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O CONCEITO DE NORMA JURÍDICA (LATO SENSU E STRICTO

2 O SISTEMA DO DIREITO POSITIVO, A NORMA JURÍDICA E NOÇÕES

2.4 O CONCEITO DE NORMA JURÍDICA (LATO SENSU E STRICTO

sociais, por si só, não geram efeitos jurídicos; apenas se ingressarem no mundo jurídico pelo antecedente normativo, revestindo-se de jurisdicidade e implicando consequências jurídicas.

Norma jurídica é uma expressão linguística que, como a maioria, reveste-se de

ambiguidade, é polissêmica. Cabe a nós, cientistas, buscar defini-la com a maior precisão possível, mitigando-se eventuais dúvidas semânticas. Para tanto, tomar-se- á como ponto de partida o modelo de construção de sentido do direito positivo esquematizado por Paulo de Barros Carvalho67, que se apresenta em 4 planos: (i) S1 – plano físico, dos enunciados prescritivos como suporte físico; (ii) S2 – plano das significações dos enunciados prescritivos, isoladamente consideradas; (iii) S3 – plano das significações normativas estruturadas de forma implicacional, com sentido deôntico hipotético-condicional; (iv) S4 – plano da contextualização das significações estruturadas por vínculos de coordenação e subordinação, formando o sistema de direito positivo unitário.

Eis um percurso gerador de sentido: o intérprete, a partir da leitura dos enunciados prescritivos (S1), atribui valores unitários aos vários signos justapostos, compondo significações isoladas (S2), produz unidades completas de sentido, isto é, juízos hipotéticos condicionais (S3), organiza as normas jurídicas numa estrutura escalonada de subordinação e coordenação (S4).

As normas jurídicas lato sensu estão enquadradas nos planos S1 e S2, uma vez que consistem nos textos das leis, incluindo-se seus artigos, parágrafos, incisos, alíneas. São suportes físicos, meros enunciados prescritivos, expressões frásicas dotadas de sentido isolado, mas sem formar uma unidade completa de significação deôntica.

66 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4ª ed. São Paulo:

Noeses, 2010; p. 141.

67 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012; p. 80-

Para nos referirmos a essa categoria, usamos também as expressões enunciados,

regras, texto legal, texto constitucional.

Já as normas jurídicas stricto sensu ou apenas normas jurídicas, referem-se à composição articulada das significações, isto é, à formação de unidades de sentido deôntico-jurídicas, estruturadas em uma implicação hipotético-condicional (p à q), resultado da interpretação. Aqui, cingimo-nos aos planos S3 e S4.

Quando falamos que o sistema do direito positivo é um conjunto de normas jurídicas válidas em dado espaço e tempo, fizemos questão de ressaltar que ali estávamos utilizando a expressão em seu sentido amplo, gênero cuja espécie é o conjunto de normas deonticamente estruturadas no ordenamento (S3 e S4). Estas, porém, para se formarem, requerem a existência do enunciado (S1) e da construção de proposições como significações isoladas (S2).

Expostas as distinções entre norma jurídica como gênero e espécie, deve-se esclarecer que enunciado prescritivo não se confunde com a norma jurídica: aquele é o suporte físico; esta é a significação construída por ele. É por isso que, para a construção de uma só norma jurídica, podemos usar mais de um enunciado, ou com base em um só enunciado, podemos construir várias normas jurídicas. Há, ainda, a possibilidade de normas serem construídas com base em enunciados implícitos, obtidos por derivação lógica de enunciados expressos68.

Sintetizando, nas palavras de Tárek Moussallem:

[...] o enunciado prescritivo é a estrutura sintático-gramatical, enquanto a

norma jurídica é a estrutura lógico-sintática de significação. A norma jurídica

é o arquétipo lógico obtido pela formalização do direito positivo.69

É neste contexto que Eros Roberto Grau ensina que o direito positivo não é autográfico (obra completada pelo autor, no caso, lei completada pelo legislador), mas alográfico, o que quer dizer que “a completude do texto somente é atingida quando o sentido por ele expressado é produzido, como nova forma de expressão,

68 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2ª ed. São Paulo: Noeses,

2008; p. 180

69 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2005; p.

pelo intérprete”70. Por requererem a atribuição de sentido, as normas jurídicas stricto

sensu resultam da interpretação, sendo esta o “processo intelectivo através do qual,

partindo de fórmulas linguísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo”71.

O legislador e o constituinte produzem enunciados prescritivos, textos legais ou constitucionais (norma jurídica lato sensu) e não a norma propriamente dita (stricto

sensu) ou a moldura dentro da qual se situam as interpretações devidas72. Isso porque o intérprete não declara um significado preexistente do texto, mas (re)constrói os sentidos, exercendo a chamada atividade criativa. Afinal, os significados são atribuídos por meio da linguagem, que, como já vimos, forma versões sobre a realidade.

Ressalte-se, contudo, que não basta interpretar o enunciado prescritivo para criar norma: é preciso ser autoridade competente, isto é, órgão credenciado pelo próprio sistema do direito positivo apto a produzir normas. Por tal razão, a Ciência do Direito não cria normas jurídicas, mas tão somente proposições jurídicas descritivas, por meio da interpretação dos enunciados prescritivos. Nesse teor, a interpretação, como estabelecimento de sentidos aos enunciados prescritivos, foi diferenciada por Kelsen73 da seguinte maneira: (i) interpretação autêntica, realizada pelo órgão credenciado para a aplicação do direito positivo, por meio da qual cria-se o direito; (ii) interpretação não autêntica, feita por aqueles destituídos da função de aplicar o direito, como o cientista do direito, emitindo-se meras proposições sobre o objeto de estudos.

70 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2006; p. 30.

71 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2006; p. 30. Já na lição de Paulo de Barros Carvalho, “interpretar é atribuir valores aos símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências a objetos” (Direito

tributário, linguagem e método. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2008; p. 180).

72 Cf. ADEODATO, João Maurício. A retórica constitucional: sobre a tolerância, direitos humanos e

outros fundamentos éticos do direito positivo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010; p. 202.

73 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. de João Baptista Machado. 7ª ed. São Paulo: Martins