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CRISE DO CAPITAL: PRODUÇÃO FLEXÍVEL, REFORMA DO ESTADO E REFORMAS EDUCACIONAIS

2.1 A crise do capital

2.1.1 A emergência da produção flexível

Diante do quadro descrito anteriormente, o capital procurou construir novos modelos de produção através da introdução de inovações técnico-científicas na base de funcionamento dos instrumentos de trabalho que, por sua vez, rebatem nos métodos de produção, na gestão e organização das empresas, nas relações de trabalho e, diretamente, nos perfis de qualificação dos trabalhadores.

Configura-se, assim, um processo de transição do fordismo para a acumulação flexível, caracterizado por Harvey (1992), pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentos de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional, e ainda por mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual entre setores e regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no setor de serviço, bem como a transferência de conjuntos industriais para regiões até então subdesenvolvidas.

Dentre as experiências de acumulação flexível, o toyotismo36, ou modelo japonês, tem-se constituído na maior referência para os capitalistas, tanto pela

36 Também conhecido por Ohnismo, por ter sido elaborado por um engenheiro da TOYOTA, chamado

Ohno Taiichi, cujo objetivo principal é aumentar e eficiência pela eliminação consistente e completa de desperdícios. Baseia-se em dois princípios: o primeiro é a "autonomação" e auto-ativação que provoca, de um lado, a desespecialização e a polivalência operária e, de outro, a intensificação do trabalho; e o segundo é o just-in-time (produzir o necessário, na quantidade necessária e no tempo certo). Utiliza-se do método kanban (mecanismo pelo qual a empresa utiliza cartões ou instrumentos visuais para controlar o ritmo de trabalho, indicando o período da operação, a seqüência das tarefas e a qualidade padrão do produto) Ver: OHNO, Taiiche. O sistema toyota de produção: além da produção em larga escala. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

revolução técnica que operou na indústria japonesa, quanto pela potencialidade de propagação que alguns dos pontos básicos do toyotismo têm demonstrado, expansão que tenta atingir mesmo que de forma diferenciada todos os países.

Ao descrever a evolução do sistema toyota, Ohno (1997) aponta as seguintes fases que levaram ao advento do toyotismo:

1) A necessidade da Toyota em responder à crise financeira, aumentando a produção sem aumentar o número de trabalhadores, evitando o desperdício de pessoas, de tempo e de materiais;

2) A introdução, na indústria automobilística japonesa, da experiência do ramo têxtil, dada especialmente pela necessidade de o trabalhador operar simultaneamente com várias máquinas;

3) A importação das técnicas de gestão dos supermercados dos Estados Unidos, que deram origem ao “kanban”, produzindo somente o necessário no melhor tempo possível e repondo os produtos somente depois de sua venda;

4) A expansão do método “kanban” para as empresas subcontratadas e fornecedoras.

Além dos elementos acima mencionados, o toyotismo, segundo Ohno (1997), caracteriza-se por uma produção em pequenos lotes, voltada e conduzida pelas necessidades dos consumidores e sustentada por um estoque mínimo. Seu objetivo mais importante é o aumento da eficiência pela eliminação constante e completa de desperdícios, mediante a redução dos custos de produção e da adoção de um sistema de gestão que desenvolva a habilidade humana até sua mais plena capacidade, a fim de realçar a criatividade e a operosidade, para utilizar bem as instalações e máquinas, eliminando todo e qualquer desperdício, inclusive de força de trabalho. Cada operário opera com várias máquinas, executa várias tarefas e torna-se o inspetor de qualidade do seu próprio trabalho.

O trabalho perde o cunho vertical do fordismo, passando a ser horizontalizado para ser realizado em equipe. Da relação um - homem-várias-máquinas -, agora se tem uma equipe um-sistema, pois um conjunto de homens assume a responsabilidade por um grupo de máquinas. (GOUNET, 2002).

Do ponto-de-vista do processo de trabalho, esse modelo requer a intervenção direta de um trabalhador que tenha capacidade de análise para a gestão da variabilidade e dos imprevistos que possam ocorrer no processo produtivo no sentido de identificá-los e resolvê-los em equipe. Para tanto, acrescenta Ohno, é necessário um sistema de gestão total que “[...] desenvolva a habilidade humana até a sua mais plena capacidade, a fim de melhor realçar a criatividade, a operosidade, para utilizar bem instalações, máquinas e equipamentos”. (1997, p. 30).

