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O conceito de “coindexação” proposto em Lieber (2004)

Quadro teórico de concepção de genolexia: proposta do modelo de RFPs em interfaces

1. RFPs e operadores afixais

2.1 O conceito de “coindexação” proposto em Lieber (2004)

A hipótese explicativa para a correlação entre afixos e bases em termos semânticos parte do conceito de “coindexação” desenvolvido em Lieber (2004: 45-75). O trabalho de Lieber (2004: 2) parte da necessidade de explicar fenómenos semânticos intervenientes na formação de palavras, tais como

a) a polissemia dos afixos (o mesmo afixo apresenta variação semântica);

b) a sinonímia entre afixos (diferentes afixos servem a mesma função semântica); c) a mudança semântica sem concomitante mudança formal (e.g. a conversão); d) o não-isomorfismo fonologia-semântica dos morfemas (e.g. morfemas vazios). No que ao nosso trabalho diz respeito, interessam-nos as questões a) e b). São estas que se relacionam directamente com o estatuto dos operadores afixais que actuam na formação dos produtos sob escopo, bem como com o mecanismo de geração dos produtos, ou seja, com a explicitação da ocorrência das interfaces entre duas RFPs através de um mesmo afixo.

Lieber (2004: 4) postula que para resolver as questões da polissemia e da sinonímia dos afixos é necessário desenvolver um aparelho teórico de semântica lexical que apresente, entre outras,47 as seguintes características:

47 Não nos deteremos na explicitação do entendimento que Lieber (2004) oferece de semântica lexical, e.g. no

i) decomposicionalidade («[...] it must involve some relatively small number of primitives or atoms [...]»);

ii) adequabilidade à descrição da semântica lexical («[...] such a descriptive framework must allow us to concentrate on lexical semantic properties, rather than semantic properties that manifest themselves at higher levels of syntactic structure [...]»).

Para tal, Lieber ancora o seu contributo no modelo de semântica léxico-conceptual de Jackendoff.

Lieber (2004: 10) assume que «[...] the semantics of word formation involves the creation of a single referential unit out of two distinct semantic skeletons that have been placed in a relationship of either juxtaposition or subordination to one another. The primary mechanism for creating a single referential unit will be the co-indexation of semantic arguments.».

O mecanismo de coindexação é passível de ocorrência pelo facto de os afixos, tal como as unidades lexicais maiores, possuírem, segundo Lieber (2004), conteúdo semântico. Esse conteúdo semântico, que a A. designa por “skeleton” em oposição à noção de “body”, que explicitaremos no § 1.3 do cap. IV, é constituído, segundo Lieber (2004: 36), por «[...] functions and arguments, just as simplex lexical skeletons do [...]» e por «[...] exactly the same atomic material that makes up simplex lexical skeletons.». A A. providencia uma listagem de átomos caracterizadores do esqueleto dos afixos derivacionais na pág. 36. Como veremos no cap. IV, § 1.3, no nosso trabalho não nos ativemos a esta listagem. Antes desenvolvemos traços que, segundo nos parece, cumprem de forma mais adequada a função de descrever e explicar o funcionamento genolexical dos produtos e dos componentes que contribuíram para a construção daqueles que aqui pretendemos analisar.

Para compreendermos o alcance da proposta de Lieber, mostramos apenas que, na análise de sufixos do inglês como -er, -ee, -ant e -ist, Lieber (2004: 37) propõe que estes afixos apresentam em comum os traços [+material, +dynamic]. Quando em coindexação com as bases a que se agregam, produzem substantivos concretos dinâmicos. Lieber rejeita propostas baseadas em traços como [paciente, agente, instrumento], [sujeito, objecto] devido a suscitarem problemas de sobre- e subgeração.

Assim, para Lieber (2004: 37), estes afixos «[...] are not specifically “agent” or “instrument” or “patient” or “subject” or “object” affixes, but they do add semantic content:

1.3 do cap. IV a esse propósito. Neste capítulo, de apresentação de conceitos teóricos básicos utilizados no nosso trabalho, apenas focaremos a noção de “coindexação”.

specifically, they are affixes which create concrete and processual nouns, characteristics that agents, instruments, patients, experiencers all have in common. The two features [material] and [dynamic] in effect give us semantic means to characterize these affixes in a sufficiently abstract way to capture what they share. Thus, features like these appear to provide us with the right “grain size” for describing the semantics of this set of derivational affixes, unlike the primitives made available in other frameworks.».

