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O ENSINO MÉDIO E A FORMAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS BÁSICAS PARA O MUNDO DO TRABALHO

L. Portuguesa Matemática Ano

Brasil Nordeste Brasil Nordeste

1995 290,0 265,7 281,7 261,4

1997 283,9 275,9 288,7 290,2

1999 266,6 253,0 280,3 265,5

2001 262,3 248,8 276,7 264,1

2003 266,7 255,9 278,7 266,1

FONTE: MEC- Inep

Embora limitados às duas disciplinas, esses dados refletem a queda da qualidade da educação brasileira, ou seja, a tendência decrescente no desempenho dos alunos. Em Língua Portuguesa o desempenho médio no Brasil caiu de 290 para 266,7, ou seja, 23,3 pontos e em Matemática, apesar de a queda ter sido de apenas 3 pontos (281,7 para 278,7), essa quantidade de pontos está longe do que é considerado razoável (375 pontos) para o aluno que concluiu o ensino médio.

Em que pese a reforma do ensino médio ter sido iniciada em 1999, podemos inferir a partir desses dados e das falas dos sujeitos que participaram da nossa pesquisa que essa reforma está em processo de fracasso, pois cria a ilusão de uma escola democrática de educação geral produtora de dotados de competências que permitem a transferência de aprendizagens para diversas situações produtivas e culturais, considerando que a crescente incorporação da ciência e da tecnologia aos processos produtivos estaria a exigir o desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais, tais como: análise, síntese, criatividade, comunicação clara e precisa, capacidade para trabalhar em equipe, enfrentar mudanças constantes e aprender a aprender.

Aumenta-se o número de alunos que concluem o ensino médio, dá-se o mesmo ensino a todos, sob o pretexto da necessidade de uma base comum. Contudo, tudo isso não passa de estratégia para baratear a educação básica, tendo em vista o crescimento do número de concluintes do ensino fundamental e da exigência do aumento dos anos de escolaridade da força de trabalho.

O aumento do tempo de escolaridade não pode ser confundido com elevação da qualificação. O que assistimos, sobretudo nas escolas públicas, é a extensão de uma escolaridade vazia e destituída de sentidos - sem falar na violência - e combinada com a redução de empregos, como tão bem expressa a música A política nossa de cada dia, do Grupo Agentes do Rap:

“Educação e política têm alguma coisa a ver. Se você pensar na escola você vai entender... Português é ensinado sem prazer pela leitura. E matemática é uma grande tortura.

Não nos ensinam a pensar, apenas memorizar. E sem operação mental vão nos deseducar”.

As evidências empíricas também indicam que a maioria dos empregos disponíveis não requer qualificação elevada. Pochmann (2001) aponta que a principal ocupação criada nos anos 1990 - década das reformas na educação básica- foi o emprego doméstico, responsável por 23% de todas as vagas abertas; logo depois vêm: vendedor (15%), construção civil (10%), serviços de asseio e conservação (8%) e serviços de segurança (6%).

Corti (2004) também revela que o aumento dos anos de estudo não aumentou o grau de qualificação do trabalho realizado pelos jovens na faixa etária de 15 a 24 anos. Uma empregada doméstica que em 1981 tinha em média 3,7 anos de estudos, em 2001 tinha 6,5. Já para os jovens do sexo masculino a autora aponta os seguintes indicadores:

Quadro 06

Média de anos de estudo em relação à ocupação- 1991-2202

Ocupação Proporção % Média de anos de estudo

1981 2001 1981 2001

Auxiliar administrativo 6,4 4,3 9,0 10,2

Vendedor 5,6 7,9 6,3 8,5

Servente de pedreiro 4,9 5,2 3,4 5,7

Porteiro, vigia ou servente 3,6 4,1 5,6 7,8

Fonte: Corti (2004)

Os depoimentos dos entrevistados também confirmaram a falsa correlação entre o nível de escolaridade - confundido com nível de qualificação - e as

demandas do mercado de trabalho, em termos de estruturas qualitativas dos empregos existentes e da questão da empregabilidade:

“No ensino médio público não existe relação entre os conteúdos e as necessidades exigidas pelo mercado de trabalho. Os conteúdos não estão direcionados para essa finalidade. Faltam-nos experiência e empenho, além de formação. Nossas escolas só repetem conteúdos, nada constroem”. (Professor de geografia)

“O ensino médio público do jeito que está não está preparando os alunos nem para o mercado de trabalho nem para o acesso às universidades públicas. Basta procurar os índices de aprovação dos alunos das escolas públicas na Universidade Federal do Maranhão para constatarmos esse fato”. (Entrevista B)

“Não estamos nos preparando para o vestibular e nem para o mercado de trabalho. Quem termina o ensino médio, tem que pagar um curso técnico ou tentar o seletivo do CEFET-MA, porém as vagas são poucas e, geralmente os alunos das escolas públicas não conseguem passar”. (Aluno)

Sem reforçarmos os discursos que enfatizam que nas universidades públicas a maioria dos alunos é dos setores privilegiados, queremos citar que, segundo dados da Universidade Federal do Maranhão-UFMA, dos 685 alunos aprovados no Programa de Seleção Gradual-PSG103 em 2005, 61,5% estudaram o ensino médio em escolas particulares e 38,5% eram oriundos de escolas públicas. Já na Universidade Federal do Ceará-UFC, dados divulgados por Fonteles (2005) na Revista Universidade Pública em novembro de 2005 revelam que dos 21.888 inscritos no vestibular provenientes das escolas particulares foram aprovados 2.623 e dos 14.636 inscritos oriundos das escolas públicas 961 foram aprovados. Isto significa que apenas 26,3% dos aprovados no vestibular de 2005 na UFC eram alunos de escolas públicas.

No caso da UFMA, outro dado relevante é o fato de que 63,9 % dos aprovados no PSG em 2005 freqüentaram curso pré-vestibular, 20,55% afirmaram que já estão cursando nível superior, 2,04% já concluíram e 4,52% já haviam cursado, mas

103 O PSG é uma modalidade de vestibular seriado adotado pela UFMA. A avaliação ocorre quando o

aluno ainda está cursando o ensino médio. Ao final de cada ano ele é avaliado e depois de três avaliações suas notas são computadas para a admissão na Universidade, caso o numero de pontos seja suficiente para as vagas oferecidas. O aluno deve se matricular no primeiro ano do ensino médio, mesmo não tendo escolhido ainda o curso que pretende cursar, pois somente no final da 3ª etapa é que a escolha é feita.

abandonaram104. Os dados do Questionário do perfil sociocultural revelaram ainda que 26,4% dos aprovados possuem renda familiar mensal de 3 a 5 salários mínimos e 48% acima de 5 salários mínimos.

Registramos ainda que no processo seletivo do vestibular em 2007, a UFMA adotou o sistema de cotas para alunos egressos das escolas públicas e negros, contudo sobraram vagas devido ao baixo desempenho dos candidatos e houve cursos em que ninguém se inscreveu no sistema de cotas.

Os dados da UFMA revelam uma realidade que já vivenciamos ao longo da história da educação brasileira: o baixo acesso da população pobre e oriunda das escolas públicas à educação superior. Além dos reprovados, existe um grande contingente de estudantes das escolas públicas que nem cogita a inscrição no vestibular e no PSG, pois o valor da inscrição varia de R$ 70 a R$ 80 reais. Estes aspectos foram revelados pelos alunos que participaram desta pesquisa. Dos 200 alunos da escola A (pública), apenas 07 disseram estar participando dos Programas de Seleção Gradual das Universidades Públicas do Estado-PSG e PASES-105, enquanto que 124 dos 133 alunos da escola B (privada) afirmaram estar participando dos dois programas.

Alguns alunos da escola pública revelaram que não estão inscritos nesse programas porque o valor da inscrição é caro, visto que a cada ano eles teriam que pagar R$ 75, 00 (setenta e cinco reais) pela avaliação de cada série.