No ohnismo há um aumento da intensificação do trabalho, pois o trabalhador gasta mais tempo em suas tarefas, visto que além da produção ele deve se ocupar do controle de qualidade, manutenção dos equipamentos, limpeza do local de trabalho. Assim, podemos utilizar uma análise de Marx que tão bem pode desvelar o aumento da intensidade do trabalho nesse modelo de produção que é a menina dos olhos de muitos capitalistas:

[...] mediante o aumento da intensidade do trabalho, pode-se fazer com que um homem gaste em uma hora tanta força vital como antes em duas. È o que se tem produzido nas indústrias submetidas às leis fabris, até certo ponto, acelerando a marcha das máquinas e aumentando o número de máquinas de trabalho que devem atender agora um só individuo. (MARX, 1982, p. 178).

No que diz respeito à organização do trabalho, o “kanban”, o “just in time”, as células de produção, a flexibilidade, os círculos de controle de qualidade, a administração participativa, a gerencia por “ninjustu” (arte da invisibilidade) são técnicas que tendem a se propagar ou mesclam-se com a rigidez da organização do trabalho do paradigma taylorista/fordista. Isto se deve ao fato de que esse processo de transição do fordismo para a acumulação flexível é contínuo e descontínuo; a emergência de novos elementos combina-se com os antigos.

Além do toyotismo, podemos destacar o método desenvolvido em 1982 nos Estados Unidos, denominado de Manutenção Preventiva, que evoluiu para Manutenção Produtiva Total-TPM37, que significa falha zero e quebra zero das máquinas, ao lado do defeito zero nos produtos e perda zero no processo. Segundo Nakajima (1989), esse método representa a mola mestra do desenvolvimento e

37Para maiores detalhes ver: NAKAJIMA, Seiichi. Introdução ao TPM-Total productive maintenance.

otimização do desempenho de uma indústria produtora, através da maximização da eficiência das máquinas.

Em relação às técnicas japonesas, Coriat adverte que se elas são em toda parte “[...] copiadas e recopiadas, é porque elas correspondem à fase atual de um capitalismo caracterizado pelo crescimento da concorrência, pela diferenciação, e pela qualidade [...]” (1994, p. 164). Porém, elas não podem ser transferidas em sua totalidade para outros países, considerando que o conjunto de condições especificas e de caráter singular que estiveram na origem da formação do modelo de gestão japonês, para além da fabrica Toyota, abre poucas chances de que essas condições possam estar reunidas em outros locais38.

Nessa perspectiva, Harvey (1992) esclarece que as tecnologias e formas organizacionais flexíveis não se tornaram hegemônicas em toda parte, assim como o fordismo que as precedeu. A produção flexível se caracteriza por uma combinação de produção fordista altamente eficiente (com freqüência nuançada pela tecnologia e pelo produto flexível) em alguns setores e regiões (como os carros nos E.U. A., no Japão ou na Coréia do Sul) e de sistemas de produção mais tradicionais (como os de Singapura, Taiwan ou Hong Kong) que se apóiam em relações de trabalho vergonhosas: artesanais, paternalistas ou patriarcais (familiares).

Nesse contexto de transição a natureza, a composição e as formas de organização da classe trabalhadora, vêm apresentando uma progressiva heterogeneidade. De um lado, a adoção de contratos de trabalhos flexíveis39 (trabalho em tempo parcial, temporário, terceirizado, familiar, subcontratado) vem provocando um crescimento dos empregos precários e a diminuição dos empregos industriais. Essas novas modalidades de contratos de trabalhos estão trazendo à tona mecanismos de prolongamento da jornada de trabalho e de rebaixamento dos salários que eram praticados nos primórdios do capitalismo. De outro lado, as multinacionais promovem deslocalizações dos setores industriais de uma região

38Segundo Coriat, duas dessas condições são: a japonização como individualização das relações de

trabalho e a visão tecnicista da japonização. Para maior esclarecimento ver: CORIAT, Bejamim.

Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan: UFRJ,

1994.

39 No taylorismo/fordismo as negociações definiam uma classificação de ocupações básicas e um

piso salarial indexado aos incrementos de produtividade. Atualmente os salários são definidos por contratos flexíveis e os de tempo parcial são adotados para os trabalhadores menos qualificados. Para os mais qualificados são adotados outros mecanismos. Muitas vezes as empresas incentivam suas demissões para formarem microempresas para lhes prestarem seus serviços.

para outra, inclusive, dentro de um mesmo país - exemplos nos setores têxteis e eletrônicos são os mais freqüentes - a fim de se aproveitarem de uma força de trabalho barata e sem tradição de luta.

