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Economia e sociedade no Recôncavo Baiano no período colonial e imperial

Eu vi tu ontem na feira, mas tu não me viu/viste/visse.

3 A FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS DO BRASIL E O CENÁRIO SOCIOLINGUÍSTICO DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS

3.2 SANTO ANTÔNIO DE JESUS NO CONTEXTO DO RECÔNCAVO BAIANO

3.2.1 Economia e sociedade no Recôncavo Baiano no período colonial e imperial

Considerando que “nenhum espaço urbano consegue se reproduzir de modo isolado” (SANTOS, 1999, p. 14), para que se compreenda a complexidade que caracteriza o desenvolvimento de SAJ, é imprescindível atentar para a sua inserção no contexto regional, o outrora imponente Recôncavo Baiano, um dos espaços de ocupação mais antigos do país.

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O Governo da Bahia, a partir de 2007, passou a adotar um novo modelo de regionalização, reconhecendo a existência de 27 Territórios de Identidade, cuja definição leva em conta critérios sociais, culturais, econômicos e geográficos. O Território, nesse caso, “é conceituado como um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial.” (BAHIA, 2014).

O Recôncavo Baiano constitui a primeira área de exploração no Brasil colonial e sua ocupação, ainda no século XVI, foi marcada pela dizimação dos índios tupinambás, que habitavam a região, para a plantação de cana-de-açúcar. A instalação dos engenhos foi grande atrativo para o povoamento da região com a formação das primeiras vilas. Nesse processo de ocupação e exploração do Recôncavo, destacam-se importantes rios, como o Paraguaçu, Jaguaripe e Jequiriçá, que, além de servirem como vias de acesso para o transporte de mercadorias, foram vias de penetração para o interior (OLIVEIRA, 2002) que deram origem a cidades como Cachoeira, Nazaré, Jaguaripe, dentre outras. Segundo Bomfim (2006), no século XIX, além dessas cidades, o Recôncavo contava ainda com os municípios de Candeias, São Francisco do Conde, Santo Amaro, Maragogipe e Aratuípe.

Para remontar ao início do povoamento do Recôncavo, é válido recorrer à descrição de Mattoso (1992, p. 73):

Acompanhados por famílias, agregados, escravos negros e lavradores livres ou obrigados, os senhores de engenho fixaram-se no Recôncavo em grande número: São Francisco da Barra do Rio Sergipe do Conde foi o primeiro de vários núcleos populacionais que então se formaram em torno de capelas pequenas, isoladas e humildes. Em 1659, o povoado contava com 325 fogos (residências) e 2.724 almas, e catorze engenhos tinham se desenvolvido nos seus arredores. São Francisco do Conde recebeu seu foro em 1693, junto com a vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto de Cachoeira, que prosperara na margem esquerda do Paraguaçu, por onde passava o caminho que ligava Salvador ao Sertão do São Francisco e que servia como centro comercial para os engenhos de açúcar do Iguape e para as plantações de fumo da região de São Gonçalo dos Campos.

A produção açucareira do Recôncavo era sustentada pela servidão de negros e mestiços, uma vez fracassada a tentativa de escravizar os índios, e reforçava o incipiente capitalismo português, fazendo da província da Bahia a mais próspera de toda a América.

Conforme apontado em Andrade (2011), o Recôncavo Baiano, durante o período colonial, destacou-se por sua importância a) econômica, como área de produção e de abastecimento do mercado interno e externo; b) política, dado que sua importante rede flúvio-marítima estabelecia a ligação com a capital e outras importantes áreas da colônia e c) sócio-cultural, graças à influência cultural da população escrava. A

opulência que caracterizou o Recôncavo de outrora e a sua importância como principal fonte da economia baiana durante o período colonial são sintetizados pelo estudioso americano Schwartz (1988, p. 94 e 120 apud ANDRADE, 2011, p. 07):

[...] O Recôncavo conferiu a Salvador sua existência econômica e estimulou a colonização e o desenvolvimento do sertão; seus senhores de engenho dominaram a vida social e política da capitania por toda a sua história. Falar da Bahia era falar do Recôncavo, e este foi sempre sinônimo de engenhos, açúcar e escravos. [...] Por mais de três séculos, o ciclo da safra [da cana] marcou o ritmo da vida no Recôncavo.

Santos (1998, p. 63), referindo-se à importância do Recôncavo Baiano para o desenvolvimento da economia colonial e do Império, destaca as atividades econômicas que davam sustenção ao sistema capitalista da metrópole europeia:

Os solos pobres do cristalino serviram a culturas alimentares, tanto no norte quanto no sul. Os tabuleiros terciários foram o habitat ideal para o fumo. A série Santo Amaro deu o fofo massapê, onde há quatrocentos anos se planta incessantemente a cana-de-açúcar. Esta, aliás, em período de maior procura, desbordou seu limite ecológico e avançou por áreas diferentes, sobretudo as da formação São Sebastião, mas tem recuado, conquanto as usinas continuem guardando essas terras como reserva de lenha para suas fornalhas. Salvador presidia a esse espaço, coordenando as suas funções diretoras.

Embora a cana-de-açúcar tenha sido a base da economia colonial, o Recôncavo concentrou outras importantes lavouras, como o fumo, que empregava mão-de-obra livre e era usado como moeda de troca para a compra de escravos. No sul do Recôncavo, cultivava-se mandioca, café, feijão e milho para subsistência. Em Jaguaripe, destacava-se a produção de piaçava, madeira, dendê e coco, além do desenvolvimento de olarias às margens do rio, que lhe davam destaque econômico durante o século XVIII.

O Recôncavo abastecia as atividades comerciais de Salvador com a produção de açúcar, tabaco, farinha e gêneros de subsistência, mas, no final do século XIX, as alterações políticas e econômicas trazidas pela abolição e pela instalação da república afetaram fortemente o desenvolvimento da região, que “perdeu progressivamente sua antiga importância econômica e política, passando a ocupar uma posição marginal nos processos que então marcariam a vida nacional.” (BRANDÃO, 1998, p. 34).

Com o fim do tráfico internacional em 1850, fortalece-se o tráfico interprovincial, que, na opinião de Barickman (2003, p. 60), teve influência sobre a crise da produção açucareira: “[...] a indústria açucareira entra em depressão, desta vez definitiva, ao menos na Bahia, e se traduz muito naturalmente pela continuada transferência de mão-de-obra, que atinge seu máximo entre 1860 e 1874”.

Entre 1872 e 1897, como resultado da nova dinâmica que começava a existir, o Recôncavo assistiu à formação de onze vilas, dentre as quais a Vila de Santo Antônio de Jesus39

. Erguida em torno de uma capela construída por Padre Matheus Vieira de Azevedo, pároco de Nazaré, município a que pertenceu até 1880, quando foi elevada à categoria de Vila, SAJ ocupa uma área do Recôncavo historicamente caracterizada pelo desenvolvimento de uma economia de subsistência, além do cultivo de fumo e café e da produção de farinha e material de construção, para o abastecimento de Salvador e pequenas exportações (QUADROS, 2009). Em, 30 de junho de 1891, a Vila é elevada à condição de cidade, passando a se chamar Santo Antônio de Jesus, cuja população, de acordo com o recenseamento de 1872, era de 9.654 habitantes, dos quais 4000 eram escravos.

3.2.2 Urbanização, crescimento econômico e modo de vida em Santo Antônio