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2. Revisão da Literatura

2.1. Visões de Mundo e Teorias do Planejamento Urbano

2.1.5. Teoria sistêmica do planejamento urbano

Taylor (1999) tem o cuidado de apresentar a teoria sistêmica e a teoria do processo racional do planejamento urbano em separado. A semelhança entre essas duas teorias teria dado a impressão de se estar diante de uma única teoria, até mesmo para estudiosos do gabarito de Rittel (1972). Para esse autor existiria uma visão sistêmica de ‘primeira geração’ que englobaria ambas as teorias. De fato, caracteriza essa abordagem sistêmica englobando todas as variantes do planejamento urbano que utilizam um ‘processo racional de decisão’, ou, leia-se, que buscam ser científicas e racionais em seus procedimentos. Isso significa dizer que elas seguem mais ou menos os mesmos passos do ‘processo racional’ para planejar o ambiente urbano, passos descritos sinteticamente por autores como Lindblom (1959/1996), Rittel (1972), Schönwandt (2002) e Taylor (1999).

Parte do motivo que levou os teóricos da época a considerá-las como sendo uma única teoria advém da tentativa de aplicar a ciência às políticas urbanas e ao planejamento urbano. Outro motivo advém da visão de mundo iluminista que compartilhavam sobre a natureza do mundo e sobre as possibilidades de progresso do homem nesse mundo, o que gerou uma crença de que o planejamento urbano poderia contribuir para esse progresso. Sob essa ótica, o planejar com base científica seria uma forma expressa da capacidade da ciência de ter maior controle sobre as forças da natureza em benefício do Homem, o que seria fruto do pensamento e da ação racional. Daí que Taylor se valha das reflexões de Giddens (apud TAYLOR, 1996, p. 58) ao comparar o planejamento urbano de base científica como um modelo de análise e controle cibernético. Ao que conclui: “o planejamento urbano poderia maximizar o bem-estar humano nas cidades e ambientes se tivesse uma abordagem científica coerente enquanto ‘sistema’ associado com a aplicação do método racional de tomada de decisão” (TAYLOR, p. 77).

Contudo, as diferenças entre ambas é o que permite investigar sua ontologia em separado. A questão que às distingue refere-se à concepção de realidade do planejamento urbano. Para a teoria sistêmica do planejamento urbano ainda haveria um “objeto” a ser planejado: o ambiente (cidades, regiões, etc.). O ambiente agora é visto como sistema de partes interconectadas (MCLOUGHLIN, 1969), onde as relações sociais e econômicas acontecem em conjunto com as físicas, as quais o planejamento urbano pretende analisar e controlar, tanto em seu aspecto interno (intra-urbano), quanto externo (regiões, país, etc.). Logo, o planejamento urbano é entendido por essa teoria como uma forma de análise e controle de sistema.

Taylor (1999) não apresenta explicitamente uma metateoria normativa, mas comenta sobre a origem do planejamento urbano sistêmico e suas diferenças em relação ao planejamento urbano físico. Isso, aparentemente, é útil à análise de um possível conjunto de valores que são intrínsecos à metateoria definidora do planejamento sistêmico. Assim, passa-se à exposição da origem dessa teoria. Parece relevante ressaltar que o planejamento sistêmico ocorreu em contextos mais amplos, a saber, os contextos da pesquisa operacional, da modelagem matemática (estatística) do sistema de transporte, da tentativa da geografia de qualificar-se como cientifica e do pensamento sistêmico do movimento ecológico.

Há, ainda, cinco pontos que diferenciam a teoria sistêmica do planejamento urbano da teoria física que são fundamentais para a investigação dos valores daquela teoria. O primeiro ponto se refere à diferença entre o entendimento de como a cidade funciona em contraposição ao uso de um modelo que não leva em consideração a complexidade do funcionamento da cidade. O segundo ponto diz respeito ao deslocamento do foco sobre o design e a estética como centro do planejamento urbano. O terceiro ponto trata da diferença entre um planejamento urbano exclusivamente ‘físico’ e outras perspectivas mais abrangentes. O quarto ponto refere-se à concepção físico-estética do assentamento e o quinto ponto à manifestação dessa concepção em planos de estado final. Os planos de estado final deveriam ser substituídos por um enfoque flexível o suficiente para lidar com a dinâmica do assentamento. Mais do que definir a forma final do assentamento, os planos deveriam traçar ‘trajetórias’, bem como dar início a um processo contínuo de monitoramento, análise e intervenção sobre o território (MCLOUGHLIN, 1969).

