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A entrada dos imigrantes latino-americanos

1. Breve história da imigração no Brasil após 1945 Introdução

1.7. A entrada dos imigrantes latino-americanos

O movimento imigratório de latino-americanos para o Brasil é um fenômeno significativo, apesar de em termos quantitativos não se equiparar às grandes imigrações de europeus e asiáticos. Uma de suas características é a de envolver indivíduos com grande diversidade de formações, de origens e de motivos para sair de seus respectivos países.

Ainda na década de 1950, começou a imigração em massa de latino- americanos para o Brasil. Nas décadas seguintes, sobretudo a partir de 1980, houve um substancial aumento da imigração de latino-americanos (principalmente bolivianos) (Oliveira, 2006: 9).

O fluxo imigratório de latino-americanos conheceu um verdadeiro “boom” a partir da década de 1970, quando o processo de industrialização de alguns países, como Argentina, Venezuela e Brasil, cresceu significativamente (Silva, 2005: 14-15). O desenvolvimento industrial, e no caso do Brasil, o chamado “milagre econômico”, tornou esses países objeto de atração de imigrantes latino-americanos. Além disso, ainda na década de 1970, muitos imigrantes latino-americanos, como chilenos, uruguaios e argentinos, buscaram o Brasil para fugir dos regimes ditatoriais de seus respectivos países. Esses imigrantes, considerados refugiados políticos, apresentaram uma formação escolar alta35 (Silva, 2005: 15).

Tratando especificamente dos imigrantes bolivianos, os primeiros chegaram ao Brasil na década de 1950 com o objetivo principal de estudar36. Boa parte desses imigrantes veio para o país com o intuito de fazer faculdade de engenharia ou de medicina e, por diferentes motivos, muitos acabaram

34 Esta seção é baseada, sobretudo, nos estudos do antropólogo Sidney Antonio da Silva, um dos

principais pesquisadores da imigração boliviana no Brasil.

35 Silva não menciona, mas veremos abaixo que os imigrantes latino-americanos perseguidos

politicamente pelos seus países são, na realidade, refugiados que entraram no Brasil para serem transferidos posteriormente para outros países.

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A década de 1950 serve de marco histórico para se compreender a imigração boliviana no Brasil porque foi o período em que o número de imigrantes bolivianos que entraram no país passou a ter certa relevância, no sentido de indicar que um movimento migratório estava se constituindo. Contudo, isso não significa que, antes dessa década, imigrantes bolivianos não entraram no país (Silva, 1997: 84).

permanecendo no país, tornando-se profissionais liberais ou pequenos empresários (Silva, 1997: 82).

Os imigrantes bolivianos que chegaram na década de 1970 vieram para trabalhar e ocuparam as vagas de pequenas confecções, muitas delas controladas naquele momento pela comunidade judaica (que, posteriormente, foi substituída quase que completamente pelos imigrantes coreanos).

Na década de 1990, uma nova leva de imigrantes bolivianos e de outros imigrantes latino-americanos surgiu em decorrência da estagnação econômica e da instabilidade política de alguns países (Silva, 2007: 74)37.

De modo geral, os bolivianos que chegaram (e continuam chegando) ao país possuem as seguintes características: jovens, solteiros, boa parte do sexo masculino (se bem que a presença feminina tem aumentado consideravelmente) e com nível escolar médio (mas alguns são profissionais liberais)38 (Silva, 2005: 16). Boa parte desse contingente dirigiu-se à cidade de São Paulo, mas há também comunidades em cidades fronteiriças e em outras grandes capitais brasileiras, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro (Silva, 2005: 17-18).

A principal atividade de trabalho desses imigrantes (com exceção dos profissionais liberais) sempre foi nas oficinas de costura que, muitas vezes, apresentam condições insalubres de trabalho. Além disso, de um modo geral, esses imigrantes nunca puderam exigir seus direitos trabalhistas previstos pela CLT, porque não possuíam carteira de trabalho.

