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Os operadores afixais na proposta do modelo de RFPs em interfaces

Quadro teórico de concepção de genolexia: proposta do modelo de RFPs em interfaces

1. RFPs e operadores afixais

1.4 Os operadores afixais na proposta do modelo de RFPs em interfaces

Como princípio, aceitamos de Plag (1999; 2004) a visão dos afixos como domínios com carga semântica, contra o postulado de Beard (1995). Mas, ao contrário de Plag, parece-nos que não é necessário, mas antes contraproducente, rejeitar os modelos process-

oriented.

Observe-se que o estatuto de unidades semântico-fonológicas que a análise dos objectos lexicais do nosso trabalho evidencia e permite assumir para os afixos não equivale a uma retoma da visão oferecida pelas teorias morpheme-based, como também Plag (1999) havia alertado no que diz respeito à sua concepção.

Ao contrário das teorias morpheme-based (cf. Lieber 1992; Selkirk 1982), o facto de postularmos uma identidade semântica para cada afixo, o que acarreta similaridades entre morfemas e lexemas, não implica advogarmos que a genolexia seja regida pela mera combinação de morfemas. Tanto os fenómenos morfológicos concatenativos como os não- concatenativos são alvo de mais adequada explicação, a nosso ver, sob o escopo das teorias

lexeme-based. É através destas que o estabelecimento de regras derivacionais como

esquemas mentais construídos a partir de similaridades no léxico possui maior conexão com dados psicolinguísticos. Parece-nos que a linguística do sistema deverá aproximar-se da linguística processual, de modo a oferecer uma descrição dos fenómenos mais aproximada do modo como são processados mentalmente.

Defendemos, pois, que é possível integrar o afixo enquanto unidade semântico- fonológica sujeita a variação polissémica numa concepção que considere a operacionalidade da construção de esquemas mentais em termos de genolexia. Esses esquemas são constructos mentais baseados na análise implícita, para o falante, de regularidades e similaridades encontrados no léxico. Essas construções são alimentadas

quer pela constância da formatação das bases a que se agregam vários afixos, quer pela constância do afixo que se agrega a bases com formatações distintas.

Assim, os esquemas não reflectem apenas a relação base/produto. Essa seria uma visão própria dos modelos que tomam as bases como pontos de convergência das RFPs (e.g. Aronoff 1976; Corbin 1987; Beard 1995). Contudo, também não captam apenas a relação afixo/produto. Tal estaria somente de acordo com os modelos que consideram o afixo como ponto de convergência genolexical (e.g. Plag 1999). No nosso modelo, os constructos esquemáticos captam a relação base/afixo/produto. Assim, o nosso modelo concilia tanto as bases como os afixos como pontos de convergência e divergência através da activação de interfaces.

Os esquemas ou regras derivacionais, segundo a nossa perspectiva, não prescindem, assim, da noção de morfema, na medida em que é a partir da análise destes que mentalmente se operam quer a construção dos esquemas, quer a possibilidade de obter novos produtos, numa função de interacção entre o geral e o particular.33

A noção, por nós defendida, de que o afixo possui carga semântica, o que se distancia dos modelos word-based,34 que estipulam que os afixos não possuem carga semântica para além daquela que está presente na regra derivacional de que dependem,35 não deve, assim, ser confundida com a visão estruturalista do morfema com carácter isomórfico.36 Na verdade, o dimensionamento semântico que aqui apresentamos do afixo localiza a face semântica deste num dinamismo e em extensões infinitas que resultam de

33 Parece ser uma visão semelhante à nossa aquela oferecida em Plag (2002: 189-190): «Evidence from

psycholinguistic studies also points in the direction of a compromise position [entre as visões morpheme-

based e word-based]. Practically all current psycholinguistic models of morphological storage and processing

acknowledge that complex words can in principle be stored and processed as whole words and in a decomposed fashion. The two seemingly conflicting syntagmatic and paradigmatic approaches may be less in a conflicting than in a complementary relationship.». Prossegue o A.: «[...] we can say that eliminating either morphemes or schemas from our morphological theory leads to a more elegant theory, because the overall machinery is reduced. However, this elegance is obviously bought at the cost of a significant loss in empirical adequacy. And if theories are meant to help as to understand reality, it seems that we have to value empirical adequacy more highly than theory-internal elegance.».

