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A Teoria do Capital Humano como arcabouço ideológico do taylorismo/fordismo

CAPITALISMO E A EDUCAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

1.1 Como tudo começou

1.1.2 A Teoria do Capital Humano como arcabouço ideológico do taylorismo/fordismo

Consideramos importante desenvolver uma breve abordagem sobre a Teoria da Capital Humano-TCH12, pontuando alguns dos seus elementos e posicionamentos críticos acerca da forma como essa teoria foi utilizada por alguns teóricos da economia neoclássica para explicar o crescimento econômico dos países ricos e para nos fazer crer que o desenvolvimento dos países pobres se daria pelo aumento das desigualdades sociais, em médio prazo, o que possibilitaria o crescimento das taxas de acumulação, para posterior distribuição de riquezas, em longo prazo. E isso seria um processo natural.

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A respeito da Teoria do Capital Humano ver: SCHULTZ, Theodore. O valor econômico da educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973; BLAUG, Mark. Introdução à economia da educação. Porto Alegre: Globo, 1975; FRIGOTTO, G. A improdutividade da escola improdutiva: um (re)exame das reações entre educação e estrutura econômico-social e capitalista. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1999 e FRIGOTTO, G. Capital humano e sociedade do conhecimento: concepção neoconservadora de qualidade na educação. In: Contexto & Educação. n. 34. Injuí: Ed. UNIJUI, 1994. p. 7-28

No final da década de 1960 e início de 1970, Theodore Schultz elaborou as formulações sobre o valor econômico da educação, trabalho que foi denominado de Teoria do Capital Humano. A partir de então os teóricos dessa corrente tentam explicar o significado e a importância da educação para o processo produtivo, defendendo a idéia de que as diferenças entre os países e entre as classes derivam não somente dos investimentos em tecnologia e capital constante, mas do investimento nos indivíduos - no capital humano -, ou seja, “[...] que a instrução é o maior investimento no capital humano”. (SCHULTZ, 1973, p. 13).

Para os defensores da Teoria do Capital Humano, a formação ou qualificação da força de trabalho, ou seja, o investimento em capital humano seria um dos principais fatores para explicar economicamente as diferenças entre capacidade de trabalho, produtividade e renda.

Corroborando com esse pensamento, Schultz expressa que:

A maioria das habilitações econômicas das pessoas não vem do berço, ou da fase em que as crianças iniciam a sua instrução. Estas habilitações adquiridas exercem marcada influência. São de modo a alterar, radicalmente, os padrões correntes de acumulação de poupanças e de formação de capitais que se esteja operando. Alteram, também, as estruturas de pagamentos e salários, bem como os totais de ganho decorrentes do trabalho relativo ao montante do rendimento da propriedade. (1973, p.13).

Blaug (1975), ao analisar os perfis de idade-rendimento, advoga que entre os grupos de pessoas com a mesma idade e sexo, pertencentes à mesma categoria profissional e ramo de atividade, os que têm mais instrução terão melhores salários. Sua explicação é que

[...] pessoas mais educadas são geralmente mais flexíveis e mais motivadas, adaptam-se com mais facilidade às circunstancias em transformação, aproveitam mais com a experiência de trabalho e treinamento, agem com mais iniciativa nas situações de solução de problemas, assumem mais prontamente a responsabilidade de supervisão e, em suma, são mais produtivas do que as pessoas menos educadas, mesmo que a educação não lhes tenha ensinado nenhuma habilidade específica. (BLAUG, 1975, p. 32).

A explicação para essa diferenciação estaria na preferência temporal, e no gosto - escolha - inerente a cada indivíduo. Entretanto, os defensores dessa teoria não interrogaram os motivos de algumas pessoas possuírem níveis mais elevados e outras mais baixos de instrução. Será que não sabiam ou não sabem que os que

investiram mais em educação também tiveram condições de investir em outras necessidades básicas tais como alimentação, saúde e lazer?

Para Frigotto (1999), na verdade os teóricos da TCH evidenciam seus vínculos com a teoria econômica neoclássica e com a concepção do homem abstrato, genérico, e livre. Demonstram, também, que se coadunam com os princípios do liberalismo, uma vez que suas análises estão fundamentadas pela idéia de um mercado em que a concorrência é perfeita, em que o ótimo de cada um é calculado em médio prazo, o que possibilitaria não apenas uma taxa de retorno individual, mas também um retorno social que resultaria do crescimento econômico do país, justificando assim a necessidade de investimentos em educação, tanto pelo Estado como pelas pessoas individualmente13.

Convém ressaltar ainda a visão reducionista da TCH em relação à educação, tendo em vista que ela leva em conta somente seu aspecto econômico, desvinculando-o dos aspectos políticos e sociais. Vista apenas como fator de produção, a educação é definida de acordo com os critérios de mercado e avaliada sob parâmetros da relação custo-benefício, e assim é reforçada a ideologia do mérito individual.

