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Eu vi tu ontem na feira, mas tu não me viu/viste/visse.

4 O MODELO TEÓRICO: A TEORIA DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

5.2 A RECOLHA DOS DADOS

5.2.2 A entrevista sociolinguística

As entrevistas utilizadas seguem o modelo Informante-Documentador, ideal para tratar de fenômenos morfossintáticos e fonológicos. Dentre as vantagens dessa técnica, estão a facilidade de gravação e, consequentemente, de transcrição e a obtenção de contextos com menor nível de monitoramento, ideais para a observação do vernáculo.

Elaboramos um roteiro a ser aplicado a todos os informantes (Apêndice D), para garantir certa homogeneidade e facilitar a produção das formas desejadas. Seguindo as orientações da metodologia laboviana, as entrevistas versavam sobre temas do cotidiano das pessoas envolvidas na pesquisa e fatos de sua vida pessoal, tais como relacionamento familiar; brincadeiras e travessuras da infância; brigas na

escola ou entre irmãos; a violência na cidade; risco de vida. O objetivo desse procedimento foi conseguirmos uma situação natural de comunicação, uma vez que, envolvido emocionalmente, o falante pouco monitora a sua fala, que se aproxima mais do vernáculo.

Conduzimos a entrevista com naturalidade, buscando construir um contexto informal que deixasse o falante à vontade, minimizando, assim, o conhecido paradoxo do observador, definido por Labov (2008 [1972]). Como assinala Campoy (2005, p. 115), “a Sociolinguística tem desenvolvido técnicas para superar o paradoxo do observador, ou ao menos reduzir seus efeitos e obter amostras de fala o mais natural possível47.” Assim, utilizamos algumas dessas estratégias para alcançar a

naturalidade pretendida, como o emprego de uma linguagem sem rebuscamento, com vocabulário e sintaxe adequados a situações informais, e a escolha de temas que despertassem certa emoção no falante e o levassem a prestar atenção mínima à sua fala.

Tomamos o cuidado de não interromper a fala do informante e de manter a atenção à conversa, incentivando-o a desenvolver suas narrativas com fluência e, quando possível, guiando-o na produção de fomas objetivas de segunda pessoa. Para isso, pedíamo-lhe que reportasse a própria fala ou a de outrem, conforme ilustramos a seguir:

(44) DOC: E assim... a senhora já comentou... a senhora já recebeu algum conselho importante de alguém, alguém que foi marcante na sua vida... tem como a senhora falar o que essa pessoa disse?

INF: Já... eu... durante... no meio dessa confusão toda, essa... e... e um dia ela encontrou comigo, um dia já na véspera de ir embora ela disse “V. eu vou embora de Santo Antônio, vou embora... mas eu quero lhe pedir (um favor)... “você tem um potencial, você pode ser

47 “la Sociolingüística há desarrollado técnicas para superar la paradoja del observador, o al menos reducir sus efectos, y obtener muestras de habla lo más natural posible” (CAMPOY, 2005, p. 115).

alguém na vida, não deixe que essa revolta, essa raiva que tá aí dentro destrua seu futuro”[...]. [SAJ.06.F.ES.II]48

É conveniente assinalar que a sociolinguística dispõe de técnicas de coletas que podem promover contextos de interação entre os falantes e favorecer a produção das formas interlocutórias desejadas, como as gravações secretas; entretanto, se, optássemos por esse caminho, precisaríamos lidar com outros problemas, como a dificuldade de encontrarmos indivíduos com o perfil exigido para a pesquisa e que se dispusessem a participar de tais situações, a falta de garantia de que se realizariam as ocorrências desejadas e a dificuldade de transcrição decorrente da superposição de vozes. Em razão disso, essas técnicas foram descartadas.

5.2.3 Os testes

Como assinalamos em Almeida (2009), as estratégias de tratamento do interlocutor ocorrem, em geral, em contextos em que há interação entre os participantes da situação comunicativa. No caso das entrevistas sociolinguísticas, que envolvem o informante e o documentador (e, às vezes, um ajudante), a interação é limitada, o que dificulta a produção de tais formas. Para este trabalho, houve, então, a necessidade de recorrermos à técnica de aplicação de testes, cujos modelos são variados, mas, como assinala Silva (2007, p. 125), “o melhor é certamente aquele que é criado para a pesquisa desejada”. Dessa forma, elaboraramos dois questionários específicos, descritos a seguir, para permitir a captação das formas interlocutórias em posição de objeto. É importante mencionar que esses formatos foram testados no estudo das formas pronominais objetivas utilizadas em Salvador (cf. ALMEIDA, 2009), tendo sido revistos e ampliados para este trabalho.

