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Sobre a nacionalidade brasileira e sua aquisição Introdução

4. O discurso jurídico sobre o estrangeiro no Brasil 1 Preliminares

4.2. Sobre a nacionalidade brasileira e sua aquisição Introdução

Segundo Mello, a nacionalidade possui duas definições em campos distintos do saber: a sociológica e a jurídica. A nacionalidade, em sua definição sociológica, é um agrupamento de pessoas com uma mesma língua, raça, religião e um desejo de viver junto74. Já a definição jurídica de nacionalidade

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Segundo o mesmo autor, essa definição de nacionalidade está por trás da fundação de algumas nações, como a alemã, a italiana e a francesa. A abordagem histórica e sociológica do conceito de nação é muito longa e complexa para discutirmos em poucas linhas deste trabalho. Para uma noção mais aprofundada das diferentes formas de se definir a nacionalidade e a nação, remetemos ao trabalho de Thiesse (2001).

reforça a ligação do indivíduo a um Estado (e não à nação). Por isso, o indivíduo é considerado, no campo jurídico, como um membro do Estado por manter um vínculo jurídico-político com ele (2002: 953-954).

A importância da nacionalidade, para o campo jurídico e o sociológico, pode ser observada pelo fato de estar na Declaração Universal dos Direitos do Homem:

1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2 Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade (apud Mello, 2002: 955)

Nesta seção, analisaremos a lei nº 818 (de 1949), que regularizou a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade. Inicialmente, a lei apresenta suas definições do que é ser brasileiro. Segundo nossa proposta, a definição de nacionalidade tem como um de seus pilares a noção de contrato75. Por essa razão, a lei estabelece diferentes percursos para se chegar a uma conjunção com a nacionalidade brasileira (ou seja, para se conquistar o elo do indivíduo com o Estado brasileiro, como mencionamos acima).

Um desses percursos merecerá uma análise mais detida. Trata-se do percurso que um estrangeiro deve percorrer para se tornar brasileiro (o processo de naturalização). Examinaremos também as demais formas de se ter ou adquirir a nacionalidade brasileira, assim como as formas de se perdê-la. No caso da perda, a lei não engloba apenas os imigrantes, mas também brasileiros natos que podem, assim, perder a sua nacionalidade por motivos previstos pela lei.

Apresentaremos resumidamente as principais características da presente lei com o intuito de facilitar a análise que será realizada.

Nesse trabalho, Thiesse mostra como a língua, a cultura e a história foram utilizadas para a fundação das nações modernas, tendo como base a noção de unidade nacional.

75 No Direito, há duas correntes de pensamento sobre a nacionalidade. De um lado, a que enfatiza o

vínculo político e jurídico entre indivíduo e Estado; de outro, a corrente que afirma a noção de contrato entre indivíduo e Estado. Mello critica a corrente contratualista porque ela não explicaria como um recém-nascido contrai um contrato com o Estado em que nasce. De nossa parte, optamos pela noção de contrato para, primeiro, manter nossa coerência teórica e, em segundo lugar, porque Greimas e Courtés apresentam a definição de contrato, em semiótica, como uma relação intersubjetiva que pode modificar o estatuto dos sujeitos em presença. Além disso, eles também afirmam que o contrato implícito é, de um lado, a criação de uma expectativa para ações futuras e, de outro, uma coerção sobre a liberdade do indivíduo (s/d: 84).

Resumo da lei

A lei nº 818, composta por 46 artigos, foi publicada em 18 de setembro de 1949 (assinada pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra). Basicamente, a lei regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, tanto de imigrantes como de brasileiros natos, além de legislar sobre a perda dos direitos políticos. A questão dos imigrantes está focada, sobretudo, nas seções que tratam da naturalização, das condições para adquiri-la e das infrações que levam o imigrante naturalizado a perdê-la.

A lei começa definindo sua concepção de brasileiro. Os dois primeiros itens do artigo 1º dizem, respectivamente, que é brasileiro aquele que nasce no Brasil (mesmo sendo filho de estrangeiros) ou quem é filho de brasileiros nascido no exterior. Além disso, são considerados brasileiros os que obtiveram a nacionalidade brasileira por meio do artigo 69 da Constituição de 189176, assim como os que obtêm a naturalização segundo os requisitos previstos em lei.