No âmbito escolar, essa concepção procura explicar que os problemas de aprendizagem - evasão, repetência, distorção idade/série - são individuais e decorrentes da falta de esforço, aptidão e vocação. Em suma, justifica as desigualdades sociais, por aspectos individuais, mascara a extração de mais-valia e a origem da desigualdade no acesso, no percurso e na qualidade da educação que têm as classes sociais no sistema capitalista. Portanto, a atonia da TCH, conforme esclarece Frigotto (1999), reside no fato de que esta concepção olha a relação capitalista de dentro e o sistema como um dado resultante da perspectiva liberal e neoclássica de compreensão da realidade social, e não leva em conta as relações de poder e força e os interesses antagônicos e conflitantes que permeiam as relações de classe.

Nos países subdesenvolvidos, a educação passou a ser utilizada como um dos mecanismos ideológicos para explicar economicamente as diferenças individuais de

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A esse respeito, Schultz destaca que nos Estados Unidos percebeu “que muitas pessoas estão investindo em si mesmas, como ativos humanos; que estes investimentos humanos estão constituindo uma penetrante influência sobre o crescimento econômico. In: SCHULTZ, Theodore. O

capacidade de trabalho, de produtividade, de renda e, conseqüentemente, de mobilidade social. Portanto, o investimento no fator humano passou a significar, do ponto de vista ideológico, um dos principais determinantes para o aumento da produtividade e da competitividade e um elemento de superação do atraso econômico.

Dessa forma, o resultado esperado era que as nações subdesenvolvidas que investissem pesadamente em capital humano poderiam se desenvolver, e os indivíduos que investissem em seu capital humano, sacrificando uma renda atual, seriam recompensados com salários mais altos no futuro. O investimento em educação e treinamento poderia inclusive promover a ascensão na escala social.

Nessa perspectiva, o problema da desigualdade é culpa do indivíduo, que não teve o mérito de aumentar seu capital porque não se esforçou mais, nem teve talento individual e motivação para atingir longos anos de escolarização a fim de galgar os postos mais elevados no mercado de trabalho.

Para Frigotto (1994), os que defendem essa postura reduzem o capital aos seus aspectos puramente físicos, e transformam as relações de classes entre o trabalhador e o capital numa relação de troca entre agentes de produção igualmente livres. Portanto, a debilidade da tese do capital humano em gerar política e socialmente o que prometia em termos das nações e dos indivíduos resulta, pois, do modo invertido de apreender a materialidade histórica das relações econômicas, que são relações de poder e de força e não resultado de uma equação matemática.

A TCH foi produzida e disseminada no contexto da guerra fria e de uma fase de expansão da economia capitalista, quando o capitalismo expandiu-se pelo mundo, destruindo completamente as formas singulares e particulares do capital em âmbito nacional ainda existente, e fazendo com que este perdesse suas características e se subordinasse às formas do capital em geral, adquirindo conotação mundializada14, com seus movimentos e suas formas de reprodução.

Essa difusão do capitalismo ocorreu, sobretudo, pela atuação das grandes empresas de capital norte-americano que neste período são decisivas, uma vez que foi através delas que o mundo começou a se estreitar numa nova rede de relações.

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O processo de internacionalização do capital, iniciado com a consolidação da grande indústria, vem assumindo diversas formas de realização ao longo da História, de modo que o ritmo em que se processou também tem variado. Mas foi acelerado, sobretudo, a partir da Segunda Guerra Mundial.

O capital americano passou a dominar completamente a expansão capitalista, assumindo uma posição de vantagem esmagadora em seu impulso para a auto- expansão e dominação (MEZÀROS, 2002).

Assim, a TCH atendeu às determinações e necessidades históricas mais amplas do capitalismo e, no interior dessas determinações mais gerais, atendeu também às necessidades mais específicas no campo educacional. A esse respeito, Frigotto expressa que:

[...] o conceito de capital, que enquanto especificidades das teorias neocapitalistas de desenvolvimento não apenas evade a natureza do intervencionismo imperialista e da dominação de classe, mas a reforça, tende enquanto uma concepção que reduz a prática educativa a um fator técnico de produção, a direcionar a organização da escola e outros programas educativos, de acordo com as necessidades e interesses do capital em sua fase de acumulação ampliada. (1999, p. 221).

No Brasil, a TCH serviu de referência para estudos econômicos que correlacionavam produção e educação, ou seja, que mais investimento em educação - capital humano - corresponderia a uma maior produtividade do individuo e, consequentemente, elevação da produtividade das empresas. Porém, essa correlação não era indicada para o ensino superior, considerado de baixo retorno social, mas para o ensino de 2º grau, para os cursos técnicos industriais e para os programas de treinamento da força de trabalho conduzidos pelo Sistema S15 de formação profissional e pelas empresas.

1.1.3 O intervencionismo estatal na regulação da economia e das relações