34 Cf. Aronoff (1976) como pioneiro deste modelo e Anderson (1992) que oferece uma visão extrema desta

visão.

35 Para uma súmula das teorias word-based vs. morpheme-based, vejam-se Haspelmath (2002: 44-51; 165-

179) e Plag (2002: 179-190). Para uma visão crítica das teorias morpheme-based, veja-se Anderson (1992: cap. 3). Anderson rejeita em absoluto a noção de morfema, com base na existência de fenómenos morfológicos não-concatenativos. Carstairs-McCarthy (1992: 212), em artigo crítico de Anderson (1992), condensa da seguinte forma a proposta deste A.: «Underlying a-morphous morphology, then, is a strong version of the familiar idea that words are islands, whose inner workings are invisible to processes or rules which operate on them, whether morphological (WFRs or morphosyntactic spell-out rules) or syntactic (such as Move-Alpha).».

36 Veja-se Aronoff (1994: 5-29) que oferece uma súmula das concepções de “morfema” em diferentes teorias

interfaces semânticas entre traços e não de uma correlação perfeita entre a face semântica e a face fonológica das visões estruturalistas.

A colocação dos sufixos em zonas de interface entre RFPs levanta uma questão. Vimos que uma das motivações para a concepção em interface dos operadores afixais se encontra no semantismo transportado pelo afixo. A identidade semântica do afixo e a possibilidade de se agregar a bases categorialmente distintas impõem a necessidade e justificam a adequabilidade da concepção das interfaces.

A questão que se levanta é a seguinte: quando o mesmo afixo surge em produtos lexicais que ostentam significações várias não integráveis no semantismo definido pela RFP, será viável em todas as situações conceber que se trata de produtos homónimos construídos em diferentes RFPs em simultâneo, estando cada semantismo dependente de cada RFP? Em relação a judiaria ‘qualidade’ e judiaria ‘conjunto’ estabeleceu-se que estamos perante dois lexemas, produzidos em RFPs distintas, a partir do mesmo sufixo, mas com geração sobre duas bases semanticamente distintas. Será possível manter a mesma solução para qualquer caso de acumulação de significações pela mesma forma morfofonológica?

Um exemplo permitirá ilustrar a questão: o lexema administração possui uma significação de ‘acção de V’ e uma significação de ‘conjunto daqueles que V’. A primeira significação está de acordo com o semantismo genérico definido pela RFP de nomes de acção. A segunda coincide em grande parte com o semantismo definido pela RFP de agentivos. Significa esta duplicidade semântica de administração, desenhada a concepção de interface, que é viável localizar o sufixo -ção como operante nas duas RFPs?

Essa hipótese acarretaria o desdobramento em homónimos das duas significações do produto que, ostentador da significação de ‘acção de V’, seria produzido pela RFP de nomes de acção e, enquanto ostentador do semantismo de ‘aqueles que V’, seria gerado pela RFP de agentes. Repare-se que não haveria nenhum obstáculo relacionado com categorias sintácticas de base e as mesmas nos produtos, pois tanto a RFP de nomes de acção como a RFP de agentivos prevêem no seu input verbos e no seu output substantivos.

Contudo, esta solução acarretaria desvantagens em termos teóricos de sobrecarga do léxico com entradas distintas, ou seja, de homónimos, para cada semantismo distinto gerável. A observação dos objectos lexicais aponta que esta não é a solução mais adequada.

Na verdade, a significação de ‘aquele(s) que V’ é menos representada nos produtos em -ção do que a significação de ‘acção de V’. Ou seja, se a significação genérica destes produtos é a de ‘acção de V’, já o mesmo não se pode dizer da significação agentiva. Elas não são paralelas em termos de representatividade nos produtos em -ção (cf. § 1.4 do cap. VI).

Ora, como já antes ficara explícito, estipular formas homónimas no léxico apresenta desvantagens:

a) multiplicação de itens não correspondentes a unidades semânticas identificáveis de imediato em abstracto, quando se tem por fundamento a face semântica do item em causa;

b) multiplicação da activação de interfaces entre grandes domínios (RFPs) sem que o ponto de ligação seja constante (a significação de agente não é constante nos produtos em

-ção), o que acarreta onerosidade do sistema;

c) subaproveitamento da concepção de coindexação e das possibilidades de actuação desta com a composicionalidade semântica de cada base, afixo e produto.

