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CAPÍTULO 2 O ADVENTO DO INTERVENCIONISMO

2.1 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E O CONCEITO DE INTERVENCIONISMO

A passagem do modelo de Estado mínimo ou Estado Policial para o de Estado- providência tem origem nas transformações econômicas, políticas e sociais provocadas pela Revolução Industrial, que constituiu um processo de industrialização pioneiro, rápido e

paradigmático, com início na década de 1770, na Grã-Bretanha, país que apresentou as condições adequadas para gerá-lo, em razão de sua economia forte, do grande número de trabalhadores e da disposição para se lançar na conquista de mercados. Entretanto, o incremento da indústria ocasionou consequências sociais adversas por volta de 1830 e no início de 1840. Com efeito, a transição para a nova economia deu origem à miséria e ao descontentamento, pois fatores de desequilíbrio entre o capital e o trabalho− a exemplo da extenuante jornada de trabalho, da baixa remuneração e da exploração da mão de obra infantil, que possibilitavam aos ricos acumularem os lucros que financiavam a industrialização − ocasionavam conflito com o proletariado. 87

Há de se observar que a insegurança dos trabalhadores do século XIX constituía, também, elemento de revolta, pois eles não sabiam ao certo quanto aufeririam com seu trabalho, não tinham nenhuma estabilidade e, se perdessem o emprego, não sabiam quanto tempo levariam para encontrar outra ocupação, além de não possuírem garantia alguma em caso de invalidez ou acidentes.88

À parte a questão econômica, nos países europeus, a classe média acreditava que os trabalhadores deveriam ser pobres, porque sempre haviam sido e porque a inferioridade econômica era um índice inerente à classe social da qual faziam parte. Dessa forma, a desigualdade de vida e de expectativas era considerada como parte do sistema.89

De início, a profunda insatisfação com esse quadro adverso levou os trabalhadores a reagir por meio da destruição das máquinas, em consequência do baixo nível de educação, da humilhação moral por se verem forçados a vender sua força de trabalho e de suas famílias a preços cada vez mais insignificantes, e pelo fato de terem de mandar seus filhos para o lavor ao invés de escolas, o que perenizaria a carência do proletariado.90

Após esses confrontos, ganhou força a ideia de que a intervenção do Estado era necessária para corrigir as falhas do mercado, observadas quando os mecanismos deste, não regulados pelo Estado e deixados livremente ao seu próprio funcionamento, originaram resultados econômicos não eficientes ou indesejáveis do ponto de vista social. Esse fenômeno é assim definido por Mitchell e Simmons:

Os economistas tendem a iniciar suas investigações sobre os mercados e seu funcionamento postulando um mercado perfeito; isto é, um no qual todas as

87 HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Trad. Maria Tereza Lopes Teixeira e

Marcos Penchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p. 64.

88 HOBSBAWM, Eric J. A era do capital, 1848-1875. Trad. Luciano Costa Neto. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

p. 334-335.

89 Ibid., p. 332-333.

90 ABENDROTH, Wolfgang. A história social do movimento trabalhista europeu. Trad. Ina de Mendonça.

oportunidades para trocas mutuamente vantajosas estejam sendo exploradas. Sob um quadro de rigorosos pressupostos sobre preferências, motivações e tecnologia, eles mostram que os mercados vão chegar a um ponto em que ninguém pode aumentar sua riqueza sem fazer com que alguém saia perdendo. Falhas de mercado simplesmente significam o fracasso dos mercados do mundo real em alcançar os padrões do mercado imaginário.91

Torna-se importante observar que a intermediação se processou por meio da elaboração de uma legislação social protetora e apta a fomentar o bem-estar dos indivíduos de forma igualitária. Dessa forma, ao ser compelido a produzir um sistema jurídico, o Estado avocou para si o papel de mediador da atividade econômica e do direito à propriedade, utilizando-se de todos os poderes que lhe são conferidos pelo exercício do monopólio da violência legal a fim de modificar o jogo do mercado. Esta foi, pois, a origem da passagem do modelo do Estado Mínimo ou Estado Policial para o do Estado-providência.

