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3. Metodologia

3.2. Definição da Natureza do Método

O artigo “Critérios para la Superación del Debate Metodológico” Cuntitativo/Cualitativo”, de Martinez (1999), apresenta um arrazoado sobre qual situação de pesquisa implica em um método qualitativo e qual em um método quantitativo. Para tanto, o autor apresenta uma distinção semântica entre os termos qualitativo e quantitativo, bem como a natureza ontológica de duas possíveis realidades de mundo associadas a eles: uma sistêmica e outra linear. Após vincular a idéia de qualidade ao mundo sistêmico e quantidade ao mundo linear propõe sete critérios para que se escolha entre o método qualitativo ou quantitativo em função da natureza do fenômeno pesquisado. Os critérios que propõe são os seguintes: magnitude ou natureza do fenômeno, média ou estrutura dinâmica, extensão nomotética ou compreensão idiográfica, determinação de leis ou compreensão de fenômenos humanos, adequação do modelo teórico com relação à estrutura da realidade, nível de generalização e interação entre qualitativo e quantitativo. Esses critérios serão abordados no decorrer do texto.

Inicialmente se verifica a necessidade de vincular a visão de mundo pós-iluminista presente na orientação teórica de fundo político do planejamento urbano a uma das duas ontologias. Isso permitirá definir a natureza geral do método a ser empregado.

A realidade descrita no planejamento urbano de fundo político e a visão de mundo pós- iluminista que contém caracteriza a atividade de planejar enquanto um fenômeno complexo e incerto. Essa caracterização é compatível com a descrição feita por Martinez (1999) de um mundo não linear, que se contrapõe à possibilidade de reduzir os seres e os processos sociais a uma dimensão extensa, e, portanto, quantitativa. Apesar de reconhecer que há realidades passíveis de reduzir-se em essência à sua extensão, podendo ser mensuráveis em sua magnitude, quantidade e espaço, fica claro que, em hipótese alguma, a realidade pós-iluminista é extensa. Percebe-se que os elementos heterogêneos que a compõem não admitem ser abordados em separado de seu contexto, justamente por serem de natureza variada e constituírem esta realidade como um todo. Isto se dá através de uma rede de relacionamentos, onde cada elemento só ganha

sentido em função dos demais, em um dado momento e local. Significa, em resumo, que a postura epistemológica a ser adotada é a de apropriar-se da natureza do fenômeno complexo, compreendido no cerne de um contexto humano, bem como visa apreender sua rede de relações imprevisíveis.

Segundo Martinez (1999) a idéia de elementos heterogêneos constituintes do sistema e a existência de uma rede de relacionamentos, ou dinâmica do sistema, são dois aspectos intrinsecamente relacionados com a noção de qualidade. Para esse autor, a palavra qualidade deriva do termo qualis (o quê, qual), significando a busca da natureza de um ser, que encontra seu sentido no conjunto de suas qualidades. E, em suas palavras, a pesquisa qualitativa:

“(...) trata do estudo de um todo integrado que forma ou constitui uma unidade de análise e que faz que algo seja o que é: uma pessoa, uma entidade étnica, social, empresarial, um produto determinado, entre outros. Dessa maneira, a investigação qualitativa trata de identificar a natureza profunda de realidades, seu sistema de relações, sua estrutura dinâmica, aquela que dá razão plena de seus comportamentos e manifestações” (MARTINEZ, 1999, p.81).

Em contrapartida, entende-se que os modelos matemáticos da pesquisa quantitativa estão aptos a lidar com elementos homogêneos, dada sua natureza extensa. Desse modo, o modelo matemático, ao trabalhar de acordo com regras preestabelecidas, inflexíveis, e em sua essência com a propriedade analítico-aditiva, não está direcionado a lidar com questões em que o nível de organização e complexidade se manifesta na forma de processos com sucessões temporais imprevisíveis, ou, resumidamente, com questões em que o fenômeno seja compreendido como sistêmico. Afinal, não se está lidando com uma matéria fixa com elementos homogêneos, tomados isoladamente, para medi-los de acordo com suas quantidades (princípio aditivo). Nesse contexto seria um erro isolar elementos e só então partir para relacioná-los, já que, primeiro, não se está buscando a média ou variância de uma ou mais variáveis em um grupo de sujeitos, segundo, não se deseja a correlação entre elementos. É conveniente, portanto, que uma metodologia estrutural-sistêmica seja empregada quando o essencial é a relação e não a quantidade de algum fenômeno. Decorre dessa discussão a primeira sugestão de metodologia para o presente trabalho, a de que ela seja qualitativa.

Definida a natureza geral do método a ser empregado, o próximo passo envolve uma revisão dos critérios. O objetivo dessa revisão será verificar quais são as condições que o método

qualitativo deve atender para ser, de fato, qualitativo. Também se ressalta que essas condições dizem respeito à forma de apropriação da realidade descrita em certa visão de mundo. Assim, se está diante de uma questão epistemológica. Nesse caso, se propõe avaliar os critérios relacionando-os a duas epistemologias: a epistemologia da complexidade e a epistemologia do mecanicismo. Por sua vez, essas serão apresentadas em relação às visões de mundo iluminista ou pós-iluminista.