O primeiro questionário, composto por vinte perguntas (Apêndice C), foi apresentado como uma espécie de jogo em que o falante era orientado a elaborar respostas rápidas de acordo com a situação fornecida pelo documentador. Antes do início do

48

Os exemplos extraídos do corpus constituído para esta tese serão identificados com base nas seguintes informações: i) cidade: Santo Antônio de Jesus (SAJ); ii) número da entrevista: de 01 a 36; iii) sexo: masculino (M) e feminino (F); iv) escolaridade: Ensino Fundamental (EF) e ensino superior (ES); v) faixa etária: faixa 1 (I), faixa 2 (II) e faixa três (III). Assim um exemplo identificado como [SAJ.01.F.EF.II] é uma amostra de fala de Santo Antônio de Jesus, da entrevista número 1, pertencente a um indivíduo do sexo feminino, com nível de escolaridade fundamental, com idade entre 45 e 55 anos.

teste, o informante foi cuidadosamente instruído a incluir em suas respostas a palavra final da pergunta, que era sempre um verbo transitivo ou uma locução com verbo transitivo. Vejam-se os exemplos a seguir:

(45) DOC: INF:

Ontem eu andei por essas redondezas. Você me viu? Não te vi. [SAJ.09. F.ES.II]

(46) DOC: INF:

DOC: Onde me conheceu?

Aqui... lhe conheci aqui no meu escritório. [SAJ.04.M.ES.II]

Algumas vezes, os informantes não produziram as formas linguísticas esperadas, dando respostas curtas como “sim” ou “não” ou outras igualmente não desejadas. Nesses casos, evitávamos insistir excessivamente na obtenção da resposta, passando à pergunta seguinte. Salientamos que, apesar do objetivo primordial de captar as estratégias de realização do objeto de segunda pessoa, guiou a aplicação dos procedimentos de recolha dos dados o princípio de deixar o falante confortável para elaborar a sua fala.

O segundo teste (Apêndice E) fornecia situações hipotéticas ao falante, a partir das quais deveria organizar a sua fala. As 32 perguntas desse questionário apresentavam uma formulação inicial a fim de direcionar o informante para a produção da construção sintática desejada e, tal como no questionário anteriormente descrito, impunha-lhe a elaboração de construções com formas verbais transitivas, mas, dessa vez, direcionadas a um interlocutor hipotético. O falante foi instruído a dirigir-se a interlocutores diversos – pais, irmãos, amigos, desconhecidos, colegas de trabalho, pessoas em posição hierárquica superior, etc. – tendo em vista o nosso intuito de testar o papel do interlocutor na escolha da estratégia de pronominalização do objeto de segunda pessoa. Vejam-se os exemplos:

(47) DOC: Você é um dos representantes da Associação de Moradores daqui do bairro... a gente sabe que aqui no bairro não tem, mas vamos pensar nessa situação, e foi até a Câmara de Vereadores convidar um vereador para fazer uma reunião com os moradores. Como você faria o convite a esse vereador?

DOC: [Isso].

INF: Aí eu ia procurar um vereador... né... candidato a vereador lá nesse local, pra ele vim aqui porque... “olhe... vamos lá porque eu sou a representante lá da rua... né... dos moradores da Cajazeira [...], eu

lhe garanto... vá, tem umas dez pessoas, então são dez votos pra

você.” [SAJ.01.F.EF.I]

(48) DOC:

INF:

O senhor precisa pedir um dinheiro emprestado a seu irmão. Como convenceria ele a emprestar, mas deixe claro que o senhor pretende pagar.

Estou precisando neste momento de x, mas vê se você pode emprestar, porque eu vou lhe pagar daqui a trinta dias... daqui a trinta dias eu tenho um dinheiro pra receber, um extra, e aí me empresta este dinheiro porque estou precisando muito, mas muito, muito agora, mas daqui a trinta dias eu te devolvo. [SAJ.10.M.EF.II]

Tivemos o cuidado de elaborar as questões baseadas em situações do cotidiano das pessoas para facilitar a organização das respostas e obter contextos mais naturais. Ademais, elas poderiam se lembrar de fatos vivenciados e reportar a fala produzida nessas situações, o que ocorreu em alguns momentos, como no relato a seguir:

(49) DOC:

INF:

A filha de sua vizinha estava grávida e teve o bebê há quase dois meses, mas você ainda não teve tempo de visitar ela. Você encontra a vizinha na rua, e como é que você diz a ela que ainda não teve tempo de ir lá fazer uma visita?

De dizer, sê realista, as perguntas que você me faz parece que são todas perguntas que eu já vivenciei, porque sábado passado mesmo, tem um colega meu que a esposa dele... é... teve neném e eu ainda não tinha visitado, feito a visita e aí quando eu fui passando, ela já estava na porta com o bebê. Eu cheguei {risos} já estava o menino com três meses, eu disse, “ó... eu não vim aqui ainda lhe vê mas agora você tá na porta eu não vou passar pelo

outro lado do passeio e não vê”. [SAJ.19.M.ES.II]