• Nenhum resultado encontrado

Linhas gerais da retomada da imigração no Brasil depois de 1945 O dia 18 de setembro de 1945 é considerado a data oficial de retomada

1. Breve história da imigração no Brasil após 1945 Introdução

1.4. Linhas gerais da retomada da imigração no Brasil depois de 1945 O dia 18 de setembro de 1945 é considerado a data oficial de retomada

da imigração no Brasil. Nesse dia, ainda no Estado Novo de Getúlio Vargas, foi publicado o Decreto-Lei no. 7.967, que retomou a imigração. Nesse momento, foi mantido o sistema de cotas anteriormente estabelecido em 193416 (Salles, 2004: 3).

15 O documentário “Sem Palavras” (2009) retrata bem esse momento de perseguição aos imigrantes

alemães no Brasil ao apresentar depoimentos de imigrantes e de seus descendentes que viveram a situação de não poder falar alemão na rua nem na escola, como um subsídio para o aprendizado do português, entre outras situações.

16 O sistema de cotas limitou a 2% o número de entrada de novos imigrantes para cada nacionalidade que

Os imigrantes desse período fugiram da Europa principalmente por causa dos horrores causados pela guerra. Parte desses imigrantes foi formada por agricultores, mas outra parte foi constituída por indivíduos com um grau de instrução maior: “Eram camponeses, operários, técnicos, profissionais liberais, intelectuais” (Freitas, 2001: 46).

Uma diferença substancial, em relação ao processo imigratório anterior (que pode ser definido como uma imigração dirigida17), está no fato de que os imigrantes que vieram para o trabalho na agricultura foram, em sua maioria, os deslocados de guerra e os refugiados. Esses indivíduos foram encaminhados ao Brasil por comitês de apoio internacionais, como o Comitê Internacional para as Migrações Europeias (CIME), a Comissão Católica de Migrações e a Organização Internacional para os Refugiados (OIR)18 (Salles, 2004: 4; Freitas, 2001: 48-50).

Os deslocados de guerra foram definidos como indivíduos arrancados à força de seus respectivos países. Os refugiados, por sua vez, foram vistos como indivíduos que saíram espontaneamente de seus países, o que, como ressalva Peres, é um conceito impreciso, pois esse tipo de imigrante saiu de seu país por necessidade (em decorrência de perseguições, por exemplo) e nunca como opção. De qualquer forma, os refugiados foram representados na Revista de Imigração e Colonização (doravante RIC) como elementos ideologicamente mais perigosos do que os deslocados de guerra e, por isso, mais frequentemente rejeitados pelo governo (Peres, 2003: 86-87).

Os poloneses formaram o principal grupo entre um total de 1.700.000 considerados como deslocado de guerra ou refugiado que permaneceram em solo alemão ou austríaco depois da guerra. Segundo Salles, o grupo de deslocados de guerra foi composto da seguinte maneira:

(...) os poloneses representam a etnia mais numerosa, quase 29% do total, seguida pelos ucranianos (12,3%), baltas (9%), húngaros (7,8%) e russos (7,6%). Em seguida, aparecem os iugoslavos (7%), os tchecos (2,4%) e várias nacionalidades que, reunidas, perfazem mais de 15%, seguidas pelos classificados como apátridas, porque haviam perdido a nacionalidade. As “outras nacionalidades” são formadas por: alemães (8,5%), austríacos (3,5%), armênios (0,7%), búlgaros (0,4%), gregos (0,18%), “brasileiros” (0,17%), albaneses (0,02%), espanhóis (0,06%), franceses (0,06%), holandeses

17 A imigração dirigida é aquela que envolve a participação de Estados e de companhias de transporte. 18 A Organização Internacional para os Refugiados foi substituída pela criação do Alto Comissariado das

(0,02%), italianos (0,12%), norte-americanos (0,02%), romenos (1,6%), suíços (0,01%) e turcos (0,02%) (Salles, 2004: 13).

Parte dos novos imigrantes que entraram no Brasil foi formada por deslocados de guerra e, em menor quantidade, por refugiados. Mas outra parcela desses novos imigrantes foi constituída por indivíduos que não tiveram qualquer tipo de ajuda governamental. Esses vieram para trabalhar ou na agricultura ou na indústria nacional e entraram no país por meio das “cartas de chamada” de parentes que já viviam no país (a chamada imigração espontânea) (Oliveira, 2006: 9; Peres, 2003: 34). Como mostra Peres, era uma prática muito comum às famílias imigrantes já estabelecidas no Brasil enviar cartas para os parentes, facilitando, assim, a vinda e a entrada desses novos imigrantes. A facilidade esteve, de um lado, localizada nas informações transmitidas aos novos possíveis imigrantes e, de outro lado, na ideia de que eles teriam suporte material e sentimental das famílias já estabelecidas, diminuindo a possibilidade de fracasso ou de retorno.