Não deve ser esquecido que a interface activada ao nível dos operadores afixais se fundamenta na existência de itens lexicais construídos a partir de bases diferentes (e.g.

zurrar > zurraria, velhaco > velhacaria e conta > contaria), que não estão entre si numa

relação possível de homonímia ou de polissemia. Não se trata de significações diferentes no mesmo item, ou seja, de um item que coloque a hipótese da homonímia ou da polissemia como em administração ‘acção de V’ e administração ‘aquele(s) que V’.

Para além disso, a hipótese da interface encontra alicerce forte na diferença da categoria das bases a que um operador afixal se agrega. A constância semântica que esse afixo acarreta nos seus produtos, independentemente das bases daqueles e das oscilações semânticas dependentes das peculiaridades dessas bases, é também fundamento da hipótese da interface.

Assim, ao contrário do estipulado para -aria, em que os produtos são formalmente diversos, não é sustentável explicar a ocorrência de significações do mesmo lexema (e.g.

administração) através da estipulação de localizações em diferentes RFPs dos diferentes

semantismos do lexema. Isto acarretaria a multiplicação de lexemas homónimos e a multiplicação de interfaces não sistémicas no léxico. É preciso ter em conta que existiria uma interface por cada significação de cada produto lexical.

1.4.1 O caso dos produtos em -ão

Os casos apresentados até ao momento são de simples solução. O caso de -aria é facilmente explicável pela interface protagonizada pelo sufixo entre RFPs distintas. Nesta situação, torna-se óbvia a existência de RFPs distintas, na medida em que -aria se agrega a bases categorialmente diferentes e os produtos gerados apresentam semantismos dependentes dos traços dessas bases. A manutenção de um semantismo de ‘composto por indivíduos’ nos produtos de -aria, independentemente das particularidades das bases, faz compreender que se trata do mesmo sufixo, e não de sufixos homónimos.37 A actuação de -

aria alcança várias RFPs.

Por sua vez, o caso de significações diferentes de um mesmo produto em -ção a partir da mesma base rejeita a hipótese da interface tecida pelo afixo entre RFPs distintas. Essas significações são explicáveis através de recursos semânticos internos à relação entre afixo, base e produto e RFP.

No primeiro caso, a diferença da categoria semântico-lexical da base fundamenta aquilo que no segundo caso a manutenção da mesma base contraria. Se a base é a mesma e o produto também, o afixo não está a operar através de interfaces entre RFPs. Se as bases forem diferentes em termos semântico-lexicais e se os produtos gerados apresentarem similaridade semântica por acção do mesmo afixo, o afixo actuou através de interfaces entre RFPs.

O problema surge em situações que apresentam características divergentes das dos dois primeiros casos abordados. Este terceiro grupo em análise apresenta produtos com significações genéricas, e não uma genérica e outra secundária, formados a partir de bases com a mesma categoria sintáctica. Por exemplo, produtos em -ão com base deverbal, tal como abanão ‘acto de abanar; sacudidela forte’, apalpão ‘apalpadela forte’, babão ‘aquele que se baba; baboso’, mirão ‘aquele que gosta de mirar; espectador do jogo; mirone’, são produzidos a partir de bases verbais com um afixo que oferece o traço semântico de ‘intenso’.

Os produtos daí resultantes não são, no entanto, absolutamente uniformes. Alguns apresentam significação genérica de ‘acção de V’; logo são integráveis na RFP de nomes de

37 Para a concepção, na Linguística Cognitiva, de que o mesmo afixo pode agregar-se a diferentes bases

categoriais, vejam-se os trabalhos de Silva (no prelo a; 2006). Agradecemos ao Autor a gentileza com que nos facultou os textos antes da sua publicação.

acção. Outros apresentam a significação genérica de ‘aquele/aquilo que V’; logo são integráveis na RFP de agentes.

O problema é ainda aguçado pela existência de produtos homónimos ou polissémicos com as duas significações referidas. São exemplo disto os lexemas calcão ‘acto ou efeito de calcar; pisadela; peça do carro onde se apoia o eixo’; arremessão ‘impulso de arremessar; encontrão; máquina de arremessar’; chupão ‘mancha na pele resultante de um chupamento; beijo chuchurreado; (reg.) chaminé de cozinha; adj. que chupa.’; desgarrão ‘vento que faz desgarrar; impulso violento’; regalão ‘grande regalo; o que se regala’; pregão ‘Publicação de qualquer cousa, feita em voz alta nos lugares publicos para que todos o saibam; bando. [...] – Aviso, noticia dada pelo pregoeiro ou porteiro em casos de execução de justiça, e outros autos judiciaes. – Pessoa que annuncia, que lança ou deita o pregão. [...] – Palavras com que se apregoa, se anuncia altamente.’ (DV).

