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A evolução histórica do turismo acessível

Capítulo 3 – O Turismo Acessível

3.2 A evolução histórica do turismo acessível

acessível

A discussão em torno dos aspetos que contribuem para a construção e promoção de uma sociedade mais inclusiva tem tido reflexos também no domínio do turismo, ao mesmo tempo que se verifica um consenso cada vez maior no facto de o turismo ser um bem social de primeira necessidade, que constitui um aspeto essencial na qualidade de vida, devendo por isso estar ao alcance de todas as pessoas, independentemente das suas condições físicas, económicas ou sociais. (Devile, 2009, p. 39)

Esta questão que, ao longo das últimas décadas, tem sido aprofundada com o propósito de a sociedade se adaptar para o seu quotidiano, e posteriormente para a indústria turística, os princípios abordados no capítulo anterior – mobilidade, acessibilidade e incapacidade –, assumiram especial relevância a partir da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas em 1948. O principal objetivo desta entidade era o de assegurar que todos os seres humanos detinham à nascença o direito à liberdade, dignidade e igualdade (Darcy, 2003; Guerra, 2003).

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No seguimento lógico desta , tem lugar, em 1963, “I Congresso Internacional sobre a remoção de barreiras na arquitetura”. A sua realização teve especial impacto na consciencialização da Europa para a necessidade de perceber e adaptar o conceito de acessibilidade aos diversos edifícios (Guerra, 2003). Contudo, apenas em 1975 emerge a primeira declaração específica para as pessoas com mobilidade reduzida, a Declaração Universal dos Direitos das Pessoas com Incapacidade, promulgada pelas Nações Unidas. Seis anos mais tarde, em 1981, é declarado, pela primeira vez, o Ano Internacional das Pessoas com Incapacidade (Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006; Guerra, 2003).

No contexto da União Europeia, e no sentido de superar as diferenças políticas em relação às pessoas com mobilidade reduzida (Zolkowska, Kasior-Szerszen, & Blaszkiewicz, 2002), bem como melhorar a acessibilidade em toda a Europa (ENAT, 2007), os Estados Membros desenvolveram, desde a década de 1970, um conjunto de programas comunitários que visavam, por exemplo, apoiar a integração, coordenação e concretização de atividades para o benefício deste grupo social (Zolkowska et al., 2002). O primeiro programa, delimitado pelo Conselho das Comunidades Europeias, e em vigor entre 1974 e 1977 (Parlamento Europeu, 2011; Resolução do Conselho de 27 de Junho de 1974), teve como objetivo primário ajudar as pessoas com mobilidade reduzida a “tornarem-se capazes de levar uma vida normal, independente e completamente integrada na sociedade” (Resolução do Conselho de 27 de Junho de 1974). Com enfoque especial no emprego, este sustentava especificamente que seria imprescindível melhorar as possibilidades de reabilitação profissional que eram oferecidas na comunidade (Parlamento Europeu, 2011).

O programa comunitário subsequente, HELIOS I, foi aprovado em 1988 e esteve em vigor até ao ano de 1991 (Parlamento Europeu, 2011; Zolkowska et al., 2002; Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006). Este, bem como o anterior, permitiram o intercâmbio de informação e experiências entre os Estados-Membros, as Organizações Não-Governamentais (ONG), e os Conselhos Nacionais de Deficientes, de forma a melhorar a qualidade de vida das pessoas com mobilidade reduzida. Galardoou igualmente um conjunto de organizações em toda a Europa com a atribuição de prémios de excelência na prestação de instalações para este grupo de pessoas (ENAT, 2007)

Após este estádio inicial de consciencialização e introspeção da sociedade para as necessidades e igualdade das pessoas com mobilidade reduzida, emerge um segundo momento com incidência no turismo. Na Figura 3.1 estão presentes alguns dos principais marcos históricos que contribuíram para a perceção, por parte da indústria turística, da existência de um novo tipo de turismo em expansão.

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Figura 3.1 – Principais marcos históricos para o turismo acessível Fonte: elaboração própria

No ano de 1980, aquando a promulgação da Declaração de Manila sobre o Turismo Mundial, realizada pela Organização Mundial de Turismo, é pela primeira vez associado o termo “Acessibilidade” ao turismo (Pérez & Velasco, 2003). Esta declaração evocou o turismo como um direito fundamental e um instrumento essencial para o desenvolvimento humano e para a melhoria da qualidade de vida de todos (Guerra, 2003; Pérez & Velasco, 2003). Contudo, só nove anos depois, em 1989, surge a primeira referência ao conceito “Turismo Acessível” (Casas, 2004; Guerra, 2003; Pérez & Velasco, 2003). Apresentado por um grupo de especialistas da área da incapacidade e do turismo, o relatório intitulado “Turismo para Todos”, além de trazer para a indústria turística uma nova palavra chave, efetivou o balanço dos progressos sentidos desde 1981 na área da acessibilidade e mobilidade. O documento tinha como principal enfoque chamar a atenção de toda a sociedade para a urgência de se criar uma indústria acessível e transversal, que não excluísse nenhum ator do sistema turístico (Casas, 2004; Guerra, 2003; Pérez & Velasco, 2003).

