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ENSINO MÉDIO INTEGRADO: ESTRATÉGIAS FORMAIS E POSSIBILIDADES REAIS

Tendo como pressuposto a concepção de escola unitária formulada a partir dos escritos de Antonio Gramsci e de autores que denunciam o caráter de classe da educação burguesa, o teor deste capítulo procura sinalizar algumas explicitações sobre os limites e possibilidades da integração entre a formação geral e a formação profissional no âmbito da educação básica brasileira.

Consideramos ainda que a tentativa de construção de uma proposta de integração entre o ensino médio e a educação profissional de nível técnico se inscreve nas especificidades da atual fase do capitalismo brasileiro e nas particularidades históricas que marcam o embate entre os interesses dos capitalistas e dos trabalhadores e do papel do governo na condução das políticas públicas, face ao agravamento da crise do capital.

O acirramento e/ou os embates entre as forças conservadoras e progressistas situam-se no jogo de interesses que permearam a revogação do Decreto nº 2.208/1997 e na aprovação do Decreto nº 5.154/2004. Nesse processo, Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005a) indicam que a expressão pontual de uma luta teórica em termos da pertinência político-pedagógica do ensino médio integrado à educação profissional tornou-se o ponto emblemático da disputa entre essas forças.

Embora os caminhos pareçam estar sendo percorridos no sentido da consolidação do dualismo da educação brasileira, algumas possibilidades de integração entre o ensino médio e o ensino técnico estão sendo construídas. Algumas tentam apenas se adequar ao Decreto nº 5.154/2004, outras estão tentando ir além e tentam implementar uma formação básica tendo como foco o trabalho, a ciência e a cultura, articulada com a formação profissional.

Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005a) relatam que, como participantes ativos ao longo de dois anos no processo de revogação do Decreto nº 2.208/1997 e na aprovação do Decreto nº 5.154/2004, puderam testemunhar tanto o poder das forças

conservadoras quanto os embaraços de um governo que não quer mudanças estruturais.

4.1 - Princípios e pressupostos da integração entre a formação geral e a formação profissional

Os pressupostos da integração entre a educação geral e a educação profissional devem ser buscados, conforme já expomos no primeiro capítulo deste trabalho, nas críticas à concepção burguesa de educação, que surgiram no contexto das lutas empreendidas pelo proletariado contra as diversas formas de exploração a que estavam submetidos, principalmente no século XIX.

Uma dessas lutas foi a tentativa de desenvolvimento de perspectivas de educação socialista106 que visavam à formação da consciência de classe do proletariado e ao mesmo tempo ao delineamento de tarefas revolucionárias históricas, vinculadas à concepção dialético-materialista. Os fundamentos dessa educação podem ser buscados no pensamento de Marx e Engels, pois apesar deles não terem realizado uma análise sistematizada da escola e da educação107, segundo Suchodolski, em suas obras encontramos elementos que desvelam os ideais burgueses de educação.

A filosofia de Marx e Engels desmascara os ideais educativos burgueses como política do interesse de classe que se encobre com o pseudo-humanismo. Mostra que as teses filosóficas em que se apóiam as teses pedagógicas foram escolhidas de modo falso e arbitrário. (SUCHODOLSKI, 1976, p. 136).

O autor acima citado escreve que a partir das análises de Marx e Engels podemos evidenciar que o caráter de classe do ensino burguês manifesta-se de forma mais clara quando observamos o tipo de ensino que é dado aos filhos dos operários e camponeses e o tipo de ensino que é dado para os filhos dos burgueses. A educação dos filhos da classe dominante, enfatiza Suchodolski, “[...] baseia-se na

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Além de Marx e Engels podemos destacar outros pensadores que questionaram e refutaram a concepção burguesa de educação: Etienne Cabet, Saint-Simon, Robert Owen, Victor Considerant, Proudon, Lênin, Bakunin, Gramsci etc.. Ver: GADOTTI, Moacir. A história das idéias pedagógicas. São Paulo: Àtica, 1995 e SUCHODOLSKI, Bogdan. Teoria marxista de educação. v.I, II e III. São Paulo: Estampa, 1976.

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Segundo Manacorda, uma pesquisa filologicamente atenta às formulações explicitas nas obras de Marx e Engels revela, sobretudo, a existência de textos explicitamente pedagógicos que, sem serem numerosos, adquirem, no entanto, extraordinário relevo nas suas investigações. Ver: MANACORDA, Mário A. Marx e a pedagogia moderna. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

mentira e na fraude, e a educação da classe oprimida, no que é indispensável [...]” (1976, p.16). Entretanto, quem decide o que é indispensável são os capitalistas e não as necessidades gerais da sociedade.