As empresas, para reduzirem os custos, aumentarem os lucros e competirem internacionalmente estão distribuindo suas operações numa vasta cadeia de formas terceirizadas e de trabalho em domicílio. Através da externalização da produção, elas transferem para os trabalhadores os custos de energia, equipamentos e espaços e utilizam uma força de trabalho sem o ônus da legislação trabalhista e dos encargos sociais.

As novas formas de organização do trabalho fragmentam as relações trabalhistas, solapam a organização sindical da classe trabalhadora e transformam as bases objetivas da luta de classes. Os sindicatos, que antes, aliados aos movimentos sociais, lutavam pelo controle social da produção, hoje aderem às formas de negociação dentro da ordem do capital e do mercado. A consciência e a subjetividade do trabalho também são atingidas, pois já não derivam somente da clara relação de classe entre capital e trabalho, mas passam para um terreno muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e das lutas pelo poder num sistema de parentescos ou até mesmo de escravidão. A luta contra a exploração capitalista na fábrica é bem diferente da luta contra um pai ou um parente que organiza o trabalho num esquema de exploração altamente disciplinado e competitivo para atender às encomendas do capital multinacional.

Nesse contexto, Bruno (1996), ao delinear o processo de reestruturação interna pelo qual vem passando a classe trabalhadora detecta quatro segmentos sujeitos a diferentes mecanismos de desvalorização e de exploração de suas capacidades de trabalho.

1) Formado por trabalhadores com qualificações complexas e estratégicas em seus respectivos ramos de trabalho, com relativa segurança no emprego, boas perspectivas de promoção e de aprimoramento profissional e com direitos previdenciários. Esse segmento deve atender às expectativas de ser adaptável e multifuncional e, se necessário, geograficamente móvel.

2) Constituído por trabalhadores também em regime de tempo integral, porém, com habilidades e atributos facilmente encontráveis no mercado de trabalho

(secretárias, pessoal das áreas de trabalho rotineiro e de trabalho manual menos especializado). Esse segmento tem menor acesso à oportunidade de carreira. E caracteriza-se por alta taxa de rotatividade e insegurança no emprego.

3) Inclui trabalhadores com qualificações pouco valorizadas no mercado de trabalho, em regime de tempo parcial, trabalhadores eventuais, com contratos de trabalho por tempo determinado, subcontratados, que têm ainda menos segurança no emprego. Esse segmento é numericamente superior aos dois referidos anteriormente e tende a crescer, expandindo a economia informal.

4) Formado pelos desempregados. Para a classe trabalhadora o desemprego é um dos efeitos mais dramáticos desse processo de reorganização do capitalismo, atingindo, sobretudo os dois extremos etários (os mais jovens e os mais velhos).

No mesmo sentido encaminham-se os estudos desenvolvidos por Hirata (1996) que apontam para a existência de uma unidade e diversidade dos mundos do trabalho. Ela destaca que a propagação da especialização flexível - modelo em que uma mão-de-obra bastante qualificada e polivalente responderia à variabilidade e à complexidade crescente da demanda - não se dá de forma homogênea, nem mesmo nos países industriais avançados. Num mesmo país e até na mesma empresa existem ilhas de produção em que são utilizadas tecnologias de ponta, com trabalhadores altamente qualificados e estáveis e setores que produzem através da subcontratação, com operários semiqualificados.

O capital, na busca de reduzir a escala de tempo da crise estrutural, está usando técnicas toyotistas, mesclando-as com outras formas de racionalização do trabalho a fim de dar mais eficácia à lógica da flexibilidade. Emerge também a preocupação com o elemento subjetivo, ou seja, a busca do envolvimento manipulatório do trabalhador (ANTUNES, 1999) mediante inovações organizacionais e institucionais.

Surgem novos requisitos de qualificação - agora denominados competências - que procuram articular habilidades cognitivas - leitura e interpretação dos dados formalizados para transformá-los em ação, abstração, expressão oral, escrita e visual - e comportamentais - responsabilidade, lealdade, comprometimento, capacidade para o trabalho em equipe, motivação, curiosidade, iniciativa e autonomia.

Estão sendo requeridos os seguintes atributos: posse de escolaridade básica, formação geral e técnica suficientemente ampla; capacidade de adaptação a novas situações; possibilidade de ocupação de postos de trabalho variados; capacidade de compreensão global de um conjunto de tarefas e das funções conexas, o que demanda capacidade de abstração, de seleção, trato e interpretação de informações; iniciativa para resolução de problemas e acima de tudo responsabilidade com o processo de produção.