Cabe também registrar que, de acordo com Rosanvallon, o Estado- providência seria “um aprofundamento e uma extensão do Estado protetor clássico”.92 Consistiu, portanto, em mais um passo para a laicização da política, que buscou substituir a incerteza da providência divina pela certeza da providência do poder público, introduzindo ações positivas, tais como redistribuição de renda e regulamentação das relações trabalhistas.

No mesmo sentido, são as observações de Gomes, conforme o excerto a seguir transcrito:

Em célebre obra, na qual examina o crescimento da industrialização e da democracia, bem como o impacto e os problemas que esses fenômenos trouxeram à arte de governar, James M. Landis estabelece com certa perplexidade o confronto entre as ideias que se tinha acerca do papel do Estado no campo econômico no início do século XIX e no período pós-Lochner. Landis assinala que, se os avanços no campo dos transportes, das comunicações e da produção em massa constituíram elementos de transformação da ordem social, os problemas mais profundos relacionavam-se com as questões econômicas e sociais brotadas na era das invenções mecânicas. Para resolvê-los, algumas soluções foram extraídas do humanitarismo, mas o essencial mesmo veio da constatação, pelas classes dirigentes, da absoluta necessidade de se promover o bem-estar dos governados. Para isso, era preciso fazer concessões, a tal ponto que se chegou finalmente à conclusão de que o Estado do laissez-faire chegara à exaustão.93

Destarte, o Estado intervencionista – também denominado de Estado Social de Direito, Estado dirigista ou Estado-providência – encampou a responsabilidade do gerenciamento do processo econômico, voltado para a realização do desenvolvimento e do bem-estar social.

91 MITCHELL, William C.; SIMMONS, Randy T. Para além da política: mercados, bem-estar social e o

fracasso da burocracia. Trad. Jorge Ritter. Rio de Janeiro: Topbooks: Instituto Liberal, 2003. p. 39.

92 ROSANVALLON, Pierre. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. A crise do Estado-providência. Goiânia:

Editora da UFG; Brasília: Editora da UNB, 1997. p. 18-19.

93 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Agências reguladoras: a metamorfose do estado e da democracia. In:

BINENBOJM, Gustavo (Org.). Agências reguladoras e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 22- 23.

Assinale-se que, para Souza, apesar do caráter ambíguo do vocábulo intervencionismo, o termo conta com a preferência da doutrina, que sintetiza “ações racional e programadamente dispostas para a condução dos rumos da atividade econômica”.94

A ação intervencionista do Estado também trouxe consequências para o mundo jurídico, ocasionando importantes mudanças que conduziram à criação e à dinamização de mecanismos legais, principalmente no domínio econômico.

Nesse contexto, Sanchez Agesta afirma que a ação de intervenção do Estado pode se verificar em dois planos: definindo-se os princípios que constituem as bases de um sistema econômico na ordem constitucional ou estabelecendo-se instituições administrativas ou regulamentações no plano legislativo ou regulamentar, com vistas a dirigir o processo econômico ou a promover a reforma ou o desenvolvimento da ordem econômica ou social.95

Conforme José Roberto Dromi, a intervenção estatal, dividida em administrativa e legislativa, comporta as modalidades diretiva (ou ordenadora) e direta (ou prestacional). A primeira emprega instrumentos ou mecanismos estatais que forçam o sistema econômico até algum dos fins fixados pelo Estado. Já na segunda, o Estado atua na qualidade de sujeito econômico, participando e dirigindo atividades econômicas.96

Outrossim, essa intervenção direta pode ser por participação em situação de competência, ou, pelo menos, não substitutiva da atividade econômica privada, por exemplo, nas áreas de transportes, indústria automobilística; e por substituição de atividades econômicas privadas, que se incorporam ao setor público, a exemplo do petróleo, gás, energia e telecomunicações. Ressalte-se que, nessa classificação, a intervenção legislativa é representada pela intervenção diretiva ou ordenadora, ao passo que a intervenção administrativa ocorre de forma direta ou prestacional.97

É relevante observar que também a doutrina italiana, representada por Guido Zanobini, adota uma classificação que reconhece dois tipos de intervenção: a legislativa e a administrativa. A primeira consistiria em um complexo de normas, ao passo que a segunda assumiria uma série de formas interessantes e numerosas, a exemplo do exercício direto de

94 SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões. Rio de Janeiro:

AIDE, 1984. p. 67.

