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Capítulo 3 – O Turismo Acessível

3.5 O papel do Estado

Os investigadores que recentemente têm abordado na literatura especializada as novas formas de estar e organizar os espaços territoriais, defendem que o desenvolvimento de um destino turístico só é possível se este possuir uma boa governança que adote políticas eficazes, corretas e adaptadas ao destino.

Segundo Moscardo (2011, p. 67), a governança diz respeito aos meios pelos quais as relações entre os diferentes atores de um sistema são reguladas. Esta, baseada em princípios democráticos, deve maximizar a eficiência das políticas adotadas.

Devido ao crescente interesse na governança em geral, e ao aumento das preocupações referentes à sustentabilidade do turismo como um fenómeno social e económico (Moscardo, 2011), Costa (2012) defende que o desenvolvimento de um determinado destino turístico, assente numa boa governança, deverá estar estritamente ligado: (i) à economia, nomeadamente com a criação de redes que permitam o desenvolvimento local através do uso racionalizado do financiamento disponível; (ii) ao território, gerido com criatividade, assente na economia das experiências; (iii) e aos atores, que segundo uma perspetiva de capital humano, e através de novas estruturas organizacionais assentes em redes que transmitem informação e conhecimento, são envolvidos através da inovação social.

Assim, a governança, enquanto parte importante e responsável pela tomada de decisões na indústria do turismo (Moscardo, 2011), deve ter em conta todo o sistema jurídico-institucional, ou seja, a regulamentação de leis que defendam os interesses em causa e que estabeleçam um quadro de normas jurídicas que estimulem a inovação e a criatividade, favorecendo o desenvolvimento do turismo acessível (Cunha, 2003).

Face a esta conceptualização, para que a maximização dos serviços prestados, bem como das condições de acessibilidade e mobilidade na oferta turística sejam eficazes, é fundamental o envolvimento das entidades governamentais (Buhalis et al., 2005) ao nível da dimensão sectorial e transversal defendida por Fontes e Monteiro (2009), bem como na fase de conceção e desenvolvimento de um destino acessível (Montes & Aragall, 2009), no sentido de serem criadas diretrizes legislativas para o correto funcionamento do sistema social.

Como menciona Kastenholz et al. (2012, p. 373), o setor público possui um papel central no desenvolvimento de destinos turísticos acessíveis, nomeadamente no que se refere a domínios ligados à acessibilidade física a espaços públicos, à provisão de informação acerca dos

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agentes da oferta e à implementação de normas ligadas às infraestruturas. Para as autoras, estes são domínios que um Estado deve ter em conta aquando da gestão de um território potencialmente turístico, e com características favoráveis à aplicabilidade dos princípios do ‘Desenho Universal’.

Teles (2009, p. 36) destaca a importância do papel das entidades locais e regionais como figuras representativas do Estado e com poder de mudança ao nível (i) da intervenção no território, (ii) da mudança de mentalidades, (iii) da criação de parcerias de intervenção, e (iv) na correção de processos, por forma a remover as imobilidades que desenham as cidades do presente.

Ao nível Europeu, mais concretamente através do Conselho Europeu, foi aprovado, a 26 de Novembro de 2009, uma decisão, designado de “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, que se propunha “proteger e assegurar o usufruto pleno e equitativo, por parte das pessoas com mobilidade reduzida, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como promover o respeito pela sua inerente dignidade” (Decisão da Comissão Europeia 2010/48/EC, 2009). No caso específico português, o Estado promulgou dois decretos-lei, já abordados no capítulo anterior, que convergem para o princípio primordial: a promoção da acessibilidade.

Todos estes diplomas legais, devido às suas diretrizes, têm efeitos diretos no turismo acessível, em particular para a orientação dos diferentes atores da oferta turística, como especificado no Quadro 3.2, e permitem que estes obtenham linhas orientadoras para a conceção inicial de um produto, equipamento ou instalação acessível. Kastenholz et al. (2010, p. 175) referem que a promulgação desta legislação constituiu uma contribuição significativa para aumentar a sensibilização e a efetiva criação de oportunidades para que as pessoas com mobilidade reduzida possam ter um maior acesso a atividades turísticas.

