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PARTE I: DESCORTINANDO O MUNDO DA PESQUISA

1.5 A Alienação Parental

1.5.2 O olhar Jurídico

O Estado brasileiro sancionou em 2010 a Lei nº 12.318, que busca coibir os atos de Alienação Parental. Essa lei traz, em seu artigo 2º, uma conceituação acerca desse fenômeno, compreendendo-o como:

[...] a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010b).

Ressaltamos o avanço dessa Lei, ao reconhecer a importância da formação psicológica dos indivíduos e da manutenção de vínculos entre pais e filhos, aspectos fundamentais a serem levados em consideração nos relacionamentos familiares (GROENINGA, 2011).

Esse dispositivo enumera, também no artigo 2º, uma série de condutas que caracterizam a prática da Alienação Parental, podendo ser mencionadas:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (BRASIL, 2010b). Os comportamentos típicos da Alienação Parental vão de encontro ao estabelecido nas competências do poder familiar, conferido a ambos os pais, com o objetivo de enfraquecê-lo junto ao genitor alienado. Nesse sentido, a prática da Alienação Parental teria como intuito destituir pai ou mãe de seu lugar de autoridade junto aos filhos.

Percebemos também que a conceituação proposta e as condutas elencadas acima não coincidem em exatidão com o apresentado pelo psiquiatra Gardner (2002), não havendo foco sobre o comportamento da criança/adolescente, mas sim sobre as atitudes dos pais. Ademais, observarmos que essa tipificação é proposta por meio de uma descrição minuciosa, que busca não dar margem para interpretações diversas.

Ao realizar essa tipificação, a Lei não exclui que outros comportamentos possam ser associados a essa prática, desde que definidos pelo juiz ou pela realização de

perícia psicológica ou biopsicossocial, evidenciando o lugar de verdade ocupado por esses dispositivos. Ademais, essa Lei estabelece, no parágrafo 1º do artigo 5º, um rol de atividades a serem desenvolvidas pelos peritos, quais sejam:

[...] entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. (BRASIL, 2010b).

Como podemos perceber, esse instrumento jurídico apresenta ampla intervenção, abrangendo inclusive a prática de profissionais de áreas diferentes do Direito, ao definir as atividades a serem realizadas por eles.

Esse dispositivo também prevê que, havendo indício de Alienação Parental, o processo terá tramitação prioritária, garantindo-se às crianças e adolescentes medidas que garantam a preservação de sua integridade psicológica, bem como medidas de garantia mínima de visitação assistida, que contemplem, além desse público, o genitor (supostamente) alienado (art. 4º). Contudo, vimos percebendo, através de nossa prática, que muitos advogados vêm incluindo a alegativa de Alienação Parental como uma manobra para obter maior agilidade nos processos judicias.

Podemos observar que essa Lei aponta a necessidade de cuidado com aspectos psicológicos dos sujeitos envolvidos. Sobre isso, verificamos que a palavra ‘psicológico’ surge em seu texto por seis vezes, o que mostra a importância atribuída a esse elemento pelo legislador, principalmente ao consideramos que se trata de uma lei curta, com apenas 11 artigos, tendo dois vetados.

Esse instrumento legal estabelece, ao final, uma série de medidas judiciais a serem tomadas contra aqueles que, comprovadamente, praticam a Alienação Parental, as quais, a nosso ver, assumem o valor de punição. Como exemplos, citamos advertência, aplicação de multas, suspensão da autoridade parental e mudança na modalidade ou inversão da guarda (BRASIL, 2010b).

Mais uma vez, ao invés de propor o acompanhamento e a orientação de indivíduos e famílias que experienciem a AP, a legislação estabelece medidas de caráter punitivo, que, a nosso ver, não contribuem para amenizar os conflitos entre os (ex) cônjuges, nem para construir uma relação de diálogo entre eles. Vale ressaltar ainda que algumas dessas medidas, como a suspensão da autoridade parental e as mudanças na guarda, podem trazer repercussões diretas e indiretas para as crianças e adolescentes

envolvidos, como uma punição também para esses sujeitos, conforme nos alerta Groeninga (2011) em relação à legislação sobre Guarda Compartilhada.

O Sistema Judicial, ao incentivar a lógica adversarial e instituir os lugares de ganhador e perdedor, culpado e inocente, vítima e algoz, dificulta o entendimento da natureza das relações familiares (GROENINGA, 2011). Groeninga (2011) alerta sobre o risco de se utilizar a Alienação Parental sob essa ótica, “[...] como meio de prova, com a finalidade de impor sanções e ganhar uma disputa [...]”, visto que esse modelo “[...] acaba por perverter a importância da identificação do fenômeno da alienação e sua superação.” (GROENINGA, 2011, p. 216).

Por outro lado, para Pereira (2013), é necessária a responsabilização do genitor alienador, quando se verifica a Alienação Parental, visto que o indivíduo que a pratica está violando o exercício do poder familiar; infringindo importantes princípios constitucionais, como o Melhor Interesse da Criança, o princípio da dignidade humana e o da paternidade responsável; violando o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 5º, que estabelece que nenhuma criança poderá ser submetida a quaisquer formas de negligência, violência ou crueldade. Apesar disso, o autor reconhece a dificuldade de comprovação desse fenômeno, explicando que, por esse motivo, muitas vezes, faz-se necessária a realização de perícia psicológica ou psiquiátrica.

Podemos perceber que, juntamente com a Lei da Guarda Compartilhada, a Lei da Alienação Parental objetiva reforçar o poder familiar, havendo entre esses dois dispositivos certa complementaridade e sintonia no que se refere à Doutrina da Proteção Integral de Crianças e Adolescentes (GROENINGA, 2011). Para a autora, tais leis podem ocasionar efeitos reais e simbólicos na qualidade dos relacionamentos familiares. Por fim, observamos que a temática da Alienação Parental alcançou significativa repercussão nacional, principalmente no Sistema Judiciário. Somado à elaboração da Lei 12.318/2010, segmentos da sociedade civil vêm divulgando bastante o tema, tendo instituído a data de 25 de abril como o Dia Internacional de Conscientização sobre a Alienação Parental e sendo lançada em outubro de 2012, pelo Instituto Brasileiro de Direito da Família – IBDFAM –, uma campanha de combate à Alienação Parental.

2 DESCORTINANDO O PERCURSO METODOLÓGICO

“[...] a dialética entre técnica e criatividade é o tempero da boa pesquisa.” (MINAYO, 2010, p. 199). No capítulo anterior, buscamos descortinar o mundo do desenlace conjugal, no sentido fornecer subsídios para o entendimento do fenômeno que estamos estudando. A partir desse momento, passaremos a abordar as opções metodológicas que guiaram nossa trajetória neste estudo.