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O Código Civil de 2002: direitos e deveres iguais para homens e mulheres?

PARTE I: DESCORTINANDO O MUNDO DA PESQUISA

1.3 O olhar jurídico sobre a dissolução conjugal

1.3.7 O Código Civil de 2002: direitos e deveres iguais para homens e mulheres?

somente como sociedade conjugal, mas também como vínculo conjugal, expressão que ainda não havia surgido nos dispositivos analisados anteriormente.

Corroborando as mudanças na Constituição de 1988, esse dispositivo traz um tratamento mais igualitário entre homens e mulheres no que se refere à vivência conjugal, sendo estabelecido que ambos assumirão a direção da sociedade conjugal e as responsabilidades pelas obrigações familiares (art. 1567). Abordados como companheiros e consortes um do outro (art. 1565) e não como chefes de família, apresentam direitos e deveres comuns (art. 1566), diferentemente do Código de 1916, no qual constava um capítulo específico para os direitos e deveres do marido e outro para os da mulher. Em caso de divergência, cabe a qualquer um dos cônjuges recorrer à justiça para auxiliar na resolução do problema (parágrafo único do art. 1567) (BRASIL, 2002).

A igualdade atribuída a homens e mulheres promove, ou pelo menos precisaria promover, formas outras de conjugalidade, que não se baseiem em uma relação chefia entre os cônjuges, tendo em vista que essa figura já não existe na legislação (BRITO, 2003). Como companheiros e consortes, homens e mulheres precisam desenvolver relacionamentos que se baseiem na igualdade de seus lugares e não em sua hierarquização.

Como deveres comuns dos cônjuges, esse dispositivo aponta “I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos” (art. 1566) (BRASIL, 2002). Destacamos aqui que, durante a vigência do casamento, o sustento, a guarda e educação dos filhos são responsabilidades de ambos os genitores, não havendo preferência ou predominância de nenhum.

Esse Código reconhece não somente a dissolução do casamento, mas também do vínculo conjugal. Estabelece que o fim da sociedade e do vínculo conjugal pode ser ocasionado “I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio” (art. 1571) (BRASIL, 2002). Além disso, aqui é apontada a possibilidade de divórcio direto e de divórcio por conversão (BRASIL, 2002).

Também como na Lei 6515/1977, qualquer um dos cônjuges pode solicitar a separação conjugal, desde que atribua ao outro uma conduta que indique grave violação ao casamento e que impossibilite a continuidade da união. Assim como no Código de 1916, aqui são tipificadas algumas dessas ações: “I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ou injúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenação por crime infamante; VI - conduta desonrosa” (art. 1573) (BRASIL, 2002), que nos levam a perceber semelhança com o primeiro código.

O parágrafo único do art. 1573 indica que podem haver outros casos que o juiz avalie como impeditivos da convivência conjugal, não citando-os. Além disso, observamos que não é explicitado o entendimento sobre conduta desonrosa. Esses aspectos reforçam a discricionariedade das decisões dos juízes, ou seja, reforçam a autoridade do juiz e o peso de sua subjetividade nas decisões.

A separação judicial, assim como na Lei 6515/1977, termina com as obrigações de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime de bens adotado no casamento (art. 1576) (BRASIL, 2002). Contudo, aqui não há analogia em relação a como se o casamento fosse dissolvido, uma vez que é somente o divórcio que estabelece essa condição.

Permanece, no Código Civil de 2002, a possibilidade de solicitação de conversão da separação judicial em divórcio, por qualquer um dos cônjuges, após um ano da decisão, assim como de pedido de divórcio no caso de separação de fato pelo período mínimo de dois anos (art. 1580), o que será, mais uma vez, modificado em 2010, com a Emenda Constitucional nº 66, conforme veremos.

A noção de culpa também permanece durante a separação, mas já não sendo relacionada à guarda dos filhos. Aqui o cônjuge responsabilizado perde o direito de usar o sobrenome do outro12, podendo continuar fazendo uso desde que expressamente autorizado (art. 1578). Além disso, a noção de culpa é utilizada quando se trata da obrigação de prestar alimentos ao cônjuge (art. 1704) (BRASIL, 2002).

A expressão pátrio poder é abolida nesse instrumento legal, determinando- se que o casal é o responsável pelo sustento, guarda e educação dos filhos. Em seu lugar, o Código traz a expressão Poder Familiar, que possui um capítulo específico para descrevê-lo (Capítulo V – Subtítulo II – Título I – Livro IV). Como já mencionado, homem e mulher assumem, aqui, lugares igualitários nas funções de pai e mãe, não

havendo preferência ou diferenciação quanto a relações de gênero no que se refere aos cuidados com os descendentes.

