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A estrutura eventiva e a estrutura de moldagem eventiva

Quadro teórico de concepção de genolexia: proposta do modelo de RFPs em interfaces

7. A estrutura eventiva e a estrutura de moldagem eventiva

Após havermos dedicado a secção anterior aos conceitos de ‘Evento’, ‘estrutura eventiva’ e ‘estrutura argumental’, focaremos nesta secção a distinção entre ‘estrutura eventiva’ e ‘estrutura de moldagem eventiva’. Esta última é introduzida por nós neste trabalho como um nível de interface entre a organização semântica e a morfologia derivacional. Como veremos no cap. VI, a estrutura de moldagem eventiva é responsável pela distinção semântica eventiva entre as diferentes sufixações nominalizadoras deverbais.

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que a localização da estrutura eventiva diverge da localização da estrutura de moldagem eventiva. Na secção anterior, estipulámos que reservamos a estrutura eventiva para os parâmetros definidores de evento situáveis ao nível lexical. Ou seja, a estrutura eventiva é uma estrutura que não está dependente da volubilidade co-textual e, por isso, não apresenta variações de acordo com a manifestação do item lexical em sintaxe.

Em consequência, como veremos no cap. IV., § 1.3, optamos por rejeitar classes eventivas tradicionais, como as de Vendler (1967). Estas apresentam a desvantagem de suscitarem ligação à estrutura eventiva. Outra desvantagem reside no carácter de bloco rigidamente constituído dessas classes. Esse carácter revela-se inadequado, porque não- pertinente, ao modelo de coindexação de traços por nós apresentado para a construção das significações dos deverbais.

O facto de alguns traços definidores de Evento serem coincidentes com traços usados para a descrição da estrutura aspectual não é sinónimo de contradição na nossa estipulação. Na verdade, por um lado, o mesmo significado pode ser veiculado por diferentes estruturas, em interacção com níveis diferentes que, consequentemente,

ocasionam semânticas estruturalmente diversas. Por outro lado, o próprio carácter indirecto dos conceitos conduz à dificuldade na sua expressão. Assim, assumimos que o emprego que fazemos da mesma nomenclatura de traços referentes à estrutura eventiva e à estrutura aspectual é perfeitamente viável, dada a independência das duas estruturas originada pela diferença de níveis de actuação dos conceitos.

Regressando à divergência da localização da estrutura eventiva e da estrutura de moldagem eventiva, já observámos que a primeira se localiza no domínio lexical. Na construção de um substantivo deverbal, a estrutura eventiva está situada no campo da base verbal, enquanto componente semântico do seu significado. A estrutura de moldagem eventiva não se localiza no campo da base verbal, mas provém antes do campo do afixo derivacional, no que se refere especificamente ao componente de ‘moldagem’.

A estrutura de moldagem eventiva revela-se, pois, como uma estrutura que advém da interface da estrutura semântica com a morfologia derivacional e que se manifesta no resultado semântico do produto. Assim, a estrutura de moldagem eventiva advém dos componentes afixais quando em contacto com os componentes da estrutura eventiva de base verbal. Mesmo no caso em que a base verbal possui estrutura de moldagem eventiva, esta advém de estruturas afixais, como é o caso de verbos sufixados em -iz-. Assim, como apenas os verbos afixados ostentam estrutura de moldagem eventiva, é possível manter que esta advém da morfologia derivacional.

Mas localizar-se-á a estrutura de moldagem eventiva nos afixos? É a estrutura de moldagem eventiva coincidente ontologicamente com os traços semânticos dos afixos? A resposta é negativa para as duas questões. Em primeiro lugar, se a estrutura de moldagem eventiva coincidisse ontologicamente com os traços semânticos dos afixos e, logo, se se localizasse nos afixos, os afixos que detivessem esta estrutura serviriam somente para produzir semantismos de ‘Evento’. Ora, o modelo que defendemos de interface de afixos explica que o mesmo afixo possa operar em RFPs distintas e, consequentemente, construir lexemas de semantismos diferentes. Por exemplo, o sufixo -ão produz designações de ‘evento’, mas também de ‘causa’ e de aumentativos isocategoriais.