Para explicar o modo como os átomos dos afixos se agregam aos átomos das bases, Lieber (2004) propõe o conceito de coindexação.

A A. justifica a necessidade deste aparato teórico da seguinte forma (Lieber 2004: 45): «The creation of a new complex word, whether a derived word or a compound, always involves the integration of multiple parts into a single referential unit. It is this referential unit that determines how many arguments are eventually projected into the syntax. Co- indexation is a device we need in order to tie together the arguments that come with different parts of a complex words to yield only those arguments that are syntactically active.».

Lieber (2004: 50) oferece o Princípio de coindexação: «In a configuration in which semantic skeletons are composed, co-index the highest nonhead argument with the highest [...] head argument.».

Como é visível pelos excertos apresentados, o conceito de “coindexação” apresentado em Lieber joga com questões sintácticas. Essas questões não serão tidas em consideração na adaptação que no nosso trabalho fazemos do conceito, por considerarmos que apenas os componentes semânticos são intervenientes na coindexação.

Outro vector que rejeitamos do conceito de Lieber de ‘coindexação’ tem que ver com a ideia de que o que sofre coindexação são argumentos. Por exemplo, na especificação da coindexação em deverbais eventivos, Lieber (2004: 56) propõe que o argumento-R (Williams 1981) do afixo coindexa com o argumento mais elevado da base verbal. O que procuraremos demonstrar ao longo deste trabalho é que a coindexação se dá entre traços semânticos e não argumentos.

A comprovar esta nossa asserção estão:

a) a variação semântica entre os produtos designadores de evento construídos com diferentes sufixos nominalizadores. Essa variação deve-se à coindexação entre os diferentes traços dos sufixos e das bases verbais. Se o semantismo obtido fosse invariável, como pretendem as teorias que encaram os afixos como meros mutadores fonológicos

instrumentalizados por uma RFP (cf. Anderson (1992) e Beard (1995)), seria esperável a coindexação com argumentos. Visto que os semantismos de evento apresentam variação concernente àquilo que designaremos por “estrutura de moldagem eventiva” imputada à identidade semântica do sufixo, evidencia-se que a coindexação se tece entre componentes mais atómicos do que os argumentos. Esses componentes localizam-se em diferentes fiadas semânticas, que dependem da conciliabilidade entre o traço semântico do sufixo e os traços disponibilizados pela base. De outra forma não se explicaria a maior co-relação entre determinados tipos de bases verbais e determinados sufixos do que outros.

b) a formação de produtos de indivíduo cujo semantismo não coincide com um argumento disponibilizado pela base. Observaremos que, nesta situação, podem ocorrer dois mecanismos. Um deles prevê a simples coindexação do traço do sufixo com um traço colhido de fonte extra,48 sempre que esse traço não for inserível na estrutura léxico- conceptual em lugar hierarquicamente superior. Outro prevê um mecanismo posterior a este primeiro, que designaremos por “redobro da estrutura léxico-conceptual da base” e que definiremos no § 5 deste capítulo. Esse mecanismo insere o traço colhido de fonte extra em lugar da estrutura léxico-conceptual da base hierarquicamente superior.49 Estes mecanismos que jogam com a estrutura léxico-conceptual da base são posteriores à coindexação entre traços semânticos que defendemos.

c) a refutação da própria noção de “argumento” alargada ao argumento “R” concebido por Williams (1981). Por exemplo, Lieber (2004: 63) postula que, para que se estipule que biographee tem como base biography, tem que se compreender que a base tem dois argumentos: «The first of these is the “R” argument, and the second the argument which is syntactically realized as the object of an of prepositional phrase in English. The “R” argument in this case is the referent of biography, which is clearly nonsentient, not a good match with the conditions on the head argument. The only co-indexing in which conditions match is the one which takes the second argument of biography. The result is a concrete, dynamic noun whose referent is sentient but nonvolitional, as required. There doesn’t need to be a verbal base for biographee to be a “patient” noun of sorts».

