segundo ele, Rita queria uma relação séria, com casamento, por já ter dois filhos, ser evangélica e considerar inapropriado um relacionamento sem compromisso. Apesar de evitar assumir relações sérias, Antônio resolveu ceder e casar com Rita, avaliando, inclusive, que casou tarde, com 39 anos.

“[...] eu casei tarde. Casei, casei, casei com 39, casei com 39. Foi, 39. Foi, 39. Casei com 39. 39 pra 40. Então, eu casei tarde. Namorei muito, mas casei tarde”.

“Eu casei com, casei tarde, casei, casei velho já. Tem gente que casa nova, novo, né?! Eu já casei velho. E eu não queria casar não, foi mais por, por ela, opção dela, né?!”.

Podemos verificar a ênfase atribuída a sua percepção de ter casado tarde, velho, como se existisse uma idade ideal para casar, levando-nos a observar a forte presença de normas sociais nessa fala. Percebemos também que esse seu padrão de idade recebeu influência do relacionamento entre seus pais e de casais antigos:

“Porque minha mãe casou, meus pais casaram cedos [sic]... casaram cedo. E eu vejo assim: os casais antigos, pessoal que tem 30, 40 anos [de casado]... pessoal casou cedo, né?!”.

Apesar dessa compreensão, Antônio avalia que deveria ter esperado mais tempo para casar, de modo que pudesse conhecer melhor a esposa, mas que se sentiu bastante envolvido, por ela ser, em sua visão, uma mulher dominadora, determinada, forte e envolvente.

“E ela é uma pessoa [...] de muito argumento. Muito forte ela. Ela, eu creio que no relacionamento entre nós, eu creio que eu era o passivo da história [...] Ela era uma pessoa mais ativa, de... sabe?! Então, ela me envolveu muito, sabe?! E ela uma mulher mais vivida do que eu, né?! Porque ela casou com 14 ou foi 15... casou cedo, né?! Tinha um filho de 17, uma menina de, de 14. [...] Então ela tinha uma vivência muito grande”.

Nesse sentido, explicou que adentrou no mundo de Rita somente após o casamento, quando essa senhora começou a relatar sua história de vida e quando começou a observar e a se informar mais sobre as atitudes dela.

“[...] no casamento que eu descobri um pouco sobre a vida dela, no casamento mesmo. A carruagem já andando, né?! Eu num [sic] procurei saber o passado, num [sic] procurei, sabe?! Porque eu me encantei por ela... me encantei assim pela força dela, pelo jeito dela, né?!”. “[Para casar] Você tem que conhecer bem a pessoa... e até muito tempo a gente não conhece, né?! Conhece nem a si mesmo, né?!”.

Antônio aponta a importância de o casal se conhecer bem antes de decidir pelo casamento, a importância de conhecer a história de vida um do outro, com suas dores e alegrias, de adentrarem um no mundo do outro. Ao mesmo tempo, o entrevistado fala da importância de conhecer a si próprio, considerando que, muitas vezes, não nos conhecemos bem.

Ao adentrar em um casamento, entramos em contato com uma experiência nova, ainda desconhecida por nós, que será desenvolvida e descoberta somente na vivência do matrimônio. Trata-se da construção de uma nova faceta da identidade, de uma nova personagem: esposo/esposa. A partir do relacionamento com o outro, podemos nos construir, nos descobrir outro e mesmo e nos conhecer mais profundamente. Ademais, o contato com o mundo do outro possibilita a ampliação de nosso mundo e a refiguração de nossas vidas.

Durante a entrevista, Antônio revelou uma visão idealizada do amor e do casamento:

E eu vejo assim: os casais antigos, pessoal que tem 30, 40 anos [de casado]... pessoal casou cedo, né?! [...] Eu, eu admiro, sabe, quando eu vejo uma pessoa [...] assim de idade... ‘Poxa, eu casei com 18, casei com 20’, né?! Ai vejo que... [...] teve [sic] coisas assim... teve [sic] traições no meio disso tudo, mas as pessoas não se desligaram com isso [...] ‘não, mesmo assim eu gosto dele’. Não é se suportar, mas é, é um pouco de amor, sabe?! Esse, esse amor que eu sentia, sabe?!”.

O entrevistado compreende o amor como um sentimento capaz de superar todas as barreiras, e o casamento como “até que a morte os separe”, demonstrando certo desapontamento por seu relacionamento não ter superado os obstáculos que surgiram. É possível perceber uma valorização do amor e do casamento na fala de Antônio, apesar de ter referido que relacionamentos sérios nunca se constituíram como um desejo seu.

Na contemporaneidade, o amor tem sido visto de forma idealizada, como um sinônimo de paixão, constituindo-se como a única base de sustentação de um

casamento e como o passaporte para a felicidade (JABLONSKI, 2003). A sociedade cria expectativas que os sujeitos não conseguem alcançar, gerando intensa frustração, como vimos em Antônio. Ademais, basear toda uma relação como o casamento em um único sentimento, o amor-paixão, é bastante arriscado, principalmente ao se considerar os apelos antagônicos vigentes em nossa sociedade, como monogamia x liberdade sexual, familismo x individualismo, permanência x descartabilidade, que contribuem para o acirramento de tensões e conflitos entre os cônjuges (JABLONSKI, 2003).

O entrevistado referiu que a gravidez do primeiro filho do então casal foi planejada, apesar de ele ter nos dito que deveriam ter esperado um pouco mais. Afirmou que se sentiu bastante feliz com o nascimento do infante e que a responsabilidade com a criança constitui-se como uma fonte de prazer e de motivação para ele.

“Pra mim, foi uma felicidade grande. [...] Eu não acreditei, sabe? Saber que... e quando eu fazer [sic] o ultrassom, que eu fui ver, né, que, que era um meninozinho... [...]. Pra mim, foi, aquilo ali foi... sabe?! Foi... foi bom demais. E a responsabilidade de... acho que é a melhor, a melhor sensação é ter responsabilidade... saber que uma pessoa pequena depende de você, né?! [...] é isso que me faz todo dia me levantar cedo de casa, acordar, acordar 5:30 pra tá num, num [sic] hotel 7:00. É isso que me faz, sabe, acordar cedo e ver que meu filho depende de mim...”.