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A ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA STRICTO SENSU

2 O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO, A NORMA JURÍDICA E NOÇÕES

2.5 A ESTRUTURA DA NORMA JURÍDICA STRICTO SENSU

Vimos que a norma jurídica stricto sensu é imaterial, construída intelectualmente pelo intérprete credenciado, por sua mente, como resultado da compreensão dos enunciados prescritivos. Difere-se, porém, das significações isoladas, por estar estruturada na forma hipotético-condicional.

A forma hipotético-condicional é a estrutura mínima necessária para construir um sentido deôntico – é por isso que se diz que a norma jurídica é a expressão irredutível do deôntico. Trata-se do mínimo necessário para transmitir uma mensagem jurídica implicacional de forma bem-sucedida.

A norma jurídica é, assim, formada por uma proposição antecedente, descritiva de possível evento do mundo social, implicando uma proposição consequente, de natureza relacional. Eis a bimembridade normativa, que pode ser estruturada logicamente como D (p à q), em que:

p: é o antecedente normativo – descritor de uma situação fática de possível

ocorrência74;

q: é o consequente normativo – prescritor de critérios para que se formem as

relações entre sujeitos75;

D: functor deôntico não modalizado, interproposicional, incidente sobre as

proposições jurídicas para indicar a sua pertença ao mundo do dever ser; à: conectivo implicacional, que vincula a proposição-antecedente com a proposição-consequente.

Significa tal estrutura: se acontecer um fato “p”, então deve ser a consequência “q”.

Dessa forma, o antecedente normativo (ou hipótese) opera como seletor de acontecimentos sociais, para que sobre aqueles que lhe interessam, incida a consequência normativa. Apesar de descrever uma situação fática de possível ocorrência, não devemos enquadrá-lo no mundo do ser (sistema nomoempírico

74 A seguir, verificaremos que o antecedente normativo também pode descrever fatos ocorridos, no

caso de normas concretas. Por hora, nos ateremos às normas abstratas para entender a estrutura lógica da norma.

75 Posteriormente, veremos que uma relação jurídica propriamente dita só se verifica diante da

chamada norma individual; caso contrário, estabelece-se uma norma geral com apenas os critérios de uma potencial relação.

descritivo). Isso porque se trata de descritor, mas sem valor veritativo, quer dizer, verificado o fato jurídico no mundo físico ou não, o antecedente não se torna verdadeiro ou falso – permanece válido, desde que no interior do sistema positivo.76 É justamente essa confusão que a constante lógica “D” busca evitar ao envolver todas as demais constantes na estrutura sintático-normativa, indicando a função prescritiva da proposição completa (hipótese + tese): D (p à q). “D”, portanto, em conjunto com o conectivo implicacional “à” significam: deve ser a implicação entre hipótese e tese.

Ainda sobre a hipótese normativa, ressalte-se que ela se assenta no modo ontológico da possibilidade. Sobre o assunto, ensina Paulo de Barros Carvalho: “Se a hipótese fizer a previsão de fato impossível, a consequência que prescreve uma relação deôntica entre dois ou mais sujeitos, nunca se instalará, não podendo a regra ter eficácia social”.77 Sendo a previsão impossível, teríamos uma proposição sem sentido deôntico, ainda que organizada sintaticamente.

Paralelamente, o consequente normativo (ou tese) é proposição prescritiva: prescreve condutas intersubjetivas. Tem-se uma função relacional, que abrange sujeitos de direito em torno de uma conduta proibida (V), permitida (P) ou obrigatória (O), possuindo a seguinte estrutura interna: S’RS”, em que R representa o functor deôntico modalizado e S’ e S” são os sujeitos de direito – um sujeito ativo, titular de direito subjetivo de exigir certa prestação e um sujeito passivo, que tem o dever jurídico de cumprir a exigência do pretensor. Esquematizando:

76 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4ª ed. São Paulo:

Noeses, 2010; p. 141.

77 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2ª ed. São Paulo: Noeses,

2008; p. 132.

Direito subjetivo Dever jurídico

Verifica-se que o conceito de direito contrapõe-se ao de dever, de modo que a tese normativa, por ser relacional, não prevê um direito subjetivo em exigir uma certa conduta sem o correspondente dever jurídico de cumpri-la.