95 AGESTA, Luis Sánchez. Constitucion y economia: la ordenacion del sistema economico en las

constituciones occidentales. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1977, p. 7.

96 Citado por SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões. Rio de

Janeiro: AIDE, 1984. p. 57.

atividades econômicas e da direção e do controle da atividade econômica exercida por empresas privadas.98

Ainda, segundo o magistério de Baena de Alcazar, a intervenção estatal pode concretizar-se pelos três Poderes, havendo a intervenção administrativa, a legislativa e a judicial, ressaltada a relevância das duas primeiras. 99

Nesse sentido, vale mencionar a lição de Carvalho Filho, que enfatiza o fenômeno da constitucionalização normativa, definido como o estabelecimento de regras jurídicas regulamentadoras da ordem econômica em diversas Constituições, passando, dessa forma, os princípios contidos nas normas a serem obrigatórios a toda a sociedade e ao próprio Estado, constituindo capítulos de regulação específica e formando postulados sobre a matéria. 100

Acrescente-se, ademais, a classificação de Daniel Moore Merino, que menciona medidas ou meios de intervenção direta e indireta. Nas primeiras, o Estado impõe aos particulares uma ação ou omissão, aberta e exclusivamente com fins de política econômica. Nas indiretas, o Estado cumpre ou executa seus objetivos recorrendo a decisões, tais como concessão de subvenções, incentivos econômicos, privilégios tributários ou creditícios.101

Também na doutrina nacional, Souza destaca algumas classificações quanto às formas de atuação do Estado em relação ao processo econômico e menciona a opinião de Fernando Albino de Oliveira, o qual afirma que existem apenas duas modalidades de intervenção: o exercício do poder de polícia e a atuação por entidade da Administração Indireta, com subordinação aos mesmos princípios aplicáveis ao particular.102

Já para Eros Roberto Grau, existem três modalidades. A primeira, denominada de intervenção por absorção ou participação, que se verifica quando a organização estatal assume, parcialmente ou não, o capital de unidades econômicas que detêm o controle patrimonial dos meios de produção e troca ou participa dele. A segunda, chamada de intervenção por direção, tem lugar quando a organização estatal passa a exercer pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica. Por fim, a terceira modalidade (intervenção por indução)

98 Citado por SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões. Rio de

Janeiro: AIDE, 1984. p. 57-58.

99 Ibid, p. 58.

100 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2007. p. 798-799.

101 Citado por SOUZA, op. cit., p. 58.

102 SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões. Rio de Janeiro:

ocorre quando a organização estatal manipula o instrumental de intervenção em consonância e conformidade com as leis regentes do mercado.103

Do mesmo modo, merece registro a classificação de Vinicius Marins, para quem há cinco formas operacionais do intervencionismo. A primeira é a por legislação, na qual o Estado prevê, por normas, seja no âmbito das regras gerais, seja no nível das regras de execução, procedimentos que passam a ser exigíveis no comportamento dos particulares. A modalidade por estímulos financeiros ou fiscais constitui poderoso instrumento interventivo, uma vez que os governos dispõem de uma variada linha de utilização dos tributos. Essa forma de influência na vida privada objetiva os mais diversos efeitos na distribuição de rendas, na proteção de mercados e na indução de projetos de desenvolvimento, por atributo das espécies tributárias que se tem denominado de extrafiscalidade. 104

A essa alternativa alia-se a possibilidade de o Estado – carreador de recursos financeiros – aplicar, de acordo com as prioridades de política econômica, injeções de financiamento nos negócios particulares. A intervenção por fomento atribui ao Estado uma atuação de provedor de bases (infraestrutura) para subsidiar o particular no empreendedorismo. Por fim, registre-se a modalidade por presença estatal direta na atividade econômica.105