Entre 1993 e 1996, a União Europeia implementou o terceiro programa comunitário, HELIOS II, com incidência na integração social das pessoas com deficiência na sociedade ao nível da educação, trabalho, economia, transportes e acessibilidade aos meios construídos (ENAT, 2007). No anexo I, e ponto 8 deste programa, foi dado especial relevo ao turismo, com o compromisso de “apoio à coordenação de ações entre Estados-Membros com o objetivo de eliminar os obstáculos ao desenvolvimento do turismo para os deficientes, assim como à troca de informações neste domínio.” (52000DC02845).

5 Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões - Rumo a uma Europa sem barreiras para as pessoas com deficiência -

52000DC0284. Acedido em http://eur- lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52000DC0284:PT:NOT, a 16 de Agosto de 2011 1948 Declaração Universal dos Direitos Humanos 1974 1º Plano de Acção Comunitária 1988 a 1991 HELIOS I 1993 a 1996 HELIOS II 1996 Manual para a Indústria do Turismo 1989 Relatório Britânico - "Turismo para Todos" 2001 Reunião dos ministros Europeus de Turismo 2004 a 2010 Plano de Acção Europeu 2008 I Condefrência Internacional do turismo Acessível

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Com o intuito de maximizar o sucesso deste programa foi aplicada uma nova abordagem assente na junção de organismos públicos e organizações de pessoas com mobilidade reduzida, formando grupos de trabalho com o desígnio de abordar os principais temas referidos no parágrafo anterior (ENAT, 2007). Esta ação, além de permitir que as pessoas com mobilidade reduzida participassem na gestão do programa, resultado da mudança de pensamentos, possibilitou também que percecionassem o seu papel ativo, e importante, na contínua sensibilização da opinião pública, na promoção dos seus direitos, e na orientação política à escala comunitária (Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006; Zolkowska et al., 2002). Num período de três anos, os grupos de trabalho delimitaram os seus próprios objetivos e políticas, realizaram visitas a vários locais e analisaram experiências acessíveis. Cada grupo compilou um relatório onde registou as boas práticas e planos de ação para resolver os problemas observados e os desafios para o futuro. Os relatórios sobre "Transportes" e "Acessibilidade para o Ambiente Construído" foram parcialmente relevantes para o turismo (ENAT, 2007), e, como resultado da ação deste programa, foi criado o Fórum Europeu de Deficiência, que continua operacional e permite expressar opiniões em questões importantes para as pessoas com mobilidade reduzida (Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006; Zolkowska et al., 2002).

Na fase final do programa Hélios II, e aproveitando as suas linhas orientadoras, é publicado em 1996, pela Comissão Europeia, o "Manual para a Indústria do Turismo: Tornar a Europa acessível para turistas com deficiência". O seu principal objetivo visava demonstrar que as instalações existentes podem muitas vezes ser facilmente adaptadas para receber visitantes com mobilidade reduzida.

Em Julho de 2001, os Ministros Europeus do Turismo reuniram-se em Bruges a fim de debater o tema “Turismo para Todos” e, em particular, a acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida ao alojamento turístico (Griffin & Stacey, 2011; Guerra, 2003; Vlaanderen, 2001). Estes, no final da reunião, propuseram um conjunto de medidas que cada Estado-Membro deveria adotar, designadamente que cada um teria o compromisso de definir as suas próprias políticas e procedimentos relativamente ao turismo acessível, com base na sua perspetiva histórica e pontos de vista sobre a sua atividade turística (Griffin & Stacey, 2011).

A Comissão Europeia declarou, em 2003, o Ano Europeu dos Cidadãos com Incapacidade (Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006), a fim de continuar o caminho de sensibilização da sociedade para as questões da incapacidade e de o tornar num marco temporal para a introdução de novas políticas governamentais (52000 DC 0284). Esta iniciativa proveio de uma ação impulsionadora por parte dos participantes do Fórum Europeu das Pessoas com Incapacidade, que exerceram pressão no sentido de se criar uma ação à escala

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Europeia que permitisse às pessoas com mobilidade reduzida sensibilizarem a comunidade para os seus reais problemas.

Neste mesmo ano o Conselho Europeu declarou, na resolução de 6 de Maio de 2003, a “necessidade de existirem infraestruturas culturais e de lazer acessíveis, como sendo indispensável para a melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos” (Devile et al., 2010; Prates & Garcia, 2009). No ano anterior, na resolução de 21 de Maio de 2002 sobre o futuro do turismo europeu, o Conselho de Ministros convidou a Comissão e os Estados-Membros a intensificar esforços no sentido de facilitar o acesso das pessoas com deficiência ao turismo (COM(2003) 650 final6).

