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CAPITALISMO E A EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

1.2 O capitalismo no Brasil e a educação da classe trabalhadora

1.2.1 A profissionalização compulsória

Sem adentramos numa análise minuciosa das reformas de ensino do período militar, consideramos importante retermos alguns pontos dessas reformas, uma vez que elas constituíram as determinações fundamentais da ampliação do aparelho político de dominação estatal a fim de conter dentro dos limites necessários as reivindicações populares e impor um padrão desmobilizador e autoritário para a continuidade da expansão do capitalismo monopolista e dependente no Brasil.

Nos anos de 1960 e 1970 a educação brasileira sofreu influência direta da Teoria do Capital Humano-TCH, de tal modo que o discurso dominante à época enfatizava vínculos diretos entre a escola e as demandas de força de trabalho, principalmente as determinadas pelos setores mais dinâmicos do capital. A educação foi colocada no centro do palco e ganhou relevo o discurso em torno do seu valor econômico.

Assim, a política educacional pautada na Teoria do Capital Humano sofreu várias reformas após 1964, cujo objetivo era tentar estabelecer uma relação “[...] direta e imediata até mesmo de subordinação à produção [...]” (GERMANO, 1994, p.105). Ou seja, adequá-la às exigências políticas e econômicas. Dentre as medidas tomadas pelo governo militar destacamos: a Reforma Universitária de 1968 e a Reforma de Ensino de 1º e 2º graus de 1971. Essas duas reformas foram oriundas de estudos e acordos firmados entre o MEC e a AID29 (Associação Internacional de Desenvolvimento), dos trabalhos da Comissão Meira Matos30 e do Grupo de

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Foram efetivados vários convênios entre o MEC e USAID em 1964, 1965, 1966, 1967 e 1968 que contaram com a assessoria de John Hilliard (Diretor do Office of Education and Human Resources da AID) e de Rudolph Atcon que, mediante um estudo denominado “Rumos à reformulação estrutural da universidade brasileira”, orientaram as linhas gerais da política universitária, enfatizando sobretudo, o aspecto privatizante do ensino superior.

30Comissão criada pelo governo em 1967, composta pelo Coronel Carlos Meira Matos, os professores

Hélio de Souza Gomes e Jorge Boaventura de Souza e Silva, o promotor Affonso Carlos Agapito da Veiga e o Coronel Aviador Waldir Vasconcelos, do Conselho de Segurança Nacional. O relatório que expressava uma mentalidade empresarial propôs a eliminação dos obstáculos à maior produtividade e eficiência do sistema escolar e a necessidade de ampliar a capacidade de vagas. In: ROMANELLI. Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978.

Trabalho da Reforma Universitária-GTRU31, nos quais a educação era vista como questão de interesse econômico e de segurança nacional.

Além dos resultados dos estudos dessas comissões, trabalhos de algumas organizações nacionais também influenciaram na formulação de diretrizes políticas e educacionais para o Brasil. Dentre essas organizações podemos citar: o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais-IPES, O Instituto Brasileiro de Ação Democrática-IBAD, o Instituto Euvaldo Lodi-IEL e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros-ISEB. Essas entidades reuniram intelectuais orgânicos ao regime militar que realizavam estudos e formulavam a síntese das aspirações dos empresários sobre a educação brasileira.

A partir dos relatórios da Comissão Meira Matos, do GTRU e dos relatórios das organizações citadas acima, a Lei nº 5.540 de 1968 e o Decreto Lei nº 464 de 1969 promoveram a Reforma Universitária, especificando legalmente a organização, administração e o funcionamento dos cursos de graduação que foram divididos em dois ciclos: o básico e o profissional.

Não nos deteremos na análise da reforma universitária, mas é nela que devemos buscar a gênese da tentativa de profissionalização do ensino médio, pois além da preocupação explicita em relacionar educação e mercado de trabalho os relatórios da Comissão Meira Matos e do GRTU apontavam para a necessidade de aperfeiçoar o ensino secundário, de modo que ele pudesse constituir para a maioria dos alunos a profissionalização, a fim de conter a pressão por mais vagas no ensino superior. Destacavam ainda a necessidade da formação de técnicos e auxiliares técnicos e da criação de carreiras de curta duração no ensino superior, sobretudo nas áreas da indústria e saúde, pois esses profissionais faziam falta ao desenvolvimento do país.

Desse modo, a reforma no ensino de 1º e 2º graus e principalmente as mudanças operadas no ensino de 2º grau a partir da Lei nº 5.692/1971 foram baseadas nos estudos que culminaram com a reforma universitária. Foi instituída a profissionalização compulsória no ensino médio, que passou a ser ministrado em 3

31 Grupo que teve como função o estudo da universidade brasileira, a fim de propor soluções que

visassem a sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos para atender às demandas do desenvolvimento. In: ROMANELLI. Otaíza de Oliveira.

ou 4 anos e destinado à habilitação profissional. A carga horária das disciplinas de formação básica foi diminuída e o ensino de Filosofia, Psicologia e Sociologia foi retirado desse nível de ensino.

Fundamentando-se numa visão utilitarista e inspirada na Teoria do Capital Humano, a Lei nº 5.692/1971 instituiu a extensão da escolaridade obrigatória de 4 para 8 anos com a junção do primário com o ginásio e tentou determinar tanto às escolas públicas como às particulares o oferecimento de cursos profissionalizantes, de modo que os alunos saíssem aptos para ingressarem no mercado de trabalho sem demandarem por educação superior, principalmente nas universidades públicas. Entretanto, enquanto as escolas públicas foram obrigadas a oferecer cursos profissionalizantes, mesmo sem as condições necessárias para as camadas populares, as escolas privadas aproveitaram as brechas da lei e atenderam a alguns aspectos formais da profissionalização, sem, contudo, deixar de atender aos reais interesses de sua clientela, oferecendo uma educação que preparava os alunos para o ensino superior.