Em segundo lugar, o factor ‘eventivo’ advém da base verbal e não do afixo. Assim, a estrutura de moldagem eventiva emerge no produto, como consequência da combinação entre a estrutura eventiva da base verbal e o tipo de traço semântico oriundo do afixo. Como tal, a estrutura de moldagem eventiva é inerentemente construída genolexicalmente e é inerentemente uma estrutura de interface. Em segundo lugar, aquilo que prevemos para o

afixo é um traço semântico. Ora, um traço semântico não perfaz uma estrutura do nível daquela que aqui estamos a descrever. Uma estrutura é um nível organizacional e não um traço isolado, ainda que um traço seja um complexo e não um primitivo. Cabe ao afixo a tarefa de moldagem da componente eventiva oriunda da base verbal.

A moldagem da componente eventiva está dependente do traço semântico carregado pelo afixo. É a conjugação dos dois factores semânticos - a moldagem protagonizada pelo traço semântico do afixo e a eventividade fornecida pela base verbal - que é emergente no semantismo do produto genolexical. O que observaremos neste trabalho é que a distinção semântica entre os produtos deverbais das diferentes afixações se rege em primeiro lugar por matizes semânticos. Estes matizes não podem ser confundidos com a classificação em tipos de eventos nem na protagonização de traços de evento, nem na medição em termos de espaço de tempo de ocorrência do evento.

A semântica que é aportada pelo traço do afixo e que, combinada com a semântica eventiva da base verbal, resulta no produto em moldagem eventiva pode ser caracterizada como uma estrutura. O estatuto de estrutura advém-lhe do carácter genolexicalmente construído e com implicações gramaticais a nível da morfologia derivacional. Não se trata, assim, de simples matiz semântico sem enraização organizacional. Não se trata de matiz semântico advindo de variação co-textual, mas de um nível obtido através da activação de interfaces de outros níveis organizacionais.

Como definir a estrutura de moldagem eventiva? Sem querermos entrar em detalhes empíricos, dado que esses se encontram explicitados nos cap.V e VI, caracterizaremos a estrutura em análise como a aportação da configuração do Evento sob um determinado molde ou forma. Nesta estruturação, o que é revelado não é a medição/localização do evento no tempo (estrutura eventiva), mas sim a configuração que se dá ao evento.

Por exemplo, o verbo lavar é um verbo eventivamente durativo com ponto de chegada. Os vários deverbais de evento que são construídos a partir deste verbo ostentam variações na configuração desse Evento, de modo alheio à sua estrutura eventiva. Deste modo, lavação oferece o evento como ontologicamente unitário e efectuado. Lavagem oferece o evento como constituído por diferentes operações e com ponto de chegada.

Lavadura apenas identifica ou referencializa o Evento.

Os mesmos tipos de moldagens ocorrem em relação a bases eventivas opostas à de

lavar. Por exemplo, o verbo morder é eventivamente pontual. Dele são formados mordimento e mordedura. Mordimento configura o evento como estando em

processamento; mordedura configura o mesmo evento na sua identificação. Observe-se que a afixação nominalizadora não tem a seu cargo a informação da estrutura eventiva. Se assim fosse, seria de esperar que bases eventivamente durativas sofressem sufixação mais próxima desse carácter, como -mento que configura o evento no seu ‘processamento’. Por sua vez, bases eventivamente pontuais deveriam sofrer sufixação também de carácter mais próximo do pontual, como -dura que aporta semantismo de ‘referencialização’ e -ção que aporta semantismo de ‘efectuação’.122

O facto de não se assistir a essa correlação demonstra que os semantismos veiculados a evento através da afixação em análise não se localizam no domínio da estrutura eventiva, mas no campo da outra estrutura que trabalha com Evento. A estrutura de moldagem eventiva não funciona simetricamente com a estrutura eventiva, nem positiva nem negativamente. Ou seja, a estrutura de moldagem eventiva não é mera transferência nominal da estrutura eventiva das bases verbais. Aliás, a estrutura eventiva existe também em substantivos quer básicos, quer derivados, pelo que não poderia ser agora tida como domínio verbal, para que a estrutura de moldagem eventiva fosse o seu reflexo nominal.

Por outro lado, a estrutura de moldagem eventiva também não funciona como inversão da estrutura eventiva. Por havermos assinalado que bases eventivamente pontuais podem sofrer afixação de estrutura de moldagem de ‘processamento’ ou que bases verbais eventivamente durativas podem sofrer afixação atidas a semantismos de ‘evento ontologicamente unitário efectuado’, não estamos a dizer que a estrutura de moldagem eventiva tem como função inverter negativamente o tipo eventivo da base. Se tal fosse, não recorreríamos a nomenclaturas distintas entre os traços de uma e de outra estrutura.