48 A noção de “fonte extra”, tratada no cap. V, § 2.2, refere-se a um domínio semântico interveniente na

construção do produto que não pertence nem ao domínio semântico do afixo, nem ao domínio semântico da base.

Outro problema da noção de coindexação proposta por Lieber tem que ver com a polissemia do mesmo produto entre evento e estado, evento e agente, etc. A própria A., em nota 3, pág. 56, indica que a formação de deverbais de evento não é total nem satisfatoriamente explicável pelo princípio de coindexação conforme o havia explicitado, face à diversidade de leituras da célebre The city’s destruction/The Hun’s destruction/ the

Hun’s destruction of the city, em Lieber com nova versão. Leiber deixa a resolução do

problema para futuras investigações.

Deste problema advém um outro, mais sério sob o ponto de vista teórico. Lieber havia estipulado a necessidade de limitar ao domínio lexical a construção da sua semântica. Contudo, ao incluir dados sintácticos e comprovações de actualizações sintácticas de argumentos (cf. Lieber 2004: nota 3, pág. 56), a A. coloca a morfologia derivacional no domínio da sintaxe. Esta perspectiva, aliás, fora um dos corolários de Lieber em trabalhos como Lieber (1981 e 1992), por exemplo, ao optar por uma versão de morfologia

morpheme-based e, em extremo, word-syntax.

Outro problema de Lieber é que continua a considerar sufixos operadores numa regra derivacional como equivalentes semanticamente. Face aos sufixos -er, -ee, -ant/-ent, -

ist do inglês, Lieber (2004: 61) tece o seguinte comentário: «Of course, we would want to

be able to characterize what differentiates these affixes as well. I suggest that it is not the semantic content of the affixes which does so, but rather the co-indexation properties of the affixal argument in each case.».

Parece-nos que a coindexação é responsável pela diferenciação semântica entre os produtos da mesma RFP. Contudo, tal não implica que a distinção dos afixos entre si seja devedora da coindexação, na medida em que esta é ontologicamente posterior aos afixos. Podemos conceber que a identidade semântica dos afixos só é definida por operações paradigmáticas mentais de construção de esquemas, através de tarefas de comparação de produtos em que os afixos intervêm, ou seja, de constructos resultantes de coindexação. Mas, mesmo neste caso, a constância semântica visível ao longo dos produtos construídos com o mesmo afixo a partir de bases distintas, mas compatíveis com o afixo, evidencia que o afixo dispõe de identidade semântica própria. O que acontece é que essa identidade só é perceptível quando em conexão com uma base.

Um paralelismo com a fonologia deixa perceber essa identidade: uma glide possui identidade, embora só ocorra em coarticulação com uma unidade [+silábica]. De resto, também a própria identidade das bases funciona paradigmaticamente.50

Lieber (2004: 61) defende que: «[...] when a derivational affix attaches to its base, the argument associated with the derivational affix [...] gets co-indexed with or bound to one of the arguments of its base. What co-indexing means in argument-structural terms is that the two arguments are identified referentially with each other, and must be discharged or satisfied by the same phrase in the syntax.».

Novamente chamamos a atenção para o facto de esta perspectiva não permitir dilucidar lexemas polissémicos. Se aplicássemos o princípio de coindexação entre argumentos, as significações de lexemas polissémicos resultariam da coindexação do argumento do sufixo com diferentes argumentos da base, consoante o número de significações em jogo. Para cada significação teria havido coindexação do argumento do afixo com um argumento distinto da base. Esta solução torna incoerente a concepção de que é o argumento hierarquicamente mais elevado da base que é coindexado pelo argumento do afixo. Mesmo na reformulação do princípio de coindexação, que analisaremos a seguir, não se prevê a resolução para estas polissemias. Para além disso, optar por estabelecer condicionamentos ao princípio da coindexação, conforme delineado por Lieber, acarretaria uma multiplicação de subprincípios e de excepções que quebrariam o carácter sistemático e regular que um princípio possui como suporte ontológico.