Pondera também Di Pietro que o intervencionismo representou o crescimento do poder de polícia, tendo em vista o elenco de atribuições assumidas pelo Estado, bem como a mudança de interpretação do sentido do princípio da legalidade, que se desvinculou da ideia de justiça. A autora enumera alguns motivos para as alterações no referido princípio, quais sejam, perda do caráter de generalidade e abstração em virtude da atuação de grupos, classes e partidos políticos; multiplicação das leis, que provocou instabilidade jurídica; visão meramente formal da lei, que ocasionou um controle igualmente formal e fez com que esta deixasse de ser vista como instrumento de garantia dos direitos individuais. Ainda, a administrativista ressalta a ocorrência do fenômeno da instrumentalização do direito, que passou a ser utilizado como meio de ação estatal.106

Entretanto, aduz a autora que houve pontos positivos quanto à transformação do princípio da legalidade, consoante se depreende do seguinte trecho:

103GRAU, Eros Roberto. Planejamento econômico e regra jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p.

23-24.

104 MARINS, Vinicius. Direito econômico e intervencionismo consensual: o caso das parcerias público-privadas.

In: OLIVEIRA, Amanda Flávio de (Coord). Direito econômico – evolução e institutos: obra em homenagem ao Professor João Bosco Leopoldino da Fonseca. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 72-73.

105 MARINS, op. cit., p. 72-73.

106 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito regulatório: temas polêmicos. 2. ed. rev. atual. Belo

[...] em primeiro lugar, passou-se a exigir a submissão de toda a Administração Pública à lei, substituindo-se a anterior doutrina da vinculação negativa pela doutrina da vinculação positiva da Administração à lei, significando-se, com isto, que a Administração só pode fazer o que a lei permite. A discricionariedade deixou de ser poder político e passou a ser poder jurídico, tendo em vista que não mais se reconhece a existência de espaço livre de atuação administrativa. Toda a atuação da Administração submete-se ao princípio da legalidade [...].107

Vale lembrar que uma das maiores intervenções estatais ocorreu em virtude da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, em 1929, e da grande depressão que assolou o mundo capitalista. Essa crise representou uma baixa generalizada da produção em quase todo o mundo industrializado, à exceção da União Soviética e do Japão; e o desencadeamento oficial do desequilíbrio econômico foi registrado em 24 de outubro de 1929, com a abrupta queda das cotações da Bolsa de Nova Iorque, em virtude da grande especulação que comprometeu o sistema financeiro internacional.108

Com efeito, Nova Iorque atraiu capitais estrangeiros que serviam para a aquisição direta de ações ou para o financiamento de investimento ou call loans (empréstimos em dinheiro para compra de ações). Porém, a baixa das cotações, iniciada em 3 de outubro de 1929, arruinou vários especuladores e trouxe dificuldades aos bancos, uma vez que o mecanismo do call loans requeria a elevação das cotações.109

Naquele ano, a desculpa para a derrocada da Bolsa de Nova Iorque foi a falência fraudulenta, em 20 de setembro, em Londres, de um empresário (Clarence Hatry) que vivia de expedientes e que construiu um império explorando atividades de acessórios fotográficos, caça-níqueis e diversas sociedades financeiras.110

Há de se registrar a situação precária dos grandes mercados internacionais de matérias- primas, de produtos agrícolas e industriais durante os anos 1920, quando a depressão agrícola advinda de uma elevada queda dos preços dos produtos ocasionou grandes dificuldades financeiras para os camponeses endividados e um empobrecimento paulatino dos demais setores em decorrência disso, originando um efeito dominó. 111

Assim, o comprometimento da conjuntura industrial induziu uma retração das trocas internacionais e uma fraca demanda por matérias-primas, cujos preços caíram, levando os países produtores de tais matérias a reduzirem a compra de manufaturados. Do mesmo modo, os países industrializados passaram a receber produtos mais baratos e buscaram proteção sob

107 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito regulatório: temas polêmicos. 2. ed. rev. atual. Belo

Horizonte: Fórum, 2004. p. 32.

108 GAZIER, Bernard. A crise de 1929. Tradução de Julia da Rosa Simões. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 9. 109 Ibid., p.28-29.