A possibilidade de se escolher ou não a nacionalidade brasileira também é regulamentada por essa lei. Essa parte está detalhada nos artigos 2º ao 5º e se referem tanto ao filho de estrangeiro ou estrangeira com um cidadão brasileiro como ao filho de brasileiros nascido no exterior.

O 6º artigo trata da “nacionalidade brasileira declarada juridicamente”. Essa forma de nacionalidade se refere aos estrangeiros que adquiriram a naturalização até o dia 16 de julho de 1934 (baseados no artigo já citado da

76 Citamos nominalmente o artigo 69 da Constituição de 1891, mencionado na presente lei:

“Art 69 - São cidadãos brasileiros:

1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo este a serviço de sua nação; 2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República;

3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se;

4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;

6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados”.

O 4º item desse artigo se baseia no Decreto 58-A, de 1889, que determinou a naturalização de todo estrangeiro residente no país até o momento da Proclamação da República, salvo os casos contrários expressos por cada estrangeiro desejoso de manter sua nacionalidade (Dal Ri, 2010: 18-19).

Constituição de 1891). O artigo 6º ainda afirma que todos os naturalizados até 1934 têm direito a solicitar o título declaratório77.

O processo de naturalização propriamente dito é tratado nos artigos 7º ao 18. Dentre esses artigos, o 8º estabelece os critérios necessários para o estrangeiro solicitar a naturalização. Veremos, com mais detalhes, esses itens em nossa análise.

O prazo de cinco anos de residência no país (como pré-requisito para a naturalização) pode ser reduzido em algumas situações, conforme as estipuladas pelo artigo 9º: ser proprietário ou ter filho nascido no Brasil, entre outras exceções. O artigo 10 detalha os procedimentos burocráticos pelos quais o estrangeiro deve passar para solicitar o início do seu processo de naturalização. Ainda está prevista a possibilidade de instituição de um procurador, no caso do estrangeiro ser português e analfabeto.

O artigo 11 se refere à naturalização das mulheres estrangeiras que se casaram com diplomatas brasileiros. Do artigo 12 ao 15, a lei trata dos detalhes burocráticos do pedido de naturalização, que passa por diferentes instâncias do Estado brasileiro até sua aprovação e a emissão da certidão de naturalização.

A entrega da certidão está regulamentada no artigo 16. O artigo 17 permite a qualquer brasileiro impugnar o pedido de naturalização, desde que seja feita com base em argumentos plausíveis. O artigo 18 regulamenta a impossibilidade de se entregar a certidão quando há alguma mudança nas condições do requerente que conflitam com os critérios estabelecidos de naturalização.

Os efeitos da naturalização são tratados nos artigos 19 a 21. A lei declara, assim, que a naturalização só tem validade a partir da entrega da certidão ao requerente e não se estende ao cônjuge ou aos filhos do solicitante.

A perda da nacionalidade brasileira é tratada entre os artigos 22 a 34. Essa perda não se aplica somente aos estrangeiros naturalizados, mas também aos brasileiros. Na análise desses artigos, retomaremos os detalhes que levam à perda da nacionalidade.

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O título declaratório de cidadão brasileiro foi instituído pela Constituição de 1891. Esse título foi concedido a todos os imigrantes que se naturalizaram por meio dos incisos 4º e 5º do artigo citado na nota anterior. O título se diferenciava da carta de naturalização, que era concedida aos naturalizados por outros meios (Dal Ri, 2010: 29).

O artigo 35 determina que o ato de naturalização se torna nulo se comprovada "a falsidade ideológica ou material de qualquer dos requisitos exigidos pelos artigos 8º e 9º”. A possibilidade de readquirir a nacionalidade brasileira perdida é tratada nos artigos 36 e 37. Também trataremos esses dois artigos em detalhes na nossa análise.