Nessa perspectiva, a qualificação é colocada no horizonte da polivalência, da abstração e da valorização de competências comportamentais e atitudinais, como se o trabalhador tivesse acesso ao conhecimento científico quando, na verdade, o domínio do saber científico e tecnológico e da informação são estratégias vitais para a manutenção do domínio do capital e para sua reprodução ampliada. A ciência continua monopólio do capital, tendo em vista que, em face das rápidas mudanças nas necessidades de consumo, o domínio do conhecimento científico e técnico e a descoberta de um novo produto significam o alcance de vantagem competitiva. O saber é mercadoria fundamental no âmbito da competitividade internacional.

É importante acrescentarmos também que esse novo modelo de acumulação baseia-se fundamentalmente em relações de exclusão social que, em vez de liberar o tempo livre do trabalho enquanto mundo da liberdade, conforme foi apontado por Marx, produz uma fase de tensão, tormentos, subemprego e desemprego estrutural. O desemprego provoca o enfraquecimento da capacidade de resistência coletiva dos trabalhadores. Eles estão deixando de lutar por formas de superação das novas formas de produção capitalista, e lutam para manter-se ou tornar-se mercadoria, pois a polarização provocada pelo capitalismo neste início de século vem colocando em risco sua própria reprodução enquanto força de trabalho, ou seja, sua própria existência material.

Contudo, não se deve esquecer que a luta contra os efeitos do sistema de trabalho assalariado, mas não contra a causa desses efeitos, que segundo Marx (1982, p.184), “[...] logra conter o movimento descendente, mas não o faz mudar de

direção; que aplica paliativo, mas não cura a enfermidade, não conduz para a abolição definitiva do trabalho assalariado [...]’40.

O aumento da exclusão social em todo o mundo está levando-nos a um retrocesso, de tal forma que parece estar-se voltando a algumas condições já vivenciadas e dominantes nos primórdios do capitalismo, com sistema de tarefas domiciliares, subcontratação, exploração, miséria da classe trabalhadora41 e salário por peça42, “[...] comercio ambulante, e com a pulverização incrível da venda de mercadorias entre os desempregados que circulam pelas ruas [...]” (GRAMSCI, 1989, p. 387).

2.2 É preciso reformar o Estado

As reformas do Estado devem ser compreendidas no contexto da emergência das idéias neoliberais43 que foram inspiradas principalmente em duas obras: “O caminho da servidão”, escrita em 1944 por Friedrich Hayek e “Capitalismo e liberdade” de Milton Friedman, publicada em 1962 pela Universidade de Chigago. Essas obras criticam as concepções de intervenção estatal, tanto as que derivam do modelo keyneisiano, como as que têm origens na teoria marxista.

O neoliberalismo é apresentado como alternativa teórica, econômica e ético- política para suplantar a crise que assola o capitalismo desde a década de 1970.

40

Marx destaca que em vez de os sindicatos defenderem o lema “um salário justo por uma jornada justa”, deveriam inscrever em suas bandeiras esta divisa revolucionária: “abolição do sistema de trabalho assalariado”. Ver: MARX, K. Salário, preço e lucro. In: Para a crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os economistas) p. 184

41Ao conhecer a exposição de Engels sobre as precárias condições de vida da classe trabalhadora na

Inglaterra em 1842, parece que estamos numa favela em qualquer periferia de uma grande cidade no Brasil. Assim ele descreve as condições de habitação dos trabalhadores: “As piores casas estão na parte mais feia da cidade, a maior parte são casas de quatro andares, construídas sem plano, com ruas tortuosas, estreitas e sujas [...].As casas são habitadas dos porões aos desvãos, são tão sujas no seu interior e têm um tal aspecto que ninguém desejaria habitar. As ruas não são planas nem pavimentadas; são sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos nem canais de escoamento. A ventilação torna-se difícil, pela má e confusa construção de todo o bairro, e como aqui vivem muitas pessoas num pequeno espaço, é fácil imaginar o ar que se respira nestes bairros operários”. In: ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Global, 1985.

42 Ao analisar o salário por peça, Marx afirmou que esse procedimento utilizado pelo capitalista,

converte o trabalhador numa fonte potencializada de auto-exploração, pois ele tem que aplicar sua força de trabalho de forma mais intensa, bem como prolongar a sua jornada de trabalho. In: MARX, K.

O capital. v. I l. Tomo 2, 1984: São Paulo: Abril Cultural (Os economistas).

43 Não adentraremos numa análise minuciosa sobre o neoliberalismo, apenas ressaltaremos alguns

pontos dessa superestrutura ideológica e política que acompanha a transformação histórica do capitalismo contemporâneo.