110 Ibid., p.30. 111 Ibid., p. 33-34.

a forma de barreiras alfandegárias e desvalorizações. O mecanismo foi reforçado por desequilíbrios de preços advindos de uma capacidade de resistência às baixas desiguais dos mercados.112

Em virtude da diminuição da procura, os produtos cujas quantidades poderiam ser rapidamente reduzidas tiveram suas cotações mantidas; enquanto as dos demais despencaram. Na primeira hipótese, havia os produtos industriais e controlados por acordos que reorganizavam os grandes produtores. Já na segunda, os produtos agrícolas e de base e os mercados guiados por uma forte concorrência. Assim, a redução da quantidade dos primeiros induziu a uma fraca procura de produtos de base e, consequentemente, à baixa de preços do segundo grupo, comprometendo os rendimentos dos produtos de base, adquirentes dos produtos industriais.113

Ainda, torna-se importante considerar que a reticência dos consumidores em relação aos bens duráveis e o recuo da construção, aliados à já referida dificuldade no setor agrícola, levaram os empresários a refazerem suas previsões, seus projetos e contratações, o que conduziu a demissões e a reduções de carga horária de operários e a baixa do investimento bruto.114 Dessa forma, tem-se que a depressão representou uma drástica redução do crédito e da confiança.

As intervenções públicas começaram em 1929, mediante ações como injeção monetária no sistema bancário, com a compra de títulos ou a retirada de liquidez por meio da venda deles (open market). Nos Estados Unidos, o presidente Herbert Hoover anunciou também reduções de tributos com o objetivo de manter o poder de compra. Em 1931, o governo norte-americano estabeleceu novas medidas interventivas, tais como auxílios aos desempregados mediante subvenções aos Estados locais; redes de empréstimo de urgência e compras de produtos agrícolas. Em 1932, o presidente norte-americano criou o

Reconstruction Finance Corporation, de capital totalmente público, para a concessão de

adiantamentos a sociedades financeiras em dificuldades e flexibilizou a legislação bancária por intermédio do Glass-Steagall Act.115

No final do ano de 1932, chegou ao poder, nos Estados Unidos, o presidente Roosevelt, defensor das intervenções federais. Nos cem primeiros dias de seu governo, promoveu intensa atividade reformista (New Deal), tais como a reestruturação bancária, que

112 GAZIER, Bernard. A crise de 1929. Tradução de Julia da Rosa Simões. Porto Alegre: L&PM, 2009. p. 34-

37.

113 Ibid., p. 37. 114 Ibid., p. 41. 115 Ibid., p. 43-44.

aumentou o controle federal nos bancos e impôs a separação entre bancos de depósito e de negócios, concedendo novas garantias aos depositantes e reforçando o papel de banqueiro do Estado; as reformas na Bolsa de Valores por meio da fiscalização das operações de bens móveis; a injeção de capitais no sistema econômico, flexibilizando as condições de criação monetária e a criação de grandes projetos financiados por empréstimos; a flutuação do dólar, por intermédio da suspensão das transações sobre o ouro, após a depreciação da moeda com uma política de compra de ouro em cotações crescentes; a criação da Civil Work

Administration e da Federal Emergency Administration, dois órgãos encarregados

respectivamente de organizar os empregos públicos e de distribuir fundos de ajuda; o enquadramento da atividade industrial pelo National Industrial Recovery Act (NIRA) e uma série de medidas complementares consubstanciadas em códigos específicos por indústria, prevendo a redução da semana de trabalho para trinta e cinco horas, o salário mínimo, a liberdade sindical e inúmeros acordos de autolimitação da produção e da cartelização dos mercados; a implementação do Agricultural Adjustment Act para conter a crise agrícola, juntamente com outras cláusulas que concediam novos créditos aos fazendeiros, bem como subsídios à limitação da produção, facilitando as redistribuições de terras e a modernização.116

O elenco de medidas demonstra o alcance do intervencionismo efetivado pelo Presidente Roosevelt que, de início, encontrou a resistência da Suprema Corte, que as invalidava por considerá-las contrárias à Constituição. Porém, quando reeleito, em 1936, conseguiu reverter o posicionamento daquela Corte.

A figura de Roosevelt marcou os anos 1930, transformando o capitalismo americano com ambições reformistas procedentes de princípios diversos dos defendidos por John Maynard Keynes, já que combatia com veemência a política de déficit orçamentário.117

Cumpre destacar que foi nos Estados Unidos que surgiram os primeiros movimentos