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O signo ação no ordenamento jurídico brasileiro

3 ESTABELECENDO ALGUNS CONCEITOS: AÇÃO E CONDIÇÃO DA

3.2 A POLISSEMIA QUE REGE O SIGNO AÇÃO

3.2.4 O signo ação no ordenamento jurídico brasileiro

Vimos que o conceito de ação é mutável no tempo, devendo ser buscado no ordenamento vigente possíveis significados. “Dessa maneira, se há uma resposta correta e perene para a pergunta ‘o que é a ação?’, essa resposta é: ‘ação é aquilo que o direito positivo quer que ela seja’.”162 Ocorre que o sistema positivo acaba por utilizar o vocábulo ação em vários significados, motivo pelo qual procuramos definir dois conceitos de ação (ação-norma abstrata e geral e ação-norma concreta e individual), diferenciando-os dos conceitos de processo e mérito.

Neste momento, a fim de evidenciar a imprecisão linguística do próprio diploma processual atual, tentaremos enquadrar os conceitos de ação analisados em alguns dos casos em que a palavra ação aparece no Código de Processo Civil.

Começaremos pelas classificações da ação: “ação meramente declaratória” (art. 20 do CPC), “ação de consignação em pagamento” (art. 539, §3º do CPC), “ação de alimentos” (parágrafo único do art. 693 do CPC), “ação de reparação de dano” (art. 53, III, f; IV, a; V do CPC). Ação aí assume a acepção de pedido de tutela final, portanto, o pedido163 ou bem da vida requerido pela parte será a declaração de (in)existência de uma relação jurídica, a consignação em pagamento, os alimentos, a reparação pelo Estado-juiz164. Basta substituir a palavra ação por pedido final para demonstrar que essa qualificação corresponde ao mérito (especificamente ao

mérito-pedido, a ser estudado) permitido pela ação-norma concreta e individual –

cuja finalidade sempre é a mesma: a obtenção de uma tutela jurisdicional –, sendo que o pedido de tutela final indica a modalidade de sanção-coerção principal

162 PRIA, Rodrigo Dalla. Teoria geral do processo tributário. Dissertação de Mestrado em Direito

Tributário. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2010; p. 84.

163 A doutrina separa o pedido em duas modalidades: pedido imediato, que é a forma da tutela

jurisdicional, se declaratória, constitutiva ou condenatória; e pedido mediato, que refere-se ao bem da vida requerido.

164 Vale destacar que, apesar de o Código de Processo Civil utilizar tais nomenclaturas, o sujeito ativo

pode nomear equivocadamente a ação que manejou, sem que isso afete a apreciação jurisdicional do seu pedido. É o caso de uma ação nomeada “ação de obrigação de fazer” e o pedido da ação-norma concreta e individual ser “obrigação de pagar”. Isso é uma evidência de que o nome dado ao instrumento difere-se de seu conteúdo, isto é, do conteúdo da ação-norma concreta e individual cujo pedido foi uma obrigação de pagar. Deve, portanto, a essência prevalecer sobre a forma.

requerida ao Judiciário. Assim, é certo que o pedido final é uma das faces da ação- norma concreta e individual: o sujeito ativo, ao exercer o seu direito de ação, formulará um (ou vários) pedido(s) direcionado(s) ao Estado-juiz; todavia, a ação- norma concreta e individual vai além do mérito, existindo independentemente deste.

A locução ação proposta, por sua vez, constante no caput do artigo 24, nos artigos 50, 92 e 312, todos do CPC, dentre outros, refere-se à ação-norma concreta e individual, no que tange ao momento de instauração da ação pelo sujeito ativo por meio da petição inicial. Vejamos:

CPC (Lei 13.105/15)

Art. 24: A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil. […]

Art. 50: A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente.

Art. 92: Quando, a requerimento do réu, o juiz proferir sentença sem resolver o mérito, o autor não poderá propor novamente a ação sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários a que foi condenado. Art. 312: Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado.

A expressão julgamento da ação, presente no caput do artigo 25, mais uma vez implica o significado de ação-concreta e individual, que deve ser julgada pelo Estado-juiz quando ele for competente para tanto (limitação do dever de jurisdição brasileiro).

CPC (Lei 13.105/15)

Art. 25: Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.

O artigo 55 regulamenta a conexão de ações, dispondo o caput in verbis: “Reputam- se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir”. É o mérito trazido pela petição inicial que é conexo ou não, isto é, o seu conteúdo (pedido e causa de pedir) é que será comum ou não. Somente o mérito- pedido corresponde à ação-norma concreta e individual, de modo que o significado de ação, nesse artigo, vai além do conceito ação-norma concreta e individual. Em seguida, o §1º do mesmo dispositivo prevê que “os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta”. Temos aí a determinação de apensamento

dos autos físicos diante da constatação de identidade entre os elementos das ações- normas concretas e individuais.

O diploma processual também usa o termo ação para referir-se ao suporte físico da ação-norma concreta e individual, isto é, aos autos, como ocorre com o uso da expressão ação autônoma nos §1º e §2º do artigo 125, ao pretender indicar que o exercício do direito de ação deverá (O) se dar em autos apartados, isto é, em instrumentos físicos distintos. Assim:

CPC (Lei 13.105/15)

Art. 125: É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: […]

§ 1o O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

§ 2o Admite-se uma única denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial ou quem seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denunciado sucessivo promover nova denunciação, hipótese em que eventual direito de regresso será exercido por ação autônoma.

Por outro lado, desistir da ação e renunciar à ação (art. 122; art. 485, VIII; art. 487, II,

c; art. 343, §2º, dentre outros) são termos que remetem à ação-norma concreta e

individual, pois haverá a desistência do exercício do direito de ação já iniciado pelo autor. Para contextualização, transcrevemos:

CPC (Lei 13.105/15)

Art. 122: A assistência simples não obsta a que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação, renuncie ao direito sobre o que se funda a ação ou transija sobre direitos controvertidos.

Art. 485.: O juiz não resolverá o mérito quando: […] VIII - homologar a desistência da ação;

Art. 487: Haverá resolução de mérito quando o juiz:[…] III - homologar: […]

c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

Art. 343: […] § 2o A desistência da ação ou a ocorrência de causa extintiva que impeça o exame de seu mérito não obsta ao prosseguimento do processo quanto à reconvenção.

Outrossim, a ideia de ação-norma abstrata e geral, mitigada na lei processual civil, aparece no contexto constitucional, ao interpretar-se o enunciado do art. 5º, XXXV da CF, o qual prescreve que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Nota-se que o vocábulo ação não aparece, mas o enunciado traz o significado da por nós denominada ação-norma abstrata e geral.

Esses poucos exemplos são suficientes para notar a imprecisão linguística legislativa. Inclusive, existem dispositivos que usam o termo ação em nenhum dos sentidos por nós atribuídos; é o caso do artigo 876, §7º a seguir:

CPC (Lei 13.105/15)

Art. 876: § 7o No caso de penhora de quota social ou de ação de sociedade anônima fechada realizada em favor de exequente alheio à sociedade, esta será intimada, ficando responsável por informar aos sócios a ocorrência da penhora, assegurando-se a estes a preferência.

Nesse caso, ação significa a parcela em que se divide o capital de uma sociedade anônima, concepção que será deixada de lado para fins do presente estudo.