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A evolução das utilizações históricas do cadastro até a multifinalidade

2. Revisão da Literatura

2.4. O Cadastro Técnico Multifinalitário e a Gestão Democrática do Território Urbano

2.4.1. A evolução das utilizações históricas do cadastro até a multifinalidade

Em um de seus trabalhos conjuntos Ting e Williamson (1999) efetuam uma análise da relação dinâmica entre Homem e território no mundo ocidental, buscando identificar fases históricas. A partir de tal análise vinculam as grandes fases históricas com a evolução das finalidades do sistema cadastral. Como decorrência, sintetizam uma figura na qual é possível visualizar o resultado de seu trabalho. Aqui ela será apresentada traduzida pelo presente pesquisador e será relacionada à definição dos propósitos do cadastro descritos pela FIG (1995).

Figura 2- Principais fases da relação entre Homem/Território e a Evolução do Cadastro (TING e WILLIAMSON, 1999)

Fonte: TING, L; WILLIAMSON, I.P. Cadastral Trends: A Synthesis. The Australian Surveyor, V. 44, N. 1, p. 46-54. Junho, 1999. Disponível em: <http://www.geodetic.org/tcg >. Acesso em: 15 de março 2009. Tradução do presente pesquisador.

A figura 02 mostra que teriam existido quatro grandes fases da relação entre humanidade, território e finalidade do cadastro.

A primeira fase se inicia com a revolução trazida pela agricultura e perdura até os fins de 1700. Nela a posse da terra significava também ter poder e riqueza. Nesse contexto a finalidade do cadastro era a de registrar a posse da propriedade, de forma considerada segura por essas sociedades. Em termos dos propósitos previstos para o cadastro pela FIG é possível identificar os primórdios da questão fiscal (taxação) e legal (garantia da posse).

A segunda fase teria perdurado de fins de 1700 até a segunda guerra mundial. A relação entre humanidade e território estaria conduzida sob égide da revolução industrial e da criação dos mercados imobiliários. Aqui o território se tornaria uma mercadoria, no sentido das commodities, ou seja, as parcelas de território e as materias primas que possuem passam a ser negociados nas bolsas de mercadorias. Em tal contexto o cadastro se torna um meio de comprovação da titularidade da terra e de sua transferência, garantindo a mobilidade e confiança das transações do mercado imobiliário. Além disso, frisa-se que cada fase incorpora e reinterpreta as finalidades anteriories. Por exemplo, nessa fase o cadastro mantém a função da

Fiscal/Jurídico Transferência de Propriedade

Planejamento Multifinalitário Principais Fases da relação Humanidade/Território

Evolução das Finalidades do Cadastro

Até fins do sec. XVIII Fins sec. XVIII -Segunda Gu erra Mundial

A pós Segunda Guerra Mundial-Reconstrução

De 1980 até a A tualid ade

Advento da Agricultura Feudalismo

Terra = valor/poder Terra = Mercadoria/valor/poder Revolução Industrial e Mercado Imobiliário Reconstrução de guerra Terra = Fonte de Recursos Comunitários Mercadoria/valor/poder Revolução da Informação Sustentabilidade Desenvolvimento Social/Igualdade Terra = Fonte de Recursos/ Mercadoria/valor/poder

primeira fase de garantir a propriedade e a riqueza associadas à posse da terra. Em termos dos propósitos previstos para o cadastro pela FIG é possível associar esta fase aos propósitos fiscal (taxação) e legal (garantia da posse de seu valor enquanto commodities).

A terceira fase envolve a reconstrução pós-segunda guerra mundial. Nesse contexto havia a necessidade de planejar novamente as cidades destruídas e acomodar o grande número de nascimentos ocorridos nesse período. Isso teria levado ao aumento da necessidade de administrar legalmente o território e do desenvolvimento de novas formas de parcelamento das glebas. A intenção dos administradores da época era dar ao maior número de pessoas a propriedade imóvel, normalmente algo feito com densificação sobre uma mesma parcela de solo. O cadastro passa a ser visto prioiritartiamente como uma ferramenta do planejamento urbano, ou seja, deve registrar a propriedade do espaço em três dimensões, bem como servir ao lançamento das amenidades e da infra-estrutura necessárias. Em termos dos propósitos previstos para o cadastro pela FIG é possível associar esta fase aos propósitos fiscal (taxação) e legal (garantia da posse e de seu valor enquanto commodities), e de auxilio à gestão territorial e o uso do solo.

A quarta fase se inicia na década de oitenta do século passado e perdura até a atualidade. No contexto internacional vive-se o advento da sociedade de informação, a ênfase às questões sociais, a atenção à sustentabilidade e a busca por igualdade de direitos. Passa-se da tentativa de garantir a propriedade imóvel ao maior número de pessoas para a administração coletiva do território e de seus recursos: os que ainda estão disponíveis. Há escassez de território e de recursos naturais. Para responder a essa demanda o cadastro passa a ser multifinalitário. Em termos dos propósitos previstos para o cadastro pela FIG é possível associar esta fase aos propósitos fiscal (taxação) e legal (garantia da posse e de seu valor enquanto commodities) e de auxilio a gestão territorial e uso do solo, bem como para auxiliar ao desenvolvimento sustentável e a proteção ambiental.

As discussões acerca do cadastro multifinalitário em Larsson (1977), Mclaughling (1981), Kaufman e Steudler (APUD. MAJID e WILLIAMSON, 1999) permitem sintetizar uma definição na qual o cadastro multifinalitário é: um sistema de informação territorial orientado à comunidade, baseado na parcela e de uso público ou privado. Esse sistema é relativo a todos os objetos do território de certo país, envolvendo informações técnicas, legais, fiscais, econômicas, etc. integradas a um levantamento geodésico do território.

Em Loch e Erba (2007) há ênfase na natureza técnica do cadastro multifinalitário, o que leva ao Cadastro Técnico Multifinalitário, definido como: “[...] um sistema de informação baseado no registro que contempla, além dos aspectos econômicos, físicos e jurídicos

tradicionais, os dados ambientais e sociais do imóvel e das pessoas que o habitam” (p.40). Aqui os aspectos ambientais, sociais e individuais aparecem ressaltados. É possível que um motivo para a ênfase nesses aspectos seja o de que essa conceituação leva em consideração a definição da FIG (1995), o debate em torno da reforma cadastral e a perspectiva do cadastro 2014, bem como as tendências de desenvolvimento do cadastro multifinalitário frente às futuras evoluções das tecnologias digitais (modelos 4 d e a rede mundial de computadores).

Em 1998 a FIG lançou o debate acerca do cadastro 2014. Nele estava contida a visão sobre como deveria ser o cadastro no futuro. Seu público alvo foi o de países onde o cadastro multifinalitário já se encontrava praticamente completo. Como principal enfoque está a integração total das muitas finalidades através das tecnologias digitais disponíveis, como a modelagem computacional dos sistemas territoriais (KAUFMANN e STEUDLER, 2004; STEUDLER, 2006).

Os assuntos discutidos neste subcapítulo permitem as seguintes conclusões: os propósitos do cadastro ao longo da história estão preservados na definição da FIG de 1995 e o conceito de cadastro evoluiu e se consolida cada vez mais na concepção de multifinalidade, conforme a complexidade da relação homem/território se amplia.

2.4.2. O cadastro técnico multifinalitário e a participação popular no planejamento urbano