A crítica de Marx estendeu-se até ao ensino profissional universal proposto pela burguesia que “[...] consistia em adestrar o operário em tantos ramos de trabalho quanto possível, para fazer frente à introdução de novas máquinas ou à mudança na divisão do trabalho”. (MANACORDA, 2000, p. 94-5).

Para Marx era necessário abolir o sistema educativo e a divisão do trabalho que produzem a hipertrofia e a atrofia em ambos os pólos da sociedade, ainda que em sentido oposto. De um lado, uns sofrem por excesso de uma formação intelectual e abstrata. De outro lado, outros desfalecem sob o peso de um trabalho mecânico e embrutecedoramente físico (SUCHODOLSKI, 1976).

No “Manifesto do partido comunista”, escrito entre 1847 e 1848, Marx e Engels defendem uma educação pública e gratuita para todas as crianças e jovens, baseada nos seguintes princípios: eliminação do trabalho das crianças nas fábricas; associação entre educação e produção material; educação politécnica que leva à formação onilateral; inseparabilidade entre a educação e a política e articulação entre o tempo livre e o tempo de trabalho.

Em 1866, nas “Instruções”108 que Marx escreveu para o I Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, ele asseverou que por ensino entendia três coisas: ensino intelectual; educação física dada nas escolas e através de exercícios militares; e adestramento tecnológico, que transmita os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção.

Tendo como base esses princípios, vários estudiosos e educadores construíram o que se conhece hoje como uma pedagogia socialista. Dentre esses destacamos, sobretudo, os que depois da Revolução Russa de 1917 ajudaram a formatar e colocar em prática o projeto educativo da Rússia. Podemos citar: Nadezhda Krupskaya, Anton Makarenko, Pavel Blonsky, Vassili Lunatcharsky e Pistrak109.

108 Marx não participou desse Congresso, mas enviou por escrito instruções aos delegados em

agosto de 1866. Ver: MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

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Krupskaya, elaborou o primeiro plano de educação da União Soviética depois da Revolução de 1917; Makarenko, elaborou um programa educativo em que destacava que o processo educativo

Além destes, Antonio Gramsci que, apesar de não ter participado diretamente da construção da educação russa, durante a sua estada na União Soviética nos anos de 1922 e 1923 certamente conheceu as primeiras experiências da educação pós-revolução. Posteriormente, quando estava na prisão, as correspondências com os seus familiares que viviam na União Soviética tratavam de questões educacionais, não apenas de seus filhos Délio e Giuliano, mas de questões ligadas às instituições escolares e sobre as diretrizes pedagógicas da educação socialista. Ademais, seus escritos da juventude nos deixaram vários argumentos que questionam a forma burguesa de educar os homens.

Devido aos limites deste trabalho, exporemos algumas idéias de Pistrak e Gramsci110 sobre a questão da articulação entre a educação e a produção por entendermos que elas são fundamentais para compreendermos as propostas de integração entre o ensino médio e a educação profissional que estão sendo pensadas, construídas e colocadas em prática em alguns estados brasileiros, sobretudo a partir da revogação do Decreto nº 2.208/1997 e aprovação do Decreto nº 5.154/2004.

Pistrak, na obra “Fundamentos da escola do trabalho” escrita em 1924, enfatizava que era preciso construir uma nova escola em que fosse suprimida a contradição entre a necessidade de criar um novo tipo de homem e as formas da educação tradicional. Para tanto, dizia ele, é necessário transformar as práticas, a estrutura de organização e o funcionamento da escola, tornando-a coerente com novos objetivos do processo revolucionário em curso na União Soviética.

Para ele, três aspectos seriam fundamentais para a criação de uma nova instituição escolar: a auto-organização dos educandos como base do processo pedagógico da escola; a organização do programa de ensino através do sistema de complexos, ou seja, mediante a escolha de temas de acordo com os objetivos da escola, porém baseados no plano social e não apenas no pedagógico; e unidade entre o trabalho e a escola.

devia ser feito pelo coletivo; Blonsy, enfatizava que a união entre a educação e a produção material conduziria ao “novo” homem; Lunatcharski, foi o organizador da escola soviética, responsável pela transformação legislativa da escola russa e pela criação dos sistemas de ensino primário, superior e profissional. Ver: GADOTTI, Moacir. A história das idéias pedagógicas. São Paulo: Àtica, 1995.

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Pistrak viveu uma experiência pedagógica, na qual procurou colocar em prática as concepções, os princípios e os valores do processo revolucionário inicial na União Soviética. Gramsci foi contemporâneo da Revolução Russa, foi responsável pela organização do movimento socialista italiano, até sua prisão em 1926 pelo regime fascista de Mussoline.