Os produtos deverbais de -ão têm em comum o traço semântico de [+intenso], a categoria sintáctica da base e a sua própria categoria. No entanto, dificilmente podem ser agregados sob a mesma RFP, tendo em conta a discrepância semântica dos produtos.38

38 Rio-Torto (1986b) propõe que existem 8 sufixos -ão homónimos, de acordo com uma visão monobásica das

RFPs: -ão 1 que se agrega a substantivos e que gera substantivos aumentativos; -ão 2 que se agrega a adjectivos e que gera adjectivos; -ão 3 que se agrega a substantivos e que gera substantivos diminutivos; -ão 4 que se agrega a substantivos e que gera adjectivos relacionais; -ão 5 que se agrega a substantivos e que gera adjectivos de proveniência; -ão 6 que se agrega a verbos e que gera nomes de acção; -ão 7 que se agrega a verbos e que gera nomes de agente; -ão 8 que se agrega a verbos e que gera nomes de instrumentos. De acordo com os postulados teóricos do mencionado trabalho, «[...] a identificação de cada um destes afixos é feita a partir das relações semântica e categorial que cada RCP activa, passando a ser atribuído a cada um o significado que está associado à respectiva RCP.» (Rio-Torto 1986b: 129).

Em versão posterior do trabalho de 1986, Rio-Torto (1998c) advoga a existência de quatro sufixos -

ão homónimos em português: -ão 1 que actua isocategorialmente; -ão 2 que se agrega a bases verbais e que

gera nomes agentivos; -ão 3 que se agrega a bases verbais e que gera nomes de acção; -ão 4 que se agrega a bases substantivas e que gera adjectivos relacionais. Os três primeiros apresentam génese histórica comum - o sufixo -ONE - e o último representa diferente antecedente diacrónico - -ANU.

Nós propomos neste trabalho apenas dois sufixos -ão homónimos correspondentes aos dois antecedentes diacrónicos apontados. Enfatize-se que a nossa proposta não se fundamenta em dados diacrónicos, ainda que seja por eles corroborada, mas em parâmetros decorrentes do modelo teórico proposto baseado em interfaces e na visão dinâmica semântica apresentada. Observe-se ainda que a proposta por nós avançada permite ainda explicar a ocorrência de diminutivos em -ão, o que parecia contrariar a tendência generalizada do sufixo. Partindo do semantismo primário de [individualização], este pode ocorrer sob a forma de [aumentativo] ou [diminutivo]. Observem-se ainda dados fornecidos por Meyer-Lübke (1895: 543): «ONE

servait primitivement à individualiser; il s’attache à des thèmes verbaux ou nominaux pour désigner la personne qui accomplit une action avec une prédilection particulière, qui possède une qualité à un degré supérieur, qui se fait remarquer, attire parmi les autres l’attention par son occupation, par une particularité interne ou externe.».

Acerca do semantismo de ‘individualização’ do sufixo -ão, veja-se Rio-Torto (1993: 247-255; 261; 270-271).

Como é visível, soluções diferentes provêm de modelos teóricos distintos. Neste caso, não podemos falar de soluções correctas ou incorrectas, mas de soluções que, estando adequadas ao enquadramento teórico

Alguns produtos designam um indivíduo; outros um evento. Ou seja, os primeiros apresentam os traços [+ concreto, +dinâmico], enquanto os segundos apresentam os traços [-concreto, +dinâmico].

Destes dados emergem, mais uma vez, diferentes hipóteses relativas ao estatuto de -

ão e ao número de RFPs em jogo. Uma das hipóteses consiste na unificação de todos os

produtos deverbais em -ão sob o escopo da mesma RFP. Esta seria uma RFP de nomes deverbais em geral. Contudo, o facto de não ocorrer substancial aglomeração da significação de ‘acção de V’ com a significação de ‘aquele/aquilo que V’ nos produtos deverbais em -ão obsta a que se encare uma significação como subordinada ou secundária em relação à outra. De facto, os únicos exemplos encontrados em que os produtos exibem as duas significações em simultâneo são aqueles acima anotados e que aqui repetimos:

desgarrão, regalão, calcão, arremessão, chupão, pregão, esgarrão. Não são estes em

número suficiente para que se possa operar a unificação dos produtos deverbais em -ão sob a mesma RFP. Essa primeira hipótese é, desde logo, rejeitada por nós.