Para além disso, a multiplicidade de afixações para a mesma base verbal comprova que a estrutura de moldagem eventiva não age negativamente como inversão da estrutura eventiva: uma base verbal pontual pode ser objecto de afixação com semantismo próximo. Veja-se, e.g., tropeçar > tropeção, em que a base é eventivamente ‘pontual’ e o derivado moldado como ‘súbito’. Observe-se ainda envelhecer > envelhecimento, em que a base é eventivamente ‘durativa’ e o deverbal com moldagem ‘processual’. A estrutura de moldagem eventiva pode oferecer ao deverbal semantismo próximo ou em acordo com aquele proveniente da estrutura eventiva do verbo ou semantismo afastado deste.

122 Não dilucidaremos neste capítulo estes semantismos da moldagem eventiva, visto serem apresentados e

Por último, que a estrutura de moldagem eventiva não mostra o tipo eventivo do evento, mas antes a sua configuração, é demonstrado por sufixações como -dura, cujo semantismo não pode ser reduzido à de medição/localização do evento no tempo.

Um exemplo co-textual providenciará uma mais clara ilustração da estrutura de moldagem eventiva proporcionada por este sufixo.

Observemos o seguinte diálogo entre Henrique e Madalena, em A Morgadinha dos

Canaviais de Júlio Dinis (pág. 285):

«- Sejamos francos. A prima deve confessar que a minha presença aqui foi um desagradável contratempo. Uma certa altivez e consciência de invulnerabilidade, de que tinha o incómodo de se revestir sempre que tratava comigo, depois desta importuna ocorrência, terá de se modificar.

- Não havia dado por essa...revestidura123 que diz; mas, se ela existiu, far-me-á o favor de dizer: porque não pode continuar?»

O deverbal revestidura é aqui empregado como formatação da referencialização do evento. Henrique acusa Madalena de se revestir de uma certa altivez e consciência de invulnerabilidade. Madalena retoma o delito de que é acusada através da sua

referencialização. Com o deverbal revestidura Madalena aponta, identificando, o evento semântico-referencial, circunscrevendo-o referencialmente e não temporalmente.

Revestidura não indica se o evento é homogéneo ou heterogéneo ontológica ou

temporalmente; apenas o identifica, segmentando-o semântico-referencialmente de outros eventos.

Por hipótese absurda, a possibilidade de ocorrer sufixação vária a partir da mesma base verbal poderia ser explicada através da variação aspectual, ou seja, da variação co- textual na perspectivação do evento. Por exemplo, a distinção entre tiragem, tiramento e

tiração poderia partir do aproveitamento distinto das estruturas aspectuais de tirar. A partir

de uma estrutura aspectual exemplificada por um enunciado como O João tirou três maçãs

da fruteira, em que há triplicação do evento, ocorreria, por hipótese, o deverbal tiragem,

cujo afixo -agem possui semantismo de ‘operações diferentes’. A partir de uma estrutura aspectual exemplificada por O João demorou três horas a tirar as maçãs das caixas, ocorreria o deverbal tiramento, cujo sufixo contém o semantismo de ‘processamento’. A partir da estrutura aspectual exemplificada por O João tirou a maçã da fruteira, ocorreria o

deverbal tiração, cujo sufixo carrega semantismo de ‘efectuação do evento ontologicamente unitário’.

Várias razões obstaculizam essa explicação. Em primeiro lugar, uma razão de ordem teórica: se estipulamos que a genolexia não ocorre na sintaxe e que a estrutura aspectual decorre da sintaxe, estaríamos a imiscuir níveis e a enraizar um processo lexical em processos sintácticos posteriores a que não têm acesso. Em segundo lugar, dados empíricos demonstram a falibilidade de tal hipótese: um deverbal em -agem como

aterragem não resulta da nominalização da multiplicidade de um evento como em o avião aterrou três vezes em Heathrow. Na verdade, aterragem corresponde a um evento não

multiplicado (o avião aterrou às 15 h em Heathrow/ a aterragem do avião ocorreu às 15 h

em Heathrow).124

Tropeçamento não poderia ocorrer devido à impossibilidade de tornar

aspectualmente durável um evento pontual como tropeçar. Enunciados como A Maria

tropeçou três vezes/A Maria passa a vida a tropeçar não mostram que tropeçar seja

durativo, mas antes a multiplicação do evento. Tal estaria de acordo com um deverbal como *tropeçaria, que é agramatical.