Esses imigrantes chegaram por meio de empresas bolivianas encarregadas de transportá-los para o Brasil, onde eles encontraram uma rede de contratação já estabelecida pelos compatriotas que vieram em anos anteriores. Os bolivianos foram (e continuam sendo) atraídos por uma série de vantagens aparentes e por promessas de trabalho bem remunerado. Contudo, ao se estabelecer, eles perceberam que a realidade não foi exatamente a prometida. Muitos bolivianos não conseguiram o visto permanente para

37 O autor se refere, principalmente, a países como Peru e Colômbia (e a ascensão, respectivamente, do

Sendero Luminoso e das FARC) (Silva, 2007: 73).

38 Silva ainda nos mostra que muitos imigrantes bolivianos (e de outras nacionalidades latino-

americanas), que possuem uma consistente formação escolar, não têm os documentos necessários para regularizar sua situação no país e acabam trabalhando em oficinas de costura para poder sobreviver (2007: 76-77).

trabalhar no país e, por isso, arriscaram a entrada com o visto de turista. Dessa forma, muitos trabalharam de forma irregular, do ponto de vista da legislação brasileira, e ainda foram expulsos por sua situação irregular (Silva, 2005: 18- 20).

Por estarem em situação irregular, esses imigrantes se submeteram a formas de exploração por parte dos empregadores (que frequentemente são seus próprios compatriotas), como, por exemplo: baixa remuneração (relativa, ainda, à produtividade de cada trabalhador), relação de dependência (porque muitos empregadores “oferecem” a seus funcionários casa e comida) e longas jornadas de trabalho diário (em muitos casos, 16 horas diárias de trabalho) (Silva, 2005: 19-20). Esses trabalhadores viveram constante tensão, porque a qualquer momento funcionários do governo apareciam para conferir a situação de cada um dos trabalhadores. Um exemplo disso ocorreu com a proposta do Ministério da Justiça de criar um “disque-denúncia” contra a exploração desses trabalhadores. Esse serviço, no entanto, foi utilizado para desbaratar oficinas que estavam em “competição” no mercado, criando um clima de perseguição na comunidade boliviana (Silva, 2005: 23).

Com um número crescente de imigrantes bolivianos em situação irregular, o governo brasileiro, ainda durante a década de 1980, promoveu uma política de anistia a esses trabalhadores (e a trabalhadores de outras origens que viviam a mesma situação de irregularidade). Dessa forma, esses trabalhadores obtiveram os documentos necessários para trabalhar regularmente no país. Contudo, segundo Silva, nem todos os trabalhadores “indocumentados” puderam participar da anistia por causa dos altos custos referentes a taxas e da quantidade de documentos que deveriam ser apresentados (Silva, 2005: 25-26).

Para contornar a situação irregular no país, há toda uma rede de autoproteção dos imigrantes bolivianos, assim como meios legais para regularizar sua situação no Brasil (como, por exemplo, ter um filho nascido no país) (Silva, 2005: 34-36). Essa rede também serve para diminuir a solidão dos imigrantes bolivianos, um grande problema, porque muitos são solteiros e chegam ao país sem conhecer ninguém (2007: 76).

Outra característica desse grupo está na alta mobilidade. Muitos imigrantes bolivianos já haviam migrado de cidades menores para as grandes cidades bolivianas e, em seguida, emigraram para o Brasil. Mas essa característica foi marcante até os anos 1980: na década de 1990, como mostra Silva, muitos imigrantes saíram diretamente das pequenas cidades diretamente para o Brasil. Segundo o mesmo autor, essa mudança de uma cidade pequena para São Paulo, por exemplo, representa uma dificuldade a mais para a adaptação do imigrante boliviano, uma vez que a passagem de uma cidade menor, em que supostamente todos se conhecem, para uma cidade grande, simbolicamente opressora e onde se vive, na maior parte do tempo, com o sentimento de solidão, pode ser entendida como uma mudança muito radical (Silva, 2007: 76).