A definição dos direitos políticos, assim como sua perda e sua reaquisição, é tratada nos artigos 38, 39 e 40. O artigo 39 afirma que a perda do direito político somente pode ocorrer nos casos previstos no artigo 135 (parágrafos 1º e 2º) da Constituição Federal78.

Do artigo 42 ao 46, a lei descreve detalhes burocráticos referentes aos pedidos de naturalização, tais como a criação de livros de registros, os trâmites de comunicação sobre a perda e a aquisição da nacionalidade entre diferentes instâncias administrativas do Estado brasileiro, assim como a data de início da lei. Por fim, são mencionadas todas as outras leis revogadas a partir da publicação da lei 818.

Passemos, então, para o principal tema da presente lei: a definição da nacionalidade brasileira.

O ser brasileiro no discurso jurídico

Ao nascer, um indivíduo não apenas ganha um nome próprio e um sobrenome, mas também denominações que remetem à sua origem geográfica (cidade, região ou estado da federação) e, obviamente, uma nacionalidade. Tem-se um nome próprio para se diferenciar dos demais membros da família, um gentílico para indicar a qual região ou cidade pertence e uma nacionalidade que indica em qual país se nasceu. A nacionalidade é, assim, uma dentre outras formas de identidade que perpassa um indivíduo.

78 Segue abaixo a citação do referido artigo da Constituição de 1946:

“Art 135 - Só se suspendem ou perdem es direitos políticos nos casos deste artigo. § 1º - Suspendem-se:

I - por incapacidade civil absoluta;

II - por condenação criminal, enquanto durarem os seus efeitos. § 2º - Perdem-se:

I - nos casos estabelecidos no art. 130; II - pela recusa prevista no art. 141, § 8º;

III - pela aceitação de título nobiliário ou condecoração estrangeira que importe restrição de direito ou dever perante o Estado”.

A nacionalidade pode ser considerada como um contrato, imposto automaticamente, entre um destinador-Estado e um sujeito-cidadão que envolve a modalidade do /ser/ desse sujeito, que já surge em conjunção com o valor descritivo “nacionalidade” e atribui a ele o papel temático de “brasileiro”. A diferença entre esse contrato de nacionalidade e outros contratos (enquanto um conceito semiótico) está centrada na quase ausência de manipulação, uma vez que a nacionalidade é atribuída automaticamente no momento em que um indivíduo nasce em um determinado país. Podemos, assim, pensar que esse contrato de nacionalidade é “inato”, pois quem nasce no Brasil (ou em um determinado país) não tem como recusá-lo no momento mesmo em que o recebe.

Há também outra forma de se ter a nacionalidade brasileira. Essa outra maneira tem como base “herdar” o contrato de nacionalidade de ao menos um dos pais. Dessa maneira, pode-se ter uma nacionalidade “provisória” que será aceita ou recusada quando o indivíduo atinge a maioridade.

Essas não são as únicas formas de se ter o papel temático “brasileiro”. Como veremos adiante, a naturalização envolve uma transformação do estrangeiro, que passa a ser, no caso, brasileiro ao aceitar um novo contrato com a nação brasileira e ao abandonar o antigo contrato com sua nação de origem. Em oposição ao contrato de nacionalidade “inato”, temos, assim, um contrato de nacionalidade “adquirido” por meio da naturalização. Essas duas formas de nacionalidade estão previstas pela lei analisada, como podemos observar abaixo:

Art. 1º São brasileiros:

I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que não residam estes a serviço de seu país;

II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no país. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela dentro em quatro anos;

III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do artigo 69, ns. 4 e 5, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891;

IV - os naturalizados, pela forma estabelecida em lei.

A partir das definições de “brasileiro”, apresentadas pelo artigo acima, podemos pensar em algumas questões sobre o /ser-brasileiro/. No item I, vemos que o contrato de nacionalidade entre Estado e indivíduo ocorre no ato

mesmo em que este indivíduo nasce no país, independente da origem de seus pais (mas com a ressalva em relação à função que eles exercem no país: o de não estar em outro programa narrativo que não seja o do próprio Estado brasileiro). O espaço em que esse indivíduo nasce passa a ser, então, determinante para o estabelecimento do contrato que atribui a nacionalidade brasileira a ele. Esse indivíduo é então automaticamente considerado brasileiro porque o contrato é instituído pelo espaço em que ele nasce. Sendo o espaço o elemento fundador desse contrato, a quase ausência de intencionalidade naturaliza uma questão cultural como o nacionalismo. Dessa forma, uma dimensão cultural (porque jurídica), como a de possuir determinada nacionalidade, é revestida por efeitos de natureza, ou seja, de uma cultura naturalizada.