Portanto, infere-se que a relação prevista na tese normativa é irreflexiva e assimétrica. Irreflexiva porque os sujeitos de direito são distintos (S’ e S”), afinal não faz sentido que S’ tenha um direito e um dever em face dele mesmo (não se pode relacionar-se consigo mesmo). Assimétrica porque a relação de S’ com S” não é a mesma da relação recíproca: Se S’ é contribuinte de um imposto devido a S”, S” é detentor do direito de exigir o imposto a S’ e S’ tem o dever de pagá-lo a S”, e, paralelamente, S’ tem o direito de impugnar o crédito administrativamente ao passo que S” tem o dever de não exigir crédito tributário que esteja suspenso, circunstância que permite dizer que para cada relação implicacional há uma ou mais relações conversas, sendo que S’ e S” têm, em cada uma dessas relações, direitos e deveres recíprocos. Em outros termos, uma relação assimétrica subsiste nos casos em que “quando A tem direito subjetivo, correspectivamente, B tem dever jurídico; quando A tem dever jurídico, B tem, correlatamente, direito subjetivo”78, não

havendo transposição dos termos referente e relato79.

Outrossim, diferente do functor deôntico neutro, que vincula duas proposições, o functor deôntico modalizado do consequente é intraproposicional, estabelecendo uma relação jurídica entre os sujeitos, que pode implicar em condutas obrigatórias, permitidas ou proibidas.80 A consequência normativa, assim, enseja efeitos jurídicos às partes envolvidas, tendo em vista a ocorrência do fato descrito no antecedente. Ademais, acrescenta Vilanova

Na implicação entre H e C, H é condição suficiente de C, porém não é condição necessária. A consequência C pode ter outros antecedentes, H’,

H”, H’”, cada um, por si, bastante, para acarretar C. São, pois,

possibilidades combinatórias válidas: a) H implica C; b) não-H implica não-

78 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista do

Tribunais, 2000; p. 185 e 186.

79 Lourival Vilanova, ao escrever sobre a teoria geral das relações pondera que as relações jurídicas

são estruturas formais compostas de termo antecedente (ou termo referente), de um termo consequente (ou termo relato) e de um operador relacionante. (VILANOVA, Lourival. Causalidade e

relação no direito. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2000; p. 116 e 117).

80 Assim como no antecedente, a modalização das condutas interpessoais deve estar dentro dos

C; c) não-H implica C. Exclui-se a combinação “H implica não-C” como

logicamente impossível.81

A fórmula sintática da norma jurídica pode, então, ser destrinchada a fim de envolver os elementos que compõem o consequente. Assim, substituindo-se as constantes “p” por “H” (hipótese), e “q” por “C” (consequente), teremos: D (HàC) ou D [H à R (S’ S”)].

2.5.1 Homogeneidade sintática e heterogeneidade semântica e pragmática

As normas jurídicas são sintaticamente homogêneas pelo fato de obedecerem sempre à estrutura lógico-sintática de um juízo hipotético-condicional – D (H à C) –, independentemente do conteúdo significativo construído a partir dela. A homogeneidade sintática, assim, é uma consequência do caráter sistêmico do direito positivo: o critério de pertinencialidade, que confere unidade ao sistema, só admite o ingresso de elementos que possam ser estruturados daquela forma.

Contudo, a diversidade de conteúdos sobre os quais podem versar as normas jurídicas traz a heterogeneidade semântica das normas jurídicas. Igualmente, pelo fato de existirem infinitas possibilidades de aplicação de uma norma para diferentes casos fáticos, há uma heterogeneidade também pragmática.

O aspecto heterogêneo é evidente diante da possibilidade de um mesmo enunciado levar intérpretes e aplicadores do direito a construir significações (normas jurídicas) distintas; afinal, norma é interpretação.

Ao dissertar sobre o assunto, Eurico Marcos Diniz de Santi pontua que a criação de normas jurídicas tem dois limites ontológicos: um de ordem sintática, e outro semântica82. O limite sintático (formal) seria justamente a estrutura lógica normativa,

que lhes confere homogeneidade. Já o limite semântico (material) consistiria no fato de as normas jurídicas, necessariamente, incidirem sobre o suporte factualmente possível, pois prescrever o factualmente impossível geraria um sem-sentido

81 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista do

Tribunais, 2000; p. 88.

82 SANTI, Eurico Marcos Diniz. Lançamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1999; p. 39-

deôntico, como já salientamos. Portanto, ainda que caracterizadas pela heterogeneidade semântica, há esse limite ontológico.