De salientar que não existe, no presente, um diploma legal específico para o turismo, mas sim um conjunto de artigos que permitem a adaptação, por exemplo, de vias públicas, edifícios e estabelecimentos em geral, que podem ser adaptados para que a indústria seja mais inclusiva.

Quadro 3.2 - Legislação com implicações diretas e indiretas para o turismo acessível Decreto-Lei Área de intervenção em termos de acessibilidade em espaços com

interesse para o turismo Decreto-Lei n.º 123/1997, de

22 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto

• Igrejas e outros edifícios destinados ao exercício de cultos religiosos (Art.º 2.º);

• Museus, teatros, cinemas, salas de congressos e conferências e bibliotecas públicas (Art.º 2.º);

• Edifícios ou instalações destinados a atividades recreativas e socioculturais (Art. 2.º);

• Instalações desportivas (Art.º 2.º);

• Espaços de recreio e lazer (ex.: jardins, praias, parques de diversões) (Art.º 2.º); • Estabelecimentos hoteleiros, meios complementares de alojamento turístico

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Decreto-Lei n.º 47/2004, de 19 de Agosto

• Apoio específico a visitantes com necessidades especiais (Art.º 59.º, alínea 1); • Promoção de condições de igualdade no usufruto cultural (Art.º. 59.º, alínea 2). Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7

de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de Setembro

• As condições de acessibilidade a satisfazer no projeto e na construção dos

empreendimentos turísticos devem cumprir as normas técnicas previstas no Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto (Art.º 6.º, alínea 1);

• Todos os empreendimentos turísticos, com exceção dos empreendimentos de

turismo de habitação e empreendimentos de turismo no espaço rural, devem dispor de instalações, equipamentos e, pelo menos, de uma unidade de alojamento, que permita a sua utilização por utentes com mobilidade reduzida (Art.º 6.º, alínea 2);

Decisão da Comissão Europeia 2010/48/EC

• Reconhece-se o direito das pessoas com deficiência a participar em pé de

igualdade com os outros na vida cultural. Serão tomadas todas as medidas apropriadas para assegurar que as pessoas com deficiência (Art.º 30.º, alínea 1):

o Tenham acesso a materiais culturais em formatos acessíveis (Art.º 30.º, alínea 1a);

o Tenham acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis (Art.º 30.º, alínea 1b); o Tenham acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos culturais,

como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e serviços turísticos, e, na medida do possível, a monumentos e locais de importância cultural nacional (Art.º 30.º, alínea 1c).

• Serão adotadas medidas adequadas para garantir às pessoas com deficiência a

oportunidade de desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, não só para seu próprio benefício, mas também para o enriquecimento da sociedade (Art.º 30.º, alínea 2).

• Serão adotadas medidas apropriadas, em conformidade com o direito

internacional, para garantir que as leis que protegem os direitos de propriedade intelectual não constituam uma barreira injustificável ou discriminatória ao acesso de pessoas com deficiência a materiais culturais (Art.º. 30.º, alínea 3).

• As pessoas com incapacidade têm o direito, em igualdade de condições com os

outros, ao reconhecimento e apoio da sua identidade cultural e linguística específica, incluindo as línguas de sinais e cultura surda (Art.º 30.º, alínea 4).