O Iluminismo se apóia em uma epistemologia mecanicista calcada na matemática e no positivismo (KVALE, 1996; POPPER, 1971). Os critérios que a epistemologia mecanicista utiliza para compreender os fenômenos são: extensão (magnitude, quantidade e espaço que ocupa); generalização das variações e médias de variáveis em um universo de muitos elementos; dimensão nomotética; busca por leis universais; uso de modelos analítico-aditivos; além da intenção de generalizar seus resultados (KVALE, 1996; MARTINEZ, 1999). Esses critérios sugerem a utilização de métodos quantitativos. Já o pós-iluminismo estaria mais adequadamente vinculado a uma epistemologia da complexidade (MARTINEZ, 1999; MORIN, 1982, 1996). Os critérios que a epistemologia da complexidade utiliza para compreender os fenômenos são: compreensão da natureza do fenômeno; estrutura dinâmica; dimensão idiográfica; foco em fenômenos humanos (valores, interesses, sentimentos, etc.); busca de um modelo teórico adequado ao fenômeno complexo investigado e compreensão profunda do fenômeno em anteposição à generalização.

Ressalta-se que Martinez (1999) não se limita a uma distinção simplista e dicotômica. Não nega a possibilidade de integração entre métodos qualitativos e quantitativos. Ao contrário, reconhece na lógica dialética a possibilidade de tratar da associação dos métodos e propõe o conceito de triangulação para fazê-lo.

A idéia de triangulação consiste na possibilidade de tratar os fenômenos segundo diversos pontos de vista, o que pode ser feito através da triangulação de métodos e técnicas, de investigadores, de teorias, etc. Essa distinção interessa por não limitar as possibilidades de utilização de métodos, desde que se mantenha uma vinculação ontológico-epistemológica adequada à capacidade do método de tratar determinado fenômeno sob sua investigação. Assim, uma determinada pesquisa pode estudar um fenômeno que prioritariamente envolva métodos qualitativos, mas não exclusivamente. Nesse caso a pesquisa em curso está firmemente ancorada em uma ontologia e epistemologia que a definem como qualitativa, mas não se pretende excluir, de antemão, a possibilidade de uso de métodos quantitativos, desde que não descaracterizem a

natureza do fenômeno complexo em questão. Dessa forma, a metodologia indica que o método a ser aplicado deve ser prioritariamente qualitativo.

Ressalta-se ainda que a análise acerca dos critérios do método qualitativo permite definir quais desses devem receber maior atenção em função das especificidades da pesquisa que se propõe. Assim, nesta tese, se tratará de particularidades do planejamento urbano com orientação teórica de fundo político em relação com os critérios de pesquisa qualitativa que serão considerados como mais relevantes.

A natureza do planejamento urbano de orientação teórica de fundo político se relaciona a uma realidade localmente construída. Isso implica em dizer que uma diretriz do método é sua particularidade de contexto, uma vez que a construção do sentido do fenômeno investigado é local, particular de cada cultura, em um dado contexto histórico, mediada segundo valores grupais e pessoais. O método possui uma abrangência restrita, seja em razão de sua dimensão idiográfica de se referir a uma particularidade de contexto, seja por não perseguir necessariamente uma generalização.

A idéia de extensão é inversamente proporcional à de idiografia. Quando o objetivo de uma pesquisa consiste em estudar um fenômeno cuja estrutura é relativamente complexa, visando sua compreensão profunda, este é de pouca extensão, portanto, idiográfico. Quando o objetivo de uma pesquisa consiste em estudar um fenômeno cuja estrutura é relativamente simples, e se objetivam dados mais universais, este é de muita extensão, portanto, nomotético. Contudo, a distinção entre o nomotético e o idiográfico pode induzir a crença de que a generalização só pode ser associada à extensão. É compreensível que, no contexto das ciências deterministas, de base iluminista, a busca por leis universalmente aplicáveis tenha se traduzido na necessidade de previsão dos fenômenos e da generalização dessas leis, exatamente por pautar- se na idéia de verdade absoluta. Essa noção positivista há tempos vem sendo substituída pela busca das verdades locais, correspondendo à passagem de um ponto de vista iluminista para um pós-iluminista. A própria idéia de ordem já não subsiste sem a de desordem (MORIN, 1982). Assim, as contradições internas e soluções particulares, vistas como desordem, resolvem-se como ordem. Ou como essências, o que resulta na precisa definição de Martinez (1999) do estudo em caso: a possibilidade da generalização ser resultado da captura de uma estrutura essencial ou padrão estrutural em poucos ou em apenas um caso.

Kvale (1996) apresenta a generalização como sendo uma atitude natural do ser humano, onde a experiência com uma situação ou pessoa serve para antecipar o que pode acontecer em

outra situação similar ou com pessoa similar. Continua seu argumento dizendo que generalizações importantes foram feitas por meio de estudos profundos em poucos casos, como os estudos feitos por Piaget e Freud, o que resulta na possibilidade da pesquisa idiográfica chegar a generalizações. Kvale (1996) e Martinez (1999) ressaltam que a agudeza de espírito do pesquisador é o mais importante para chegar à generalização. Isso resolve, em parte, a dificuldade de lidar com grupos grandes de forma aprofundada.

O debate que foi elaborado levou a definir a natureza do método, bem como certas características a serem privilegiadas em seu desenvolvimento. No entanto, ainda não há subsídios para definir qual é o método qualitativo a ser empregado. Para tanto, o próximo passo proposto é o de pesquisar quais são as abordagens metodológicas de planejamento urbano que surgem após o advento da visão de mundo pós-iluminista, e como elas definem a participação popular no planejamento urbano.