No item II, não é mais o espaço o elemento determinante para atribuição da nacionalidade, mas sim a nacionalidade dos pais. Dessa forma, o espaço dá lugar à consanguinidade, isto é, ao fato de os pais do indivíduo poderem atribuir um papel temático a esse sujeito (o de ser brasileiro). Pode-se pensar, então, que a nacionalidade, nesse caso, é uma doação de sentidos dada por outros sujeitos (os pais) e, no caso da lei, uma nacionalidade que pode ser conservada (ou não), se o sujeito desejar e cumprir certas exigências previstas em lei. Entendemos que os itens I e II, acima mencionados, se referem ao contrato “inato”79 a que nos referimos anteriormente.

Existe ainda outra forma de se ter a nacionalidade brasileira, conforme podemos observar nos itens III e IV do artigo 1º. Esses dois itens se referem ao processo de naturalização do estrangeiro que vive no Brasil. Assim, temos dois tipos de contrato a respeito do /ser-brasileiro/: um contrato baseado em uma dimensão natural (espaço, sangue), sem a presença da intencionalidade, e outro contrato predominantemente “cultural”, no sentido de que a nacionalidade pode ser adquirida. O caráter “não natural” da naturalização (o que não deixa de ser uma contradição de termos) vai se desdobrar, no discurso analisado, em uma série de etapas para sua efetiva realização.

79 Segundo Mello, o universo jurídico distingue dois tipos de nacionalidade: a originária e a adquirida

(2002: 956). Optamos por usar o termo “inato” para a nacionalidade originária por entendermos que ela se opõe melhor ao termo “adquirido”.

O ato de naturalização é, como dissemos, um novo contrato estabelecido entre o destinatário-estrangeiro e o destinador-Estado. Ao mesmo tempo em que esse contrato é estabelecido, outros dois são desfeitos: aquele que o estrangeiro tinha com seu país de origem e outro que ele mantinha com o próprio Estado brasileiro e que dava a ele a condição de estrangeiro no país.

Ao contrário da nacionalidade obtida ao nascer, que não pressupõe uma vontade, mas uma causalidade “natural”, o ato de naturalização é, em certa medida, um ato de vontade (/querer-ser/) ou de interesse (/querer-ser/ para /poder-ser/ e /poder-fazer/) do estrangeiro. Nesse caso, o /querer-ser/ do estrangeiro pode, eventualmente, suplantar um esquema manipulatório do destinador (enquanto um actante “externo” ao sujeito). Em outras palavras, entendemos que a vontade e o interesse do estrangeiro em se naturalizar ocorre, em grande parte dos casos, como uma automanipulação que o leva a enfrentar todo o percurso burocrático previsto pela lei para se tornar brasileiro.

Assim, examinaremos como a lei organiza as etapas de naturalização no presente discurso. A primeira é justamente a questão da vontade do estrangeiro em se tornar, no caso, brasileiro. Isso não significa que ao sujeito- estrangeiro seja permitida a conjunção completa e livre de dificuldades apenas pela motivação orientada por seu /querer/. Como já dissemos, uma série de exigências são colocadas para se comprovar a competência modal necessária, ao final do percurso, para ser reconhecido como um brasileiro.

Antes de examinarmos o percurso da naturalização, veremos como a lei organiza a possibilidade de escolha da nacionalidade brasileira para o filho de um estrangeiro nascido no Brasil e para o filho de brasileiros nascido no exterior.

Das opções sobre a nacionalidade

Além da nacionalidade brasileira atribuída ao nascer no país ou da nacionalidade adquirida por meio da naturalização, a lei analisada apresenta outras possibilidades de se obter a nacionalidade brasileira. Veremos, nesta seção, como se organiza na lei a escolha da nacionalidade brasileira, assim como apresentaremos a organização de todas as formas de se ter a nacionalidade brasileira construídas pela lei.