Outro problema respeitante à polissemia tem que ver com a variação de semantismos através de vários produtos construídos pela mesma RFP com afixos distintos. Lieber focaliza a diferença entre os produtos em -ee e os produtos em -er, do inglês.

Se Lieber atendesse à separação entre semântica e estrutura argumental, conseguiria explicar o motivo por que o sufixo -ee e o sufixo -er do inglês, apesar de serem unificados pelos traços comuns [+material, +dinâmico], não suscitam o mesmo tipo semântico de produtos.

Lieber tem consciência desta limitação e antevê que a solução é de teor semântico, ao indicar, seguindo Barker (1998), que o sufixo -ee apenas se associa a argumento «sentient but nonvolitional» (Lieber 2004: 61). Concebe, assim, que «[...] an affixal argument may sometimes impose specific semantic requirements on its co-indexed

50 Poderá contra-argumentar-se dizendo que o critério é sintagmático. Mas a tarefa de identificação é

arguments. In effect, the affixal argument and the base argument it is co-indexed with must be semantically compatible, or at least semantically nondistinct in certain specified ways.» (Lieber 2004: 61).

Assim, reformula o Princípio de coindexação da seguinte forma (Lieber 2004: 61): «In a configuration in which semantic skeletons are composed, co-index the highest nonhead argument with the highest [...] head argument. Indexing must be consistent with semantic conditions on the head argument, if any.».

Um exemplo de Lieber (2004: 63) permite ilustrar a nova formulação do princípio. O verbo employ está na base de employee. Este verbo possui dois argumentos. Um deles é volitivo, pelo que é incompatível com o sufixo -ee. O segundo argumento já corresponde aos requisitos do sufixo. Assim, obtém-se um semantismo em que «[...] the “R” argument [...] shares the “patient” reading of the co-indexed base argument.» (Lieber 2004: 63).

Os próprios exemplos de Lieber apontam para a importância da conciliabilidade semântica entre traços da base e traços do afixo e demonstram que a utilização de argumentos resulta numa imiscuição que perturba o claro entendimento do fenómeno.

O facto de o semantismo do produto coincidir com um argumento da base é uma coincidência a posteriori que pode não ter realização, como demonstram os produtos que resultam da coindexação de traços de fonte extra, i.e., exteriores aos campos semânticos do afixo e da base, bem como aqueles cujas bases não possuem estrutura argumental, conforme entendemos a definição desta.

Contudo, a A. continua a colocar como preponderante a coindexação entre argumentos, no que parece ser uma continuidade em relação à word-syntax.

No que toca ao sufixo -er, Lieber não concebe constrangimentos semânticos condicionadores do princípio de coindexação nos parâmetros de coindexação dos argumentos. Assim, a A. (Lieber 2004: 68) considera que este sufixo coindexa sempre com o argumento mais elevado. De acordo com a A., isto explica que ocorram derivados a partir de verbos com argumento mais elevado coincidente com Agente, mas também a partir de verbos com argumento mais elevado coincidente com Objecto/Paciente.

Na abordagem do sufixo -ant/-ent, Lieber (2004: 69) estabelece que não existem condições semânticas à sua agregação às bases. Por isso, a única diferença entre este e o sufixo -er consiste na possibilidade mostrada pelo primeiro de se juntar apenas a bases verbais. Como tal, Lieber prevê que -ant/-ent coindexa, tal como -er, com o argumento mais elevado da base.

Esta equiparação destes sufixos situada no nível da coindexação entre argumentos e não entre traços semânticos coloca-se como obstáculo à compreensão dos motivos de ocorrência de determinados fenómenos no português. Exemplificando:

a) por que razão, em português, o sufixo -dor, em comparação com -nte, gera maior número de ‘instrumentos’ (e.g. vaporizador, abridor), enquanto o segundo gera maior número de ‘substâncias’ (e.g. desodorizante, corante)?

b) por que razão -dor gera maior número de artefactos locativos, enquanto -nte não disponibiliza esse tipo de semantismo?

c) por que razão -dor não apresenta produtos a partir de bases incoativas, ao contrário de -nte?

entre outros parâmetros comparativos.