Ainda segundo Salles, por volta de 11.000 deslocados de guerra chegaram entre 1947 e 1952 ao Brasil, direcionados principalmente para a cidade de São Paulo. Se forem ainda incluídos os imigrantes que chegaram por meio das “cartas de chamada”, a partir de 1945, foram mais de 300.000 imigrantes a entrar no país nesse período. Segundo levantamento feito por essa autora, eles se dividiram em “11 216 agricultores, 67 319 operários em geral, 6280 qualificados, 4535 técnicos, 134 806 domésticos, além de 89 402 não especificados” (Salles, 2004: 12).

Como consequência desse novo movimento imigratório, a sociedade brasileira retomou as discussões sobre o melhor tipo de imigrante que o país deveria receber. Houve, ainda, um deslocamento da imagem do imigrante que o país almejava. O interesse brasileiro progressivamente deixou de ser por trabalhadores direcionados às lavouras e passou a ser por trabalhadores com formação técnica que pudessem contribuir com o desenvolvimento e o estabelecimento do parque industrial nascente:

Na imigração após a Segunda Guerra, houve decréscimo de entrada de agricultores e crescimento de grupos profissionais constituídos de operários qualificados e os técnicos. Esta tendência acompanha a evolução de um país

essencialmente agrícola que se transformava em um país industrial e urbano (Freitas, 2001: 51).

O parque industrial crescente, em especial no Estado de São Paulo, criou a imagem de um país que finalmente encontrou o caminho do desenvolvimento econômico pleno, mas ainda com uma grande carência de mão-de-obra especializada, cuja supressão seria realizada com a vinda de novos imigrantes (Peres, 2003: 62). Assim, os imigrantes continuaram a ter um papel central nas discussões a respeito do desenvolvimento econômico nacional, como já ocorrera no século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

Um bom exemplo sobre as profissões mais requisitadas pelo governo brasileiro pode ser encontrado no Relatório da Repartição Internacional do Trabalho/Brasil, que, em 1953, indicou os seguintes profissionais para o país: engenheiros, técnicos e trabalhadores qualificados nas indústrias têxteis, químicas e manufatureiras de ferro e aço, mecânicos (de rádio e automóveis), torneiros, eletricistas, ajustadores, trabalhadores qualificados em engenharia, carpinteiros, pedreiros, e trabalhadores de construção em geral, estofadores, alfaiates, governantas (professoras) e nurses, criadas e trabalhadores agrícolas (Freitas, 2001: 52). Foram excluídos dessa lista os profissionais liberais, como médicos, dentistas, advogados, arquitetos, contabilistas, acadêmicos, professores etc. Isso ocorreu, porque se acreditou que eles teriam problemas com o uso da língua portuguesa e, por essa razão, precisariam fazer exames para revalidar seus diplomas19. Além disso, houve a preocupação de não se trazer imigrantes que pudessem competir diretamente com os brasileiros (restrição já prevista, inclusive, no artigo 150 da Constituição de 1937) (Freitas, 2001: 52).

O país necessitava, naquele momento, de imigrantes qualificados para a indústria. Mas esses imigrantes não poderiam se desviar de um determinado padrão comportamental, físico e cultural almejado pela sociedade brasileira. Repetir-se-iam, assim, determinados traços da política imigratória da Era Vargas (Peres, 2003: 86), que visou, sobretudo, a imigrantes de origem

19 Por meio desse exemplo, é possível observar que a questão linguística também foi utilizada como um

europeia em detrimento das demais nacionalidades, principalmente dos asiáticos20.