Verificamos que as normas que regem a separação conjugal no Código Civil de 2002 assemelham-se bastante ao já instituído na Lei nº 6515 de 1977, havendo maior clareza na redação dos artigos, o que deixa menor margem para subjetividade e interpretações diversas. A definição de separação, a noção de culpa (embora um pouco mais limitada), a conversão da separação judicial e da separação de fato em divórcio, a guarda dos filhos no caso de separação consensual são alguns dos elementos que nos falam dessa continuidade.

Nesse dispositivo, o divórcio e a separação consensuais são regidos da mesma forma no que tange à guarda dos filhos: resguardar-se-á, nesses casos, as decisões dos cônjuges. Quando a dissolução é litigiosa, ocorre uma mudança, uma vez que a culpa não é o elemento preponderante nessa decisão e que não consta no texto da lei uma determinação a priori de guarda materna em nenhum caso. Nessas situações, a condição para a concessão da guarda a um dos genitores passa a se referir às características pessoais do cônjuge, no que se refere à presença das melhores condições para o exercício da guarda, apesar de não ser estabelecido no que se constituiriam essas melhores condições.

Quanto ao genitor não guardião, o Código Civil de 2002 determina que esse indivíduo poderá visitar os filhos e tê-los em sua companhia, conforme o estabelecido com o outro cônjuge ou pela determinação judicial, bem como fiscalizar a manutenção e a educação dos filhos (BRASIL, 2002). Podemos perceber forte semelhança com o estabelecido na Lei 6515, havendo continuidade entre esses dois dispositivos.

Apesar de se constituir como um dever, essas determinações facultam ao genitor a escolha de visitar ou não os filhos, de fiscalizar ou não sua educação, o que pode acarretar diversas repercussões para crianças e adolescentes que alimentam expectativas de conviver com os pais (GROENINGA, 2011).

Além de ser dito que o novo casamento de um dos cônjuges, ou dos dois, não implicará em modificações nos direitos e deveres de qualquer um dos genitores em relações aos descendentes, o que já foi apontado na Lei 6515 de 1977, esse Código determina que a nova união não poderá acarretar mudanças, buscando, assim, resguardar a relação entre pais e filhos (BRASIL, 2002)13.

13 No item 1.4, abordaremos as definições e modelos de guarda de forma mais aprofundada, bem como as transformações no Código Civil de 2002, advindas das Leis 11698/2008 e 13058/2014.

Considerando que, em nossa sociedade, os vínculos de filiação são historicamente relacionados aos vínculos matrimoniais, é preciso ter claro que, quando ocorre o rompimento e se estabelecem novas uniões conjugais, os cuidados juntos aos filhos continuam sendo uma atribuição de ambos os cônjuges, independente da dissolução matrimonial (BRITO, 2003).

Desse modo, a igualdade entre marido e esposa permanece, ou deveria permanecer, sendo necessária a reorganização da família para contemplar as transformações ocasionadas por essa ruptura, bem como para possibilitar que pai e mãe continuem exercendo, de forma satisfatória, seus direitos e deveres junto aos filhos e que o vínculo paterno/materno-filial seja, assim, preservado (BRITO, 2003). Brito (2003, p. 327) assinala que “Tais constatações têm exigido alterações na legislação, definindo-se, agora, que a indissolubilidade, não se aplicaria à união conjugal, mas, sim, à filiação”. Em outras palavras, o casamento já não é indissolúvel, mas os vínculos entre pais e filhos são, ou deveriam ser.

Observamos que o CCB de 2002 continuou usando o termo visita ao invés de convivência familiar, como preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – desde 1990. Pereira (2013) considera que, apesar das semelhanças entre essas duas definições, a utilização de convivência é mais adequada às relações familiares, por atribuir frieza e distanciamento à noção de visita.

Já para Groeninga (2011), ambos os termos fomentam distorções e confusões no âmbito das relações familiares, sendo usados, muitas vezes, pela legislação e pelo sistema judicial, como sinônimos. O termo visita, segundo a autora, é relacionado à noção de fiscalização, possuindo um caráter temporário, não contemplando a complexidade das relações parentais.

Quanto à utilização de convivência, apesar de reconhecer o avanço que essa noção representa, no sentido de valorizar a preservação e manutenção das relações familiares, Groeninga (2011) considera que esse termo não contempla a necessária proteção à família e aos filhos, sendo bastante associado à compreensão de proximidade espacial e de continuidade temporal, ou seja, de convivência diária e física, aspectos que nem sempre estão presentes no contexto de rompimento conjugal. Diante disso, para a autora, a expressão relacionamento familiar é a que melhor contempla a diversidade e complexidade das relações familiares, bem como a proteção à família.