Uma segunda hipótese consiste, mais uma vez, na multiplicação de homónimos em

-ão: -ão 1 estaria ao serviço da RFP de nomes de acção, transportando os traços semânticos

de [-concreto, +dinâmico]; -ão 2 estaria ao serviço da RFP de nomes de agentes, transportando os traços semânticos de [+concreto, +dinâmico].

Uma terceira hipótese seria a equivalente àquela por que se optou a propósito dos produtos em -aria, ou seja a da interface entre RFPs operada por um sufixo -ão. A unicidade semântica do sufixo -aria e a unicidade semântica e de categoria sintáctica dos seus produtos foram os principais responsáveis por esta opção. Todavia, o impedimento para a opção imediata pela mesma hipótese para os deverbais em -ão radica-se na

de que resultam, apresentam mais ou menos desvantagens quer para a descrição, quer para a explicação dos fenómenos genolexicais.

Situação diversa é verificável em Fleischman (1973), em que a identificação de sufixos -ón (o congénere castelhano daquele que tem estado aqui sob análise) é baseada numa análise de identificação errada dos seus precedentes históricos. Assim, partindo de um elemento -IONE erradamente identificado, a A.

identifica um sufixo -ón que se agrega a verbos e forma substantivos e outro sufixo -ón, proveniente de -ONE, que forma avaliativos. O facto de em ambas as classes de produtos estar presente uma dimensão semântica aumentativa ou intensificadora é explicado por Fleischman (1973: 640) da seguinte forma: «When -ón 1 [avaliativo] and -ón 2 [deverbal] ceased to be clearly distinguishable, speakers began to transfer the augmentative nuances inherent in -ón 1 words to forms with -ón 2, confusing, on the semantic level, two etymologically distinct suffixes because of their phonetic identity.».

Atente-se em Meyer-Lübke (1895: 543-548) que apresenta -IONE apenas para designações de

animais e que atesta -ONE para os deverbais em apreço. Cf. ainda Diez (1874: 315-318). Acerca das formas

(aparente) não uniformidade semântica dos produtos, pois uns designam ‘evento’ e outros ‘agente’.

Repare-se que o que está em causa neste momento é o estatuto do sufixo, já que partimos do princípio de que não é possível assumir uma só RFP produtora de todos os lexemas deverbais em -ão, ao abandonar de imediato a primeira hipótese delineada.

Optar pela segunda hipótese - a que prevê a existência de sufixos -ão homónimos - apresenta a vantagem de salvaguardar os diferentes resultados semânticos de ‘acção de V’ e de ‘aquele/aquilo que V’ que os produtos em jogo distintamente ostentam. Como consequência teórica desta hipótese surge o estabelecimento de que os sufixos, para além de possuírem capacidade de categorização sintáctica - ambos os -ão instanciam nomes -, possuiriam também capacidade de categorização semântica absoluta - -ão 1 geraria nomes de acção e -ão 2 geraria nomes de agente.

A identidade dos sufixos homónimos residiria, pois, na capacidade de categorização semântica absoluta destes. Dizemos ‘absoluta’, visto não podermos esquecer que já havíamos assegurado a importância do contributo semântico que cada sufixo transporta em si mesmo, transmitindo-o aos seus produtos.

No entanto, esta hipótese tem a desvantagem de relegar para segundo plano a constância semântica que os dois hipotéticos sufixos homónimos transportam. Trata-se do traço de [+intenso].

A terceira hipótese aproveita essa constância semântica do traço [+intenso]. Assume a existência de um só sufixo -ão para todos os produtos deverbais, bem como para os isocategoriais,39 e retira ao sufixo a tarefa de distinguir os produtos que significam ‘acção de V’ daqueles que significam ‘aquele/aquilo que V’. Esta última cláusula não anula a importância do afixo para a formatação final do produto em termos semânticos. Como veremos ao longo deste trabalho, o papel semântico de cada afixo não se encontra na indigitação directa de ‘agente do evento’, no caso dos deverbais de indivíduo. No que diz