A explicação para as diferenças entre a teoria sistêmica e a teoria física do planejamento urbano está em que o ambiente passa a ser compreendido como um conjunto complexo de inter- relações. Tais inter-relações devem ser modeladas com base na ‘realidade’, agora física, social e econômica, onde a interconexão das partes implica em planejar com consciência das conseqüências sobre o todo do ato de intervir em uma parte. Assim, dever-se-ia ter novos profissionais e orientação teórica capazes de lidar com as interconexões.

Cabe ainda destacar que os cinco pontos que diferenciam a teoria sistêmica do planejamento urbano da teoria física foram altamente influentes na promulgação do Ato de Planejamento Urbano e de Cidade inglês, de 1968. Esses pontos se tornaram tão significativos que o termo ‘estratégia’ passou a ser empregado, não só para referi-los, mas também para descrever a nova concepção de plano utilizado por esse Ato. Em relação a esses pontos se torna necessário compreendê-los enquanto valores. Assim, se propõe o exercício de questioná-los

como um ‘dever ser’ do planejamento urbano sistêmico. Por exemplo, caso se pergunte, sob a perspectiva de qualquer um dos cinco pontos, se o planejamento urbano deve ou não visar à cidade como um conjunto complexo de inter-relações a serem estudadas, obtém-se uma resposta positiva. Logo, todos os pontos são valores.

O exame da origem do planejamento urbano sistêmico conduz ao entendimento de que a ciência com a qual os teóricos do planejamento urbano sistêmico se identificavam não era uma ciência qualquer, não era uma ciência social, ou econômica ou política. Trata-se de uma ciência bem específica. Com efeito, ela deveria ser ancorada na teoria de sistemas com base na modelagem matemática e quantitativa. A análise de Chalmers (1995) mostrando que existem várias concepções de ciência e a observação de Popper (1971) de que a escolha de uma ou outra concepção está baseada em valores, permite dizer que a escolha de uma ciência de base matemática e quantitativa está orientada por valores: valores iluministas de racionalidade, objetividade e universalidade (KVALE, 1996; MARTINEZ, 1999).

Analogamente à teoria física do planejamento urbano, parece lógico supor que a definição de realidade na teoria sistêmica do planejamento urbano possa ser alterada por valores contextuais. Para investigar essa possibilidade se utiliza o mesmo procedimento lógico de variar os valores e verificar a consistência da definição resultante.

O seguinte raciocínio pode ser feito: se o sistema é interconexão, e se interconexão envolve entender os fluxos, uma ciência com orientação centrada na epistemologia mecanicista, como o é a teoria de sistema apresentada nos moldes iluministas, talvez não se consiga modelar a ampla gama de relações de natureza subjetiva desse sistema. Logo, se deveria apelar para uma teoria de sistema orientada pela epistemologia da complexidade, uma epistemologia que fosse capaz de lidar com um sistema não-linear de forma não-linear. No entanto, a teoria sistêmica do planejamento urbano entende o sistema colocando ênfase no ‘objeto’ ambiente e suas relações. Daí que uma ciência quantitativa pudesse estar adequada a mensurar os fluxos entre partes, mas se a ciência for uma de base qualitativa, parece lógico supor que a ênfase do sistema se dê sobre a totalidade das relações e não mais sobre o ‘objeto’. Isso alteraria a definição de sistema, para, por exemplo, sistema complexo.

Parece legítimo afirmar que há base para admitir a existência de uma relação entre a metateoria de definição e a de valor na teoria sistêmica do planejamento urbano. Assim, resta propor uma definição de planejamento urbano sistêmico que envolva a noção de valor, ou seja, o planejamento urbano sistêmico seria uma forma de ciência cujos valores a definiriam como quantitativa e de análise e controle do sistema ambiente, em todas suas escalas e interconexões

(cidades, regiões, etc.), onde as relações sociais e econômicas acontecem em conjunto com as físicas.