Por último, as variações aspectuais não estariam de acordo com a sufixação em -

dura, já que a ‘referencialização’ que caracteriza a moldagem proporcionada por este afixo

não encontra ponto de equiparação na estrutura aspectual.

Por outro lado, também não existe correlação entre a estrutura eventiva e a estrutura de moldagem eventiva. O tipo de estrutura eventiva não funciona como constrangimento ao tipo de estrutura de moldagem eventiva. O que se deduz da análise do corpus que construímos como objecto empírico deste trabalho é que a estrutura de moldagem eventiva é constrangida por semantismos do mesmo nível, ou seja, de semantismos provenientes da estrutura de moldagem eventiva da base verbal.

Tal constrangimento é exercido sob a forma de constrangimentos entre unidades morfológicas, que são o sufixo da base verbal e o sufixo a agregar a essa base para a formação do substantivo. A impossibilidade de adjunção do sufixo -ção a verbos com o sufixo -ec- e a ligação entre aquele sufixo nominalizador e as bases verbais em -iz- e -ific-, bem como a ligação dos sufixos nominalizadores -mento e -ncia a bases verbais em -ec- e -

esc- são exemplos de constrangimentos morfológicos com raiz na convergência/divergência

124 A comparação entre frases com verbo e frases com substantivo deverbal não significa relação derivacional

de estruturas de moldagem eventiva da base verbal e do afixo nominalizador. Os verbos que não ostentam marca afixal apresentam menor grau ou mesmo grau zero de especialização semântica ao nível da estrutura de moldagem eventiva. Isto explica a sua menor selectividade em relação ao sufixo nominalizador.

Tal facto permite compreender que

i) a estrutura de moldagem eventiva é aportada afixalmente;

ii) as restrições existem entre os caracteres pertencentes ao mesmo nível estrutural da base e do afixo. Tal comprova que a inexistência de correlação entre tipos eventivos e afixos se deve à não-implicação dos primeiros nos segundos e não à inexistência total de constrangimentos semânticos entre os dois intervenientes genolexicais;

iii) a postulação de uma estrutura de moldagem eventiva é suportada empiricamente, com base na simetria de cargas semânticas desse nível no verbo e no produto (através do afixo) e com base na não-pertinência das cargas semânticas da estrutura eventiva da base na selecção do afixo nominalizador.

Assim, no seguimento de iii), se existem correlações semânticas entre determinadas afixações verbalizadoras e determinadas afixações nominalizadoras deverbais e se não existem correlações ao nível da estrutura eventiva, postula-se um nível organizacional distinto que denominamos como ‘estrutura de moldagem eventiva’.

Por último, resta-nos observar que a estrutura de moldagem eventiva parece ser um factor de distinção entre substantivos eventivos deverbais sufixados e outros não deverbais. Substantivos de Evento como guerra, cólera, peste, sismo, etc., possuidores de estrutura eventiva, parecem não ostentar estrutura de moldagem eventiva.

Os substantivos básicos de evento ostentam estrutura eventiva, como atestam os enunciados seguintes:

(19) a. A guerra de Tróia durou dez anos. b. A guerra das Rosas terminou em 1485.

c. A guerra das Rosas começou em 1455.

Contudo, não ocorre, nos substantivos básicos de evento, espaço para a configuração do evento. Essa configuração apenas pode ser oferecida sintacticamente e não lexicalmente, através de co-textualizações do tipo apresentado nos exemplos de (20) a (24). Nestes exemplos mostra-se o contraste entre a configuração do evento sintacticamente (exemplos a) e a hipotética correspondência lexical (exemplos b). A agramaticalidade do

correspondente lexical mostra que a moldagem eventiva não ocorre em substantivos básicos.

(20) a. A guerra rebentou intensamente num segundo e terminou abruptamente. b. *guerrão.

(21) a. O sismo foi súbito e intenso. b. *sismão.

(22) a. O sismo decorreu homogeneamente ao longo de um tempo infindável. b. *sismamento

(22) a. ?A efectuação da guerra. b. *guerração

(23) a. A guerra decorreu homogeneamente ao longo de um tempo infindável. b. *guerramento.

(24) a. As diferentes operações de guerra do exército napoleónico. b. *guerragem

Comparem-se os exemplos anteriores com os que se seguem. Nestes, a co- textualização coincide semanticamente com a moldagem eventiva apresentada por cada deverbal

(25) a. O abanão foi súbito e intenso.

b. A efectuação da congelação de plasma. c. O processo de envelhecimento do vinho.

d. As diferentes operações de aterragem do avião.