Há duas situações distintas previstas pela lei (artigos 2º e 4º) sobre a possibilidade de se optar pela nacionalidade brasileira: a) quando um dos pais for estrangeiro (e o outro, brasileiro), o filho, nascido no Brasil, pode solicitar a nacionalidade conforme o artigo 129 da Constituição Federal; b) quando filho de brasileiros nascido no exterior (e cujos pais não estão a serviço do governo brasileiro), ao retornar ao país, pode apresentar os documentos necessários para requerer a nacionalidade brasileira em até quatro anos após a sua maioridade. Ambas situações foram mencionadas rapidamente na primeira seção desta análise. Veremos agora quais as possibilidades que a lei prevê em relação à aquisição da nacionalidade brasileira. Para facilitar a análise, citamos o artigo 2º, que trata do primeiro caso:

Art 2º Quando um dos pais for estrangeiro, residente no Brasil a serviço de seu governo, e o outro for brasileiro, o filho, aqui nascido, poderá optar pela nacionalidade brasileira, na forma do art. 129, nº II, da Constituição Federal80.

Vemos que o artigo acima mobiliza, semanticamente, a questão espacial (nascer no Brasil), ao mesmo tempo em que atribui a consanguinidade como uma forma de definição de um sujeito que é, então, provisoriamente brasileiro81. Dessa maneira, o sujeito do primeiro caso não é completamente estrangeiro, já que nasceu no Brasil e tem um dos pais brasileiro, mas ao mesmo tempo ele não é totalmente brasileiro, já que há um traço de “estrangeiridade” em sua constituição (advinda de um de seus pais). Por isso, esse sujeito apresenta uma condição peculiar construída discursivamente, segundo a qual ele pode optar pela nacionalidade brasileira ou, algo que fica implícito no artigo, escolher a nacionalidade de origem do pai ou da mãe pais estrangeiros. De qualquer maneira, o importante a se reter nessa questão é a situação “provisória” desse sujeito quanto à sua nacionalidade: é um brasileiro

80 Citamos o artigo referido da Constituição de 1946:

“Art 129 - São brasileiros:

I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço do seu país; II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no País. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela, dentro em quatro anos;

III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, n os IV e V, da Constituição de 24

de fevereiro de 1891;

IV - os naturalizados pela forma que a lei estabelecer, exigidas aos portugueses apenas residência no País por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física”.

81 Segundo Mello, “o Brasil adota o ‘jus soli’ tradicionalmente, mas atualmente são tantas as exceções em

“incompleto” que deve decidir se vai se transformar em um brasileiro “integral” ou se se tornará um estrangeiro em solo brasileiro.

Já o segundo caso, que também mobiliza uma categoria espacial (o nascer fora do país, ou seja, em um “lá”), determina a possibilidade de conversão do filho de brasileiros que possui outra nacionalidade (a do país de seu nascimento), também como um /poder-fazer/ (possibilidade prevista pela lei) que é regido por um /querer-ser/ brasileiro (referente ao desejo de um indivíduo juridicamente estrangeiro em se tornar brasileiro). Da mesma forma que no primeiro caso, a consanguinidade é elemento fundamental para se definir a opção de escolha do sujeito em questão. Há ainda mais uma observação a respeito do espaço: esse indivíduo, filho de brasileiros, só pode vir a se tornar cidadão brasileiro se voltar a residir no país (retornar ao “aqui”), tal como deixa claro o artigo 4º da lei.

Art 4º O filho de brasileiro ou brasileira, nascido no estrangeiro e cujos pais ali não estejam a serviço do Brasil, poderá, após sua chegada ao país, para nele residir, requerer ao Juiz de Direito de seu domicílio, se transcreva, no Registro Civil, o termo de nascimento, fazendo-se constar deste e das respectivas certidões que o mesmo só valerá como prova da nacionalidade brasileira até quatro anos depois de atingida a maioridade.