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5. APORTES METODOLÓGICOS

5.3 A escolha do Problema Matemático Abordado na Pesquisa

O problema surgiu através de um discurso coletivo, emitido por uma comunidade de alunos do curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas de uma faculdade pública do Estado de São Paulo, e que foi percebido pelo autor deste trabalho, também professor da turma. Em tal discurso, ecoava uma inquietação, bem como uma necessidade dos alunos em vislumbrar uma aplicação da Matemática estudada no curso em sua área de formação.

A voz coletiva inquietou o professor, mesmo porque este discurso não ocorreu apenas em uma classe, mas em outras também. Houve uma turma de dependência da Disciplina Cálculo I do curso de Informática com Ênfase em Gestão de Negócios, da mesma faculdade, porém em um campus diferente, em que a inquietação era ainda mais contundente. Nas

primeiras aulas do curso, muitos alunos questionavam a necessidade desta disciplina e de outras até, da área de Matemática, já que não conseguiam associá-las à sua formação profissional.

Este discurso causou um incômodo ao professor – autor desta pesquisa – e levou-o a procurar estratégias apropriadas com a tentativa de modificar a visão que conduzia o aluno a dissociar a Matemática de sua atuação profissional. Na busca pela estratégia adequada, o diálogo entre pesquisador e orientador foi decisivo na construção de uma base teórica que abarcasse o problema percebido.

Dentre os autores estudados, Skovsmose (2007), conforme o capítulo 3 deste trabalho, sugere que a escolha de um problema/aplicação Matemática, deve ser feita levando em consideração não uma realidade de “faz-de-conta”, ou seja, uma irrealidade, mas, ao contrário, o problema escolhido deve fazer parte do quadro teórico e estar contido na realidade dos alunos. Ainda em relação a esse autor, vimos que, em sua visão, o diálogo entre professor e aluno consiste em um dos pontos centrais da Educação Crítica e faz parte de uma atitude democrática, sendo, portanto, fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade democrática. Com isso, deixa claro a fundamental importância do envolvimento do estudante no controle do processo educacional. Pensamento análogo é encontrado em Oliveira (2009), descrito também no capítulo 3.

Borba (2004) faz observações semelhantes sobre a escolha de problemas a serem tratados em sala de aula. O autor trata, por exemplo, da modelagem como uma proposta aberta em que uma seqüência didática é substituída por uma ordem que tem forte influência do interesse dos alunos. Neste contexto, os aprendizes trabalham com temas diversos, escolhidos por eles e negociados com o professor.

Motivado pelos aspectos teóricos citados e percebendo o incômodo em relação ao aprendizado de Matemática, iniciou-se um diálogo com os alunos, colocando assim, o estudante no centro do processo educacional (OLIVEIRA, 2009b; SKOVSMOSE, 2008). Além disso, procurou-se entender suas inquietudes e encontrar conjuntamente um problema que poderia servir aos objetivos da pesquisa.

O problema considerado consiste no Modelo Vetorial para Recuperação de Informações, descrito no capítulo anterior. Este é um problema do interesse dos alunos de informática, pois consiste em uma aplicação direta da Matemática na área de formação desta comunidade/coletivo de alunos, além de ser um problema atual, que não atingiu seu total desenvolvimento, necessitando, portanto, de pessoas que o estudem e o aprimorem. Como

afirma Castells “as novas tecnologias não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos” (CASTELLS, 2009, p. 69).

Outra característica importante do problema escolhido é que ele atende aos critérios subjetivos e objetivos, descritos por Skovsmose (2008) e estabelecidos por este autor como um dos pontos chaves da educação crítica. Embora este assunto já tenha sido tratado em capítulos anteriores, vale recuperar estes critérios e analisá-los em função do problema em tela. São eles:

1. O subjetivo: O problema deve ser concebido como relevante na perspectiva dos estudantes. Além disso, deve ser possível enquadrar e definir o problema em termos próximos das experiências e do quadro teórico do aluno;