De acordo com estudos desenvolvidos por Germano (1994), a tentativa de profissionalização compulsória da força de trabalho fracassou pelos seguintes motivos:

- limites de recursos: o custo aluno na escola profissionalizante chegava a ser 60% maior do que no secundário, e o Estado não investiu de forma suficiente na expansão e equipamento da rede escolar;

- com a adoção da profissionalização universal e compulsória e de caráter terminal, o país tomara uma direção contrária às tendências que ocorriam em outros países capitalistas, que se direcionavam para a formação geral;

- a discrepância prática e crônica do sistema educacional em relação ao sistema ocupacional;

- a demanda para a universidade não foi freada, pois a profissionalização compulsória recebia a resistência passiva das classes média, alta e até mesmo da trabalhadora;

- devido à falta de recursos, a profissionalização não foi efetivamente implantada nas escolas públicas e foi descartada pela rede privada.

Além desses aspectos, Warde (1977) acrescenta ainda outros limites para a implementação da Lei nº 5.692/1971: pressão dos empresários do ensino que alegavam a falta de recursos para a introdução das habilitações profissionais; alunos reivindicavam uma formação que lhes possibilitasse a inserção no ensino superior; e os administradores ligados às escolas de ensino industrial reclamavam que tiveram de arcar com o ônus das associações com escolas estaduais e do risco de desvalorização do ensino industrial, tendo em vista que os diplomas expedidos pelas escolas secundárias eram equivalentes aos de técnico-industrial.

Diante desses limites objetivos, o governo, com vistas a aliviar tensões e evitar desgastes, instituiu os Pareceres nºs 45/1972 e 76/1975. O primeiro introduziu as chamadas habilitações básicas e enfatizou que ninguém deveria terminar os estudos de 2º grau sem alguma capacitação para o trabalho (WARDE, 1977), e o segundo previu três soluções para o ensino de 2º grau: habilitação profissional plena, correspondente à formação do técnico; habilitação parcial mediante a combinação da educação geral com a preparação para ocupações intermediárias e habilitação básica para iniciação em áreas especificas cuja ocupação seria definida no emprego.

Posteriormente, a Lei nº 7.044, de 1982, desobrigou a profissionalização no ensino de 2º grau, converteu a habilitação profissional em opção pela escola e transformou a qualificação para o trabalho em preparação para o trabalho, atendendo assim às reivindicações das escolas privadas.

Na verdade, o Estado ao responsabilizar-se pela escolarização da força de trabalho durante 08 anos contribuiu para manter um contingente significativo de trabalhadores adaptáveis ao mercado de trabalho, uma vez que a maioria dos postos de trabalho gerados pelo milagre econômico não exigiu escolaridade elevada. Apesar da instituição do prolongamento da escolaridade obrigatória de 4 para 8 anos, estudos desenvolvidos por Baltar (2000) revelam que, em 1980 4% da População Economicamente Ativa-PEA era analfabeta, 18% tinham o primeiro grau incompleto, 38% o primeiro grau completo, 19,9% o ensino secundário e 15,7% o nível superior. Ademais, era necessário um grande número de trabalhadores em reserva para manter a diferenciação dos salários: a maioria dos trabalhadores com baixa remuneração e uma minoria situada nos extratos superiores de salários.

Ressaltamos ainda que a formação da força de trabalho foi complementada pelo sistema paralelo e excludente de formação profissional, mantido pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial-SENAI e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial-SENAC. Ambos foram criados na década de 1940 por iniciativa do governo de Getúlio Vargas e a partir de então se constituíram em grandes aparatos privados de qualificação profissional, porém sustentados com recursos públicos.

Segundo LARA (2003), o SENAI e o SENAC mantinham uma pedagogia reconhecidamente individualista, com modalidades de adestramento taylorista e com disciplina militar e autoritária. Essa pedagogia materializava-se por um sistema de ensino programado de tipo mecânico e tecnicista que era aplicado por meio de séries metódicas e repletas de fórmulas prontas.

Com a crise do capitalismo mundial e o fim do chamado milagre econômico, no inicio da década de 1980, o Estado militar que já vinha perdendo consenso político em favor do regime, foi obrigado a rever suas estratégias econômicas e políticas e reorientar a política educacional, haja vista as novas diretrizes do processo de modernização e a própria mobilização de grupos organizados da sociedade civil, com movimentos de resistências à ditadura militar e em torno de propostas para mudanças na educação.

Desse modo, a transição política do autoritarismo à democracia reabriu a agenda da revolução passiva, uma vez que as elites políticas apoiadas pelos militares foram afastadas do controle do Estado e substituídas por uma coalizão de forças orientadas pelos valores do mercado, o que implicou numa subordinação de todas as dimensões do social à racionalidade do capitalismo.

Ademais, já sinalizavam as novas estratégias de valorização do capital mediante o avanço qualitativo e quantitativo das inovações tecnológico- organizacionais, principalmente na indústria automotiva - montadoras e autopeças - em que são mais perceptíveis a adoção da microeletrônica e a utilização dos métodos de flexibilização da produção inspirados no modelo toyotista. Começa a proliferar também o enfático discurso neoliberal sobre a necessidade de reformas econômicas e da redução do papel do Estado na economia, nas políticas públicas e nas relações de emprego.

CAPÍTULO II

CRISE DO CAPITAL: PRODUÇÃO FLEXÍVEL, REFORMA DO ESTADO E