Para serem aceitos no país, todos os imigrantes deveriam cumprir determinados critérios estabelecidos pelo governo brasileiro, como qualidades físicas, mentais, profissionais, ideológicas e raciais. Os artigos publicados na RIC defenderam o uso de critérios médicos para seleção dos imigrantes que pudessem entrar no país, em especial os deslocados de guerra. Esses textos ainda criaram determinadas imagens dos imigrantes indesejados, que foram relacionadas, principalmente, a problemas psicológicos decorrentes da guerra (Peres, 2003: 87-89). A título de exemplo, reproduzimos um trecho do texto de Antonio Xavier de Oliveira, publicado na RIC em 1946:

(...) com cândida bondade e responsável inocência espécimes degenerados de raças indesejáveis, velhos e crianças inúteis para o trabalho produtivo, e tudo isso com a cumplicidade de um governo de homens cultos e patriotas, mas que, embora estadistas, desconhecem as conquistas da ciência moderna e não ouvem os conselhos dos seus cultores maiores. Se assim não fora, certo que não continuaríamos a receber os rebutalhos humanos, a escória de raças miseráveis, proxenetas de todas as procedências, para incorporar à nossa nacionalidade, num atentado, num crime de lesa-pátria, que não afeta só o Brasil, mas também (...), toda a América (Oliveira apud Peres, 2003: 90).

O discurso médico/biológico camuflou uma preocupação relativa à constituição racial da sociedade brasileira. Dessa forma, foram encontradas, nesses discursos, palavras explícitas favoráveis ao homem branco europeu (com a preferência, apontada anteriormente, por imigrantes de origem latina, como portugueses, espanhóis e italianos), que o indicaram como o melhor tipo de imigrante para o país, ao mesmo tempo em que condenaram a entrada de judeus e de japoneses, tal como ocorrera no período anterior da imigração (Peres, 2003: 93). Em resumo, algumas características dos imigrantes continuaram em pauta pela sociedade e pelo Estado brasileiros, como indica Peres:

20

Veremos, na última seção deste capítulo, como o interesse do governo brasileiro se voltou para a entrada de imigrantes europeus (na condição de refugiados) quando instituiu a reserva geográfica para o recebimento dos refugiados. Dessa forma, o governo brasileiro decidiu que só receberia refugiados vindos da Europa.

Buscava-se um Brasil moderno, onde não haveria espaço para o imigrante não qualificado ou para aquele que não fosse portador de um comportamento visto como ‘normal’ e de uma constituição física e genética considerada ‘ideal’, como também desprezava-se muitas vezes o trabalhador nacional, tido como indolente (Peres, 2003: 34).

A sociedade e o Estado brasileiros pensaram que, com o fim da Segunda Guerra Mundial, aquele seria o momento de transformar o Brasil em grande potência econômica. Para atingir esse objetivo, o país deveria explorar as potencialidades de sua natureza, estabelecer um parque industrial consistente e, ainda, prosseguir com o processo, já em andamento, de “branqueamento” da sociedade por meio da mestiçagem. Os imigrantes europeus viriam, assim, para auxiliar o país a se desenvolver economicamente e para acelerar o processo de “branqueamento” da sociedade brasileira (Peres, 2003: 60). O processo de “branqueamento” foi, então, considerado um dos pilares do desenvolvimento do país.

A miscigenação defendida pelos autores que escreveram na RIC teve, em seu limite, a ideia de que os imigrantes europeus selecionados com base em critérios eugênicos e raciais formariam a base social do país. Ao mesmo tempo, os considerados “maus brasileiros” (negros e índios, trabalhadores “indolentes” e pobres) seriam, com o passar do tempo, eliminados da sociedade brasileira:

A política imigratória transformara-se, portanto, em garantia para um futuro promissor. O Brasil deveria posicionar-se como avesso ao ‘estranho’ buscando a homogeneidade racial que, por sua vez, sustentaria a Nação que se formava. A ciência atrelada ao Estado seria a responsável pela criação do ‘novo’ Brasil, livre dos entraves representados pelos ‘maus elementos’ que vinham de fora, mas também pela permanência de uma população nativa fraca e doente. A solução proposta era a seleção eugênica e racial dos imigrantes e o abandono das populações carentes a sua própria sorte, levando-as à extinção (Peres, 2003: 98).

Além de se recorrer a critérios considerados científicos, os artigos da RIC também criaram a imagem de um país racialmente democrático e tolerante, a despeito da clara preferência por imigrantes brancos em todos os textos que propuseram critérios de seleção dos imigrantes. Contrariamente a essa imagem de tolerância e de respeito à diversidade, procurou-se ainda inculcar os valores nacionais, por meio do ensino da língua, da história e da

geografia, nesses novos imigrantes, tal como já havia sido formulado durante a Era Vargas (Peres, 2003: 96).

Outra característica que permaneceu nas discussões sobre a imigração