2. O objetivo: O problema deve ter uma relação próxima com problemas sociais objetivamente existentes.

Já foi dito que o problema escolhido trata de questões tecnológicas, e portanto, atende ao critério de ser subjetivo, já que os sujeitos da pesquisa são alunos de um curso de informática. Em relação ao critério de ser objetivo, é importante destacar que o assunto abordado tem implicações sociais relevantes. É difícil imaginar alguém que nunca tenha feito uma consulta na Internet com o objetivo de obter alguma informação. Esta última observação corrobora o pensamento dos teóricos tratados nos capítulos 2 e 3. Skovsmose (2008), por exemplo, afirma que não se teria uma sociedade como a atual caso subtraíssemos dela o conhecimento matemático e tecnológico. Castells (2009), como mencionado anteriormente, afirma que a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas, o que é confirmado nas asserções de Lévy (2008b). Novamente, é difícil imaginar uma sociedade que não seja influenciada pelas questões tecnológicas, como foi dito: a técnica está tão associada ao homem que rejeitá-la equivaleria negar o próprio homem.

Essas reflexões sobre as implicações sociais de uma tecnologia possibilitada por algum modelo matemático permearam o diálogo ocorrido durante as aulas, entre professor e alunos e entre os próprios alunos. Com isso, procurou-se ir além do simples estudo de um algoritmo, procurando cultivar o que Skovsmose (2008) chamou de conhecimento reflexivo.

Desenvolveram-se, aqui, argumentos a favor do diálogo, com a justificativa de que ele permeou a construção do trabalho. Citou-se, por exemplo, o diálogo entre pesquisador e orientador na escolha de uma base teórica que suportasse o desenvolvimento da pesquisa, o diálogo entre professor e aluno e entre os próprios alunos com o intuito de entender as

necessidades do coletivo. Com isso, procurou-se colocar em prática o que Skovsmose (2008) denominou de argumento pedagógico relacionado à conjunção de Matemática e democracia. Para o autor:

As possibilidades de exercício dos deveres e direitos democráticos não estão apenas relacionadas às estruturas democráticas formais institucionalizadas, mas também a uma atitude democrática individualmente consolidada. Ações democráticas de nível macro devem ser antecipadas no nível micro. Isso quer dizer que não podemos esperar o desenvolvimento de uma atitude democrática se o sistema escolar não contiver atividades democráticas como principal elemento. Se queremos desenvolver uma atitude democrática pela Educação Matemática, os rituais dessa educação não podem conter aspectos fundamentalmente não-democráticos. O diálogo entre professor e estudantes tem um papel importante. (SKOVSMOSE, 2008, p. 46)

Ainda em relação à escolha do problema, em sintonia com o pensamento de Lévy (2008b), os mecanismos de recuperação de informações, ou sistemas de buscas, constituem-se em artefatos técnicos, desenvolvidos com base em modelos matemáticos, e contribuem para estruturar o funcionamento da sociedade, sendo, portanto, na ótica do pensador francês, atores em uma coletividade que já não se pode dizer puramente humana (conforme já discutido no capítulo 2).

Foi descrito, também, no capítulo dois que Levy (2010) rompe com a dicotomia entre homem e técnica: mais especificamente, o autor fala sobre as tecnologias como extensão da mente e do corpo humano, havendo, portanto, em sua visão, uma interação direta entre estes elementos. Assevera o mesmo escritor, ainda, que a memória humana é limitada e ao falar sobre isso, declara explicitamente a importância de equipamentos de armazenamento e recuperação de informações, visto que estes atuam não de forma separada, mas conjunta à mente humana, aumentando sua capacidade.

Outro ponto relativo à escolha do problema escora-se em outras asserções de Levy (2008b). Ao dissertar sobre cibercultura, esse autor declara que o movimento afeta diversas áreas da sociedade, com destaque à educação, pois as tecnologias intelectuais que acompanham a cibercultura favorecem novas formas de acesso à informação: navegação por hiperdocumentos, caça a informações através de mecanismos de pesquisa, knowbots ou agentes de software e exploração contextual através de mapas dinâmicos de dados. Com isso, o pensador francês classifica os mecanismos de busca como uma tecnologia intelectual, possuindo, portanto, implicações sociais e educacionais motivadoras quanto à escolha do tema desta pesquisa.

Entende-se ainda, como Lévy (2010), a comunidade de alunos como um coletivo pensante, constituinte de uma inteligência coletiva, da qual emanou a necessidade de novos

conhecimentos. A voz coletiva, ao contrário da voz do sujeito isolado, possui maior apelo, e surgiu dotada de maior poder de mobilização, o que levou ao desenvolvimento deste trabalho.