• Com vista a possibilitar às pessoas com deficiência participem, em igualdade de

condições com os outros no lazer, recreação e atividades desportivas, os Estados devem tomar medidas apropriadas para (Art.º 30.º, alínea 5):

o Incentivar e promover a participação, na medida do possível, das pessoas com deficiência nas atividades desportivas comuns em todos os níveis (Art.º. 30.º, alínea 5a);

o Garantir que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de organizar, desenvolver e participar de deficiência desportivas específicas e atividades recreativas e, para esse fim, incentivar a prestação, numa base de igualdade com os outros, de instrução adequada, treinamento e recursos (Art.º 30.º, alínea 5b);

o Garantir que as pessoas com deficiência tenham acesso aos desportivos, recreativos e turísticos (Art.º 30.º, alínea 5c);

o Garantir que as crianças com deficiência tenham acesso igual com as outras crianças, participar de jogos, recreação e atividades de lazer e desportivas, incluindo as atividades no sistema escolar (Art.º 30.º, alínea 5d);

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o Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso aos serviços prestados por pessoas envolvidas na organização de atividades recreativas, turismo, lazer e atividades desportivas (Art.º 30.º, alínea 5e).

Fonte: elaboração própria

As pessoas com mobilidade reduzida, face a este conjunto de artigos legislativos, veem a sua integração na sociedade resguardada pela igualdade e o direito à participação e aquisição de produtos turísticos. Contudo, e na prática, por vezes sucede o contrário. A lei, embora aplicada, não está devidamente operacionalizada no sentido de dar resposta às reais necessidades das pessoas com incapacidade. Por vezes, a própria legislação tem lacunas que não permitem responder a determinados pontos.

Existe então um longo caminho que precisa de ser percorrido no sentido de eliminar barreiras existentes, e com a finalidade última de que as pessoas com mobilidade reduzida possam usufruir ativamente dos produtos turísticos e disfrutar da qualidade de vida a que têm direito.

O Estado, enquanto stakeholder regulador, terá que possuir um papel ativo no delimitar de leis que vão ao encontro do referido anteriormente, e assegurar a correta aplicação das mesmas. Deverá alargar horizontes e incluir nos seus programas de desenvolvimento pessoas com conhecimento específico, bem como os próprios indivíduos com mobilidade reduzida, por forma a equilibrar os interesses do setor privado, público, da população local e dos visitantes (Kastenholz et al., 2012). Só assim, o enriquecimento da sociedade e o desenvolvimento de um ambiente espacial humano harmonioso poderá surgir, sempre em paralelo com a consciencialização desta para com as necessidades inerentes ao segmento do turismo acessível, bem como para o despoletar de atitudes mais positivas e proactivas no desenvolvimento de destinos acessíveis.

Recentemente, mais precisamente a 19 de Outubro do presente ano (2012), a Assembleia da República Portuguesa emitiu uma Resolução em que recomenda ao Governo o desenvolvimento de um programa estruturado, com as devidas linhas orientadoras para os diferentes atores do setor turístico, a fim de que Portugal possa ser citado, no prazo de 12 meses, como um destino atento às necessidades dos visitantes portadores de deficiência e/ou com mobilidade reduzida.

De modo a que Portugal possua um sistema turístico diligente para com as necessidades do segmento de mercado em estudo, e o desenvolvimento da estratégia referida, que promova o turismo acessível, seja implementada, o governo deverá (Resolução da Assembleia da República, nº 131/2012)

• Desenvolver, com caráter de urgência, uma estratégia integrada que promova o ‘Turismo acessível’ ou ‘Turismo para todos’ em Portugal, que englobe a promoção da acessibilidade universal e do desenho inclusivo e que proporcione a todos os cidadãos, independentemente da sua idade, condição motora, cognitiva ou sensorial, o acesso à

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informação que lhes permita planear os seus tempos de lazer e o acesso a uma prestação de serviços assente no reconhecimento pelos seus direitos, na primazia da mobilidade na escolha dos destinos e do seu efetivo usufruto;

• Incluir, na referida estratégia, programas de formação dos agentes para o acolhimento e atendimento a este grupo de cidadãos;

• Envolver na conceção, acompanhamento e concretização da estratégia as associações representativas das pessoas com deficiências e incapacidades e, também, as associações representativas do setor do turismo.

Passo evolutivo com bastante importância, este parece assim ser um caminho que começa a ser construído no sentido de ajustar o destino Portugal ao segmento de mercado das pessoas com mobilidade reduzida.

3.6 A procura turística: O caso específico do