Em suma, a abordagem de Lieber não prevê os constrangimentos que impedem que determinadas bases se agreguem a certos afixos, nem aqueles que permitem validar como constantes as preferências de determinados afixos por bases com determinados traços semânticos. A proposta de Lieber também não prevê o efeito semântico da coindexação na obtenção final do semantismo do produto, nem na explicação de um semantismo, nem na explicação da existência de vários semantismos. Por este motivo, a abordagem de Lieber está direccionada para o entendimento da word-syntax e não para o da genolexia.

Frente a derivados em -er que violam o princípio da coindexação, por não se aterem ao argumento hierarquicamente mais elevado, Lieber (2004: 72) socorre-se do conceito de “paradigmatic pressure” desenvolvido em Booij & Lieber (2004).

Alguns desses derivados são loaner ‘a car that is lent as a replacement for one that is under repair’, diner ‘a passenger car where food is served in transit; a restaurant that resembles a dining car’, sleeper ‘Children's pajamas, usually with legs that cover the feet’, jotter ‘a small notebook for rough notes’, stroller ‘A light chairlike carriage with three or four wheels for transporting small children’, walker ‘A frame device used to support someone, such as an infant learning to walk or a convalescent learning to walk again; A shoe specially designed for walking comfortably’.51

51 Os exemplos são fornecidos por Lieber (2004: 72), que não disponibiliza, no entanto, as significações

respectivas. Estas foram por nós colhidas em http://www.thefreedictionary.com. Loaner corresponderia ao objecto interno do verbo to loan ‘emprestar’. Jotter corresponderia a um locativo de to jot ‘apontar, anotar rapidamente’. Diner, sleeper, stroller e walker não corresponderiam a nenhum argumento dos verbos to dine ‘jantar’, to sleep ‘dormir’, to stroll ‘passear’ e to walk ‘andar, passear’, respectivamente. Estes exemplos demonstram a falibilidade da proposta de Lieber (2004) e parecem apontar que a nossa proposta, mesmo

Com o conceito de “paradigmatic pressure” pretendem os AA. justificar a existência de produtos lexicais, como os anteriormente listados, que desobedecem a princípios estruturais formulados. Segundo a “paradigmatic pressure”, quando há necessidade, provocada pragmaticamente, de construir uma designação para um dado objecto da realidade e, em simultâneo, a língua em causa não dispõe de afixo direccionado prototipicamente para tal, pode o falante socorrer-se de um afixo que seja semanticamente mais próximo do pretendido, mesmo que tal formação implique a violação de um princípio estrutural, neste caso o de coindexação.

Pela nossa parte, perante a estipulação de violação de princípios, pensamos que se um dado empírico viola um princípio é porque o princípio está mal formulado ou capta de modo errado o funcionamento do objecto. Em abstracto, não é o objecto que é desviante em relação a um princípio. Mais uma vez, é imprescindível afinar os instrumentos de análise de modo a que auxiliem na observação dos fenómenos. O estabelecimento da violação de princípios advém somente da manutenção da elegância do modelo teórico e da consequente negação de que esse modelo pode estar errado ou em grau não satisfatório de adequação ao objecto em análise.

Se um determinado afixo é chamado a formar um lexema que sirva de designação para um dado objecto é porque esse afixo apresenta condições semânticas para tal operação sem que viole um dado princípio. De outro modo, seria também inexplicável a necessidade de violação do princípio quando línguas como o inglês, o neerlandês (que estavam em causa no estudo de Booij & Lieber (2004)) e o português dispõem de mecanismos como a conversão e a composição com produtividade eficaz na geração de tais designações, sem violarem o princípio de coindexação.

Lieber justifica ainda a fraca produtividade de designações em -er de objectos não- pessoa através da violação do princípio de coindexação. Na nossa proposta, a menor produtividade destes é devida à menor aproximação semântica entre traços disponibilizados pelas várias fontes intervenientes no processo e o traço do sufixo. Observe-se que menor aproximação não é, de modo algum, sinónimo de inadequação.

Propomos, pois, que é possível explicar esses produtos através da separação entre traços semânticos em coindexação e argumentos estruturais. Essa separação não nega a

quando aplicada ao inglês, se apresenta coerente com os dados empíricos. Veja-se o § 1.1 dedicado ao afixo -