Para além de a estrutura de moldagem eventiva estar ausente dos eventos designados por substantivos básicos, esse nível estrutural parece igualmente estar ausente dos deverbais não-sufixados, como corte, abalo, mordo, choro, passeio, destrinça,

desbulha, grito, etc. Matizes semânticos como ‘efectuação’, ‘operações diferentes’, ‘súbito

e intenso’, entre outros, não se manifestam nos semantismos destes deverbais. Estes apenas mantêm em termos de eventividade a estrutura eventiva veiculada pela base verbal, sem acrescentarem outra estrutura: a estrutura de moldagem eventiva.

O facto de tanto os substantivos básicos de evento, como guerra, peste, epidemia, quanto os substantivos deverbais não-afixados, como mio, salto, talha, possuírem apenas

estrutura eventiva e não estrutura de moldagem eventiva, acrescido aos dados que demonstram que os verbos que possuem afixos com estrutura de moldagem eventiva apresentam selectividade mais fina em relação aos sufixos nominalizadores do que aqueles verbos que não dispõem desses afixos, demonstram que a estrutura de moldagem eventiva é da responsabilidade dos afixos derivacionais.

8. Síntese

Ao longo deste capítulo, procurámos apresentar o modelo que construímos para a abordagem genolexical dos substantivos deverbais. Em paralelo com a revisão de várias abordagens de diferentes autores, fomos tecendo as nossas opções respeitantes a diferentes aspectos da genolexia.

Em primeiro lugar, avaliámos várias concepções de RFPs, para concluirmos que um modelo adequado à explicação genolexical deverá conciliar em simultâneo as RFPs e os afixos como domínios de convergência e divergência genolexical. Assim, assumindo que os operadores afixais possuem capacidade e identidade semântica, propomos que um modelo da genolexia em interface proporciona um entendimento cabal de fenómenos que ficam por compreender se nos ativermos à visão das RFPs como domínio exclusivo da convergência genolexical.

Tal modelo em interface é conseguido através da assunção de que os afixos não são meros instrumentos de actuação das RFPs, mas antes possuem agentividade própria que é devida à sua capacidade de actuação semântica.

Essa capacidade de actuação semântica dos afixos revela-se em mecanismos como são os de coindexação e de projecção, que definimos respectivamente nos § 2 e 3. Estes mecanismos demonstram que a matéria-prima de laboração genolexical é de carácter semântico.

Esta delimitação conduziu-nos à avaliação da actuação da estrutura argumental na fabricação dos produtos deverbais, através da comparação de diferentes abordagens de diferentes AA. com aquela que é emergente da análise dos dados constantes no nosso trabalho. Concluímos que a estrutura argumental, quando existente num deverbal, não resulta da herança da estrutura argumental da base verbal, mas antes de processos internos

ao deverbal. Assim, o que é herdado da base verbal são componentes semânticos localizados nas estruturas léxico-conceptual e eventiva e não a formatação argumental desses componentes (§ 4).

O facto de a estrutura argumental num deverbal não corresponder ao mecanismo envolvido directamente na formação do deverbal nem como herança da base verbal, nem como projecção afixal, é corroborado por produtos que resultam do mecanismo que designamos por “redobro da estrutura léxico-conceptual” (§ 5).

A existência de deverbais de evento que não possuem estrutura argumental conduziu-nos à avaliação da relação entre estrutura eventiva e estrutura argumental, comummente observada como inerente por diversos AA. (e.g. Grimshaw 1990; Alexiadou 2001). O nosso trabalho permite-nos deslaçar essa inerência e explicar, em termos teóricos no nosso modelo de interfaces, que as duas estruturas se encontram dissociadas na arquitectura linguística (§ 6).

Por último, em conexão com a capacidade semântica dos operadores afixais, desenvolvemos a concepção da estrutura de moldagem eventiva (§ 7). Trata-se de uma estrutura de nível semântico com interface com a morfologia derivacional que adquire especial visibilidade nas restrições existentes entre determinados sufixos nominalizadores e outros sufixos constantes na estrutura morfológica das bases verbais.

Em suma, é possível estipular que

a) os afixos actuantes numa RFP não são absolutamente comutáveis entre si, na medida em que não são meros actualizadores lexicais de uma RFP.

b) o mecanismo de construção dos semantismos é semântico e não argumental. A adjunção de estrutura argumental é posterior ao processo semântico, conforme houver ou não condições favoráveis à activação da interface entre o nível semântico e o nível