“Eu não tenho condições de pagar nem a inscrição para o vestibular, imagine pagar três vezes para fazer PSG ou PASES, mesmo com o programa de isenção para quem é de baixa renda, eu não consegui, pois me inscrevi e não fui selecionado, eu acho que tem que ser miserável para conseguir fazer a inscrição sem pagar, pois a renda mensal da minha família é só 1 salário mínimo. Então eu já desisti, quero pelo menos concluir esse segundo grau”. (Aluno)

Cabe ressaltarmos ainda que, dos 200 alunos da escola pública que participaram da nossa pesquisa, 45% nem se propõem a tentar cursar o nível superior, pois afirmaram que não pretendem fazer vestibular, mas têm intenção de conseguir um emprego e/ou fazer um curso profissionalizante ou tentar

104 Embora o PSG não seja objeto de nossa análise, é interessante registrarmos que se alguns alunos

já concluíram o ensino superior e outros já estão cursando, parece que está havendo alguma irregularidade, considerando que o programa de seleção gradual visa atender o aluno que está cursando o ensino médio.

compatibilizar as duas coisas. E, quando questionados sobre se gostariam de fazer algum curso profissionalizante, 70% responderam que sim, e os cursos de informática e enfermagem foram os mais citados por eles.

No caso do curso de informática, a justificativa foi que “a informática é muito requisitada para conseguir um emprego, até para ser vendedor é necessário saber computação” (Aluno). Já para o de enfermagem a explicação de uma aluna foi a de que

“[...] geralmente os concursos para a área de saúde oferecem vagas para técnico de enfermagem, e as cooperativas que prestam serviços para o Estado e para os municípios vivem contratando técnicos em enfermagem. Mas a questão é o preço dos cursos particulares e o fato de que tenho que concluir o ensino médio para poder fazer um curso desses, pois estudo à noite e sempre estou fazendo algum bico ou então trabalhando em lojas no final do ano, não posso ocupar dois turnos apenas estudando”.

Devemos destacar ainda que, se para os alunos das classes populares a escola é o único espaço de relação intencional e sistematizada com o conhecimento, cabe-nos lembrar com Frigotto que a prática educativa “[...] escolar ou não-escolar não é por sua natureza capitalista e se efetiva no bojo de relações sociais e de interesses antagônicos e essa função não se efetiva sem contradições”. (1999, p. 221).

Portanto, podemos criar situações de aprendizagem que possibilitem ao aluno o desenvolvimento das capacidades cognitivas, afetivas, sociais e psicomotoras, articulando-as, sem reduzi-las ao mundo do trabalho, conforme expressou um professor da escola A:

“É preciso melhorar as condições físicas da escola, dotá-la de recursos didáticos, computador e mais livros para a biblioteca. Os alunos precisam de mais conforto. Isso não basta, devemos ter mais compromisso e responsabilidade para com os alunos. Apesar de tudo, meu compromisso com a formação dos meus alunos independe das dificuldades da escola pública”.

Ademais, conforme esclarece Gramsci, a atividade teórico-prática permite ao homem começar a criar os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia e bruxaria e fornece um ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma visão de mundo histórico-dialética, ou seja, para a compreensão do movimento e do devir, para a valorização da soma de esforços e

de sacrifícios que o “[...] presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para a concepção da atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas, que se projeta no futuro”. (GRAMSCI, 1968, p. 130).

Por essa razão, o debate teórico e ideológico sobre o papel do ensino médio e sua vinculação com o processo de formação dos trabalhadores devem expressar essa contradição, ou seja, os movimentos, as críticas e as mais variadas formas de resistência daqueles que não se identificam com as propostas voltadas para a adaptação das pessoas aos modelos estabelecidos pelos detentores do capital.

CAPÍTULO IV

ENSINO MÉDIO INTEGRADO: ESTRATÉGIAS FORMAIS E POSSIBILIDADES