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RFPs: proposta do modelo das RFPs em interfaces

Quadro teórico de concepção de genolexia: proposta do modelo de RFPs em interfaces

1. RFPs e operadores afixais

1.2 RFPs: proposta do modelo das RFPs em interfaces

A solução por nós defendida consiste na manutenção das especificidades de cada RFP e na explicitação, em simultâneo, dos pontos de contacto entre os subcomponentes intervenientes em cada RFP. Repare-se que o que está em contacto não são as RFPs como todos entre si, mas apenas subcomponentes de cada uma delas. Isto significa que a interface não é construída entre uma RFP e outra RFP no seu todo, mas entre constituintes das RFPs. Esta visão permite manter as diferenças entre cada RFP e assinalar ligações entre alguns aspectos de cada uma.

A solução que aqui defendemos parte da noção de interface desenvolvida em Jackendoff (2002) e aqui apresentada no cap. I. Essa solução passa por conceber bidireccionalmente o campo de alimentação genolexical e, assim, definir tanto RFPs como operadores afixais aí actuantes como pontos de convergência de aportações semânticas.

A figura 5 representa a visão de interface da formação de palavras. A figura deve ser tomada como representativa apenas da interface que estamos a discutir e não da globalidade das interfaces que compõem a componente genolexical. Da mesma forma, a figura não representa toda e qualquer interface tecida entre as RFPs em jogo, nem em quantidade, visto não mostrar todos os operadores afixais que estão em interface com as RFPs, nem em qualidade, visto não estarem explícitos os diferentes níveis que podem tecer interface. Com a figura 5, pretendemos apenas mostrar a solução por nós desenhada de modo a dar resposta à existência de operadores afixais que actuam em diferentes RFPs, bem como à manutenção das RFPs.

Conforme visível na figura 5, o modelo advogado apresenta uma vantagem acrescida em relação aos modelos em arqui-regras. Os modelos em arqui-regras prevêm que a arqui-regra envolva apenas RFPs cujos produtos pertençam a um só domínio semântico, por exemplo, o domínio do abstracto. Na realidade, a unificação da construção de abstractos é o motivo da arqui-regra desenvolvida em Rio-Torto & Anastácio (2004) (cf. § 1.1.4 deste capítulo).

O modelo de RFPs em interfaces possui a capacidade de relacionar qualquer RFP independentemente do carácter semântico do seu produto. É assim que são relacionáveis em interface produtos abstractos e produtos de indivíduo, desde que haja actuação do mesmo operador. A actuação deste é estipulável através da análise semântica dos produtos.

A figura 5 mostra, por exemplo, que a RFP de nomes de acção se encontra em interface com a RFP de nomes essivos e com a RFP de nomes de quantidade. Essa interface dá-se, em simultâneo, através dos operadores -aria e -agem. Contudo, a RFP de nomes de acção encontra-se ainda em interface com a RFP de avaliativos através dos afixos -ão e -

nça, por exemplo. Por outro lado, a RFP de nomes de acção encontra-se também em

interface com a RFP de agentivos, através de -ão. O mesmo sufixo -ão constrói ainda a interface entre a RFP de avaliativos e a RFP de agentivos. Não constitui entrave às interfaces o facto de as bases das RFPs de avaliativos em -ão e as bases das RFPs de nomes de acção ou de agentivos serem diferentes. Também não é obstáculo que os produtos da RFP de agentivos e os produtos da RFP de nomes de acção apresentem semantismos em domínios diferentes (abstracto vs. concreto).

A unidade conseguida entre os vários produtos das RFPs que se encontram em interface, na figura 5, é laborada pela acção semântica do afixo. Como tal, as RFPs não

funcionam como classes taxonómicas de objectos, que seriam os produtos, as bases, os operadores afixais e as operações. As RFPs funcionam como domínios dinâmicos cujas interfaces são activáveis através do comportamento semântico dos afixos aí intervenientes.

Não obstante, não deve ser esquecido que as interfaces se situam também ao nível das diferentes estruturas linguísticas (fonológica, sintáctica e semântica), na concepção apresentada por Jackendoff (2002) de que um item lexical é uma interface em pequena escala.24 Por sua vez, o que aqui pretendemos mostrar é que os próprios subcomponentes genolexicais estão relacionados uns com os outros através de interfaces alimentadas quer por operadores afixais, quer por semantismos, etc.25

Apesar de a univocidade categorial sintáctica das RFPs ser rejeitável com base em fundamentos empíricos, como demonstram os trabalhos de Plag (1999; 2004) e os dados por nós analisados, a manutenção das RFPs revela-se adequada e necessária a um nível semântico. O facto de determinados afixos se agregarem a determinado tipo semântico de base e de se mostrarem incompatíveis com outros e de determinadas bases gerarem determinados tipos semânticos de produtos demonstra que a univocidade destas se encontra no nível semântico. Para que a pertinência das RFPs seja entendida, é necessário que se possuam os meios adequados de análise semântica, de modo a dar conta dos parâmetros semânticos por que se regem as selecções afixais.

Em suma, um modelo em interface como aquele que aqui advogamos apresenta as vantagens de

1) explicar o funcionamento transRFP de muitos afixos, com base na observação de que, apesar de agregados a bases categorialmente distintas, dão forma a produtos que são semanticamente convergentes;

2) manter a formulação das RFPs como pontos de convergência das bases a que se agregam vários afixos, não na sua univocidade categorial sintáctica, mas na sua dimensão semântica.

24 O item lexical é caracterizado por Jackendoff (2002: 425) como «[...] a small-scale interface rule that helps

correlate the parallel structures. Its phonology appears only in phonological structure, its syntax only in syntax structure, and its semantics only in conceptual structure; and the word as a whole establishes the linking among the three in the overall structure of a sentence.».

25 O peso das propriedades fonológicas, morfológicas, semânticas e sintácticas dos afixos e das bases na

obtenção de uma agregação entre dois elementos destes dois grupos é enfatizado por Plag (1996; 1999) e Hay & Plag (2004).

É assim possível continuar a abordar os nomina actionis como deverbais, desde que tenhamos em conta que a sua deverbalidade se prende não propriamente com a formatação sintáctica das bases, mas com determinadas estruturas semânticas que estas contêm. São estas estruturas semânticas que servem de fonte de adjunção das estruturas semânticas que enformam os afixos. É por esse motivo que dentro dos afixos nominalizadores deverbais não encontramos um afixo que seja agregável a todos os verbos, a despeito do facto de esses afixos formarem substantivos com base em verbos. Estas limitações apontam que é ao nível semântico que se colocam as restrições tecidas entre as adjunções de afixo e base.

O alcance do modelo que propomos de interface das RFPs adquirirá relevância à medida que formos avaliando as abordagens que neste trabalho construímos em relação aos operadores afixais, aos mecanismos de genolexia e ao papel de determinadas estruturas linguísticas naquela.