Devido ao êxito conseguido com o Ano Europeu dos Cidadãos com Incapacidade, através do aumento da consciencialização, intercâmbio e divulgação de boas práticas, bem como o reforço da cooperação entre as diferentes partes interessadas (COM(2003) 650 final), o Conselho Europeu promulgou um Plano de Ação Europeu, que abrangeu o período de 2004 a 2010, com vista a definir uma abordagem duradoura e operacional em relação às questões de incapacidade na Europa (COM(2003) 650 final), nomeadamente à promoção da acessibilidade para todos ao nível do emprego, educação e áreas públicas (Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006).

Atualmente encontra-se em curso um novo programa estratégico europeu que visa a promoção dos direitos e a plena participação das pessoas com mobilidade reduzida na sociedade. Delimitado pelo Conselho Europeu, este tem como período vigente os anos de 2010 a 2020. Dividido em quatro categorias (direitos civis e políticos; direitos económicos, sociais e culturais; questões governamentais; e questões horizontais) dá especial enfoque ao turismo na categoria “direitos económicos, sociais e culturais”, no artigo n.º 30 – “Participação na vida cultural, recreio, lazer e desporto”. Este refere que o acesso a atividades de lazer é ainda limitado para pessoas com mobilidade reduzida, principalmente devido a barreiras arquitetónicas. Ao mesmo nível encontram-se também as barreiras organizacionais e conceituais, onde os funcionários não estão bem preparados para acolher e acomodar as pessoas.

No que se refere ao caso português, o primeiro Plano de Ação para a Integração das Pessoas com Incapacidade data de 2006. Com um período de aplicabilidade de 3 anos este, subdividido em dois capítulos e quatro eixos, apresentou como objetivos: a acessibilidade a produtos e equipamentos, a integração das questões da deficiência e da incapacidade nas políticas sectoriais, entre outros (Gabinete da Secretaria de Estado Adjunta e da Reabilitação & Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, 2006).

6 Igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência: Plano de Acção Europeu (2004-2010) -

COM(2003) 650 final. Acedido em

http://europa.eu/legislation_summaries/employment_and_social_policy/disability_and_old_age/c11414_pt. htm, em 16 de Agosto de 2011

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Embora a referência ao sector do turismo não esteja patente, é no segundo eixo – educação, qualificação e promoção laboral – que o plano faz referência à cultura, desporto e lazer.

No sentido de divulgar o conhecimento científico que os estudiosos da área do turismo acessível têm vindo a construir, algumas conferências internacionais têm sido organizadas em diversos países. A ENAT, principal entidade europeia a operar na promoção do turismo acessível, tem organizado, desde 2008, conferências internacionais anuais para debater o estado da arte na área do turismo acessível. A primeira realizou-se em Belgrado no ano de 2008, e o objetivo principal visava a promoção de destinos turísticos acessíveis, transportes públicos, bem como aumentar os lucros e melhorar a viabilidade geral dos negócios das empresas locais e internacionais que apostassem no turismo acessível.

Em 2009 realizou-se em Viena, Áustria, a segunda conferência internacional. As discussões temáticas visaram (i) as novas tendências e desenvolvimentos na área do turismo acessível, (ii) os novos desafios e (iii) perspetivas que se colocam na exploração de oportunidades no turismo para todos. No ano seguinte, realizou-se em Espanha a terceira conferência, que tinha como principais temas de debate o aumento da consciência por parte da indústria do turismo para a necessidade de estabelecer diretrizes claras para a acessibilidade universal; demonstrar ao sector do turismo a rentabilidade do turismo para todos; difundir exemplos de boas práticas em turismo para todos, entre outros.

Em Portugal, o I Congresso Nacional de Turismo Acessível realizou-se em 2007 na Lousã, tendo como promotores a Câmara Municipal da Lousã, a Provedoria Municipal, o Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), a Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), a Direção Regional de Economia do Centro (DRE - Centro), a Associação para a Recuperação dos Cidadãos Inadaptados da Lousã (ARCIL) e a Associação de Desenvolvimento do Ceira (Dueceira). Como resultado deste, e em parceria com a Universidade de Aveiro, os diversos temas debatidos, bem como a perceção do estado da arte do turismo acessível, foram compilados numa edição especial da Revista Turismo & Desenvolvimento (RT&D). Mais recentemente, em Novembro de 2010, o Instituto Superior de Ciências Educativas, e em conjunto com a Câmara Municipal de Odivelas, realizaram as Jornadas de Turismo 2010 com o tema: “Turismo Acessível: Estudos e Experiências”, que pretendeu alertar para as dificuldades sentidas na indústria turística por parte dos diferentes segmentos com necessidades especiais. À semelhança do que sucedera no I Congresso Nacional emergiu desta iniciativa um livro que compilou um conjunto de artigos científicos acerca de questões relacionadas com o turismo acessível.

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