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2. Revisão da Literatura

2.3. Epistemologia da Complexidade

Esta tese se defronta com um dilema. Por um lado, ela é um trabalho acadêmico, e, como tal, deve obrigatoriamente ser um trabalho científico; mas, por outro lado, seu recorte teórico a leva a uma questão de ordem essencialmente política. A epistemologia da complexidade pode contribuir para equacionar esse dilema (MORIN, 1982). À medida que esse dilema for sendo equacionado, a epistemologia da complexidade de Morin (1982) despontará como uma maneira de pautar a forma adequada de apropriação da realidade descrita pela visão de mundo pós- iluminista, preservando, como já foi dito, os preceitos essenciais do Estatuto da Cidade no ato de definir o método de participação popular no planejamento urbano.

Morin (1982) apresenta a epistemologia da complexidade no contexto do debate atual sobre a natureza da ciência. Faz isso a partir de uma crítica ao paradigma da ciência clássica, que, para ele, não se sustenta diante da complexidade inerente à vida. A ciência clássica nada mais é que a ciência embasada na visão de mundo iluminista descrita por Lyotard (1987). Os argumentos de Morin são os de que a ciência clássica está impossibilitada de refletir sobre si própria, sobre o que é a ciência. Isso é conseqüência de seu princípio mor de simplificação (disjunção-redução) que separa o sujeito do objeto e acaba por infundir a crença de que o conhecimento científico reflete a realidade, uma vez que possui a prova empírica e lógica. Desse modo, traz em si sua legitimação, não necessitando de nenhum tipo de questionamento10.

Para reforçar seu argumento acrescenta que Ciência-Técnica-Sociedade-Estado interagem e interatuam, portanto, a ciência desempenha um papel na sociedade, sendo assim social. Só que a lógica da disjunção separa essas instâncias de forma a não haver comunicação entre elas. Logo, a ciência clássica não se enxerga dentro da sociedade, com isso deixa de dominar sua estrutura de pensamento, que é mais abrangente. Morin reconhece que essa ciência proporcionou conhecimento além de qualquer outro meio até então manifesto, mas não se furta a descrever a problemática que a acompanha: o progresso da ignorância11, uma série de processos nocivos à sociedade e uma impotência dos cientistas diante do poder que sua ciência produz.

Para superar as críticas que faz à ciência clássica, Morin (1982) propõe uma nova concepção de ciência. A ciência deve buscar produzir um conhecimento consciente, que passe a ter significado para o saber coletivo, que busque reunir sujeito e objeto, e que reintroduza o

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MORIN (1982) acrescenta nessa discussão as contribuições de Popper, Kuhn, Lakatos, Feyerabend. Para ele, esses pensadores já expuseram que a ciência possui uma área não científica em sua base.

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observador na observação e ela própria na sociedade. Que reflita, portanto, sobre a organização do todo e das partes concomitantemente. Assim, a adoção dessa abordagem epistemológica oferece caminhos para suplantar o dilema de como fazer um trabalho acadêmico, científico, embasado em um recorte teórico que envolva a política. O fenômeno complexo será o conceito chave na apropriação da realidade política e relacional baseada nas pequenas narrativas que compõem a visão de mundo pós-iluminista.

A complexidade, ou um fenômeno complexo, possui concomitantemente dois pólos, um empírico e outro lógico (MORIN, 1996). O primeiro ocorre quando se produz grande quantidade de ações, interações e retroações demasiado difíceis de mapear e prever, ou seja, quando as interações que ocorrem são tais que tudo acaba por estar interligado. Também há uma dialógica entre ordem e desordem das interações (MORIN, 1982). Já o segundo deriva da percepção de que a lógica dedutiva de um sistema de conhecimento não consegue explicar um fenômeno por possuir simultaneamente explicações antagônicas, contraditórias, mas cabíveis (MORIN, 1996). Assim, Morin (1996) aponta para uma quebra paradigmática que estaria conduzindo à questão da complexidade.

Nesse sentido, quando aqui se propõe pensar, refletir um fenômeno, que por sua natureza política pode ser analisado segundo a ótica das mais variadas áreas do conhecimento e grupos sociais, sem, contudo, reduzir sua explicação a apenas uma destas, ou a um desses, perscruta-se um tema complexo. O fenômeno em questão é concebido como uma totalidade não redutível às partes, visão essa que é antagônica a uma visão simplificadora (disjunção-redução).

O tema desta tese insere-se no pólo empírico da complexidade. As interações e retroações são variáveis e dinâmicas de acordo com os contextos em que ocorrem, uma vez que se está lidando com valores de grupos com interesses diferenciados sobre o território. Por sua vez, tal reflexão está contida numa discussão maior em que a ciência é concebida a partir do debate sobre a sociedade. Isso implica na revisão de conceitos múltiplos que retroagirão sobre cada uma das disciplinas científicas que se envolverem no processo participativo de planejamento urbano, em um ciclo virtualmente sem fim. Nesse sentido vale lembrar a necessidade de não haver dominação de nenhuma das áreas envolvidas na tentativa de elaborar o planejamento urbano político. Segundo Morin (1982), este é um problema comum da interdisciplinaridade, que parte da delimitação das fronteiras de cada área envolvida e acaba por subjugar umas a apenas uma. Ao contrário, dentro de um paradigma complexo procura-se a comunicação entre as áreas envolvidas por meio do enraizar de umas nas outras em função do tema, ou seja, se busca a

transdisciplinaridade por se compreender que a ciência da atualidade lida com problemas complexos.