Além desses problemas vivenciados pelos imigrantes bolivianos, esse grupo sofreu (e ainda sofre) uma série de preconceitos e de discriminações relacionada às diferenças culturais. A discriminação decorreu, segundo Silva, do fato de a Bolívia possuir uma imagem de país atrasado, pobre e de origem indígena, além de ser associada ao tráfico de drogas. Essa discriminação também foi estendida aos filhos dos imigrantes nas escolas, porque a eles foi muitas vezes imputada a imagem de “índios”39 (por conta de seus traços fenotípicos) (Silva, 2005: 25-26).

Ainda segundo Silva, todo imigrante de origem andina é considerado ainda hoje “boliviano”, embora haja imagens preconceituosas específicas para cada grupo. Os bolivianos são, segundo o autor, frequentemente considerados “costureiros, pobres e índios”, enquanto os peruanos são indivíduos que praticam “atividades ilícitas”, como o “roubo e venda de objetos roubados”. Já os paraguaios, por conta da imagem que muitos brasileiros constroem do Paraguai, têm sua imagem relacionada a mercadorias falsificadas (Silva, 2007: 81-84).

Silva relata em seu trabalho um exemplo de intolerância ocorrido em São Paulo contra os imigrantes bolivianos. A Praça Padre Bento, no bairro do

39 Entretanto, os imigrantes não são apenas vítimas do preconceito, mas eles também portam os seus.

Segundo uma pesquisa realizada por Silva, os imigrantes latino-americanos mostram preconceito quando se referem aos demais imigrantes latino-americanos. Em alguns casos, o traço negativo destacado é o mesmo existente na sociedade brasileira, mas, em outros casos, o que fica evidente é a disputa regional entre os países (Silva, 2007: 87-88).

Pari, passou a ser frequentado pelos imigrantes bolivianos que, progressivamente, instalaram, todo final de semana, uma feira onde produtos típicos da cultura e da culinária boliviana eram vendidos. Com o aumento no número de visitantes, alguns problemas, como sujeira, barulho e até casos de brigas, começaram a surgir. Os moradores que vivem no entorno da praça decidiram, então, organizar um abaixo-assinado para expulsar os bolivianos da praça. Para explicitar a insatisfação dos moradores, foi colocada uma faixa com os seguintes dizeres: “A praça é nossa! Exigimos respeito. Estamos aqui há mais de cem anos”. Após esse protesto, a prefeitura de São Paulo decidiu mudar o local da feira dos imigrantes bolivianos para a Praça Kantula que, segundo o autor, fica no mesmo bairro, mas em um local mais isolado (Silva, 2005: 30-31).

Mesmo com tantos problemas, concorrências, explorações e desconfianças, há imigrantes que conseguem ascender socialmente dentro do seu grupo por meio do trabalho e da poupança, chegando a montar oficinas de costura próprias. O ciclo se reinicia: novas oficinas de costura são montadas e buscam, assim, novos imigrantes ansiosos para trabalhar e com muitos sonhos de melhorar de vida. Há ainda casos de filhos de imigrantes que retornam à Bolívia para cursar faculdades (Silva, 2005: 35).

As dificuldades de adaptação perpassam todos os grupos imigrantes, em qualquer fase da história da imigração no Brasil. Em determinados momentos, essas dificuldades se agravam quando estão envolvidos atitudes e comportamentos intolerantes e preconceituosos por parte da sociedade que deveria acolher esses imigrantes.

Nos últimos anos, o Brasil recebeu (e continua a receber) grande número de imigrantes de origem latino-americana e asiática. Mas o país passou a receber também outra forma de estrangeiro, que chega ao país em condições muito diferentes das dos imigrantes. Trata-se do refugiado. Abaixo, veremos em linhas gerais um pouco da história dessa outra forma de alteridade.