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CAPÍTULO 4 O FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL E OS ACORDOS

4.3 AS RELAÇÕES DO FMI COM O BRASIL

O Brasil integra o FMI desde a data do depósito do instrumento de ratificação do Convênio Constitutivo original, em 14 de janeiro de 1946310, documento que foi aprovado no País mediante o Decreto-lei 8.479, de dezembro de 1945, e promulgado pelo Decreto 21.177, de 27 de maio de 1946.311

O primeiro acordo stand-by foi firmado em 1958, no Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, em virtude de problemas inflacionários e de balanço de pagamentos. Entretanto, o plano de ajuda financeira foi suspenso em junho de 1959, por iniciativa do Presidente, uma vez que as medidas exigidas pelo Fundo iam de encontro ao Plano de Metas, que incluía a construção de Brasília e era considerado prioritário.312

Quanto ao processo de elaboração da carta de intenções do acordo stand-by, no direito brasileiro registra-se controvérsia concernente à participação do Poder Legislativo. Observa- se que, embora, desde a Constituição de 1891, esteja prevista a atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo na processualística da celebração de tratados internacionais, a natureza jurídica dos acordos stand-by suscita dúvidas quanto à necessidade da atuação dos dois Poderes.313

Destaca Cachapuz de Medeiros que, apesar da expansão dos ideais democráticos, “o Chefe do Executivo continua, como no tempo das monarquias absolutas, desempenhando um papel preponderante na celebração de tratados”. 314

Acerca da celebração de tratados internacionais, a atual Constituição brasileira assim dispôs:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...]

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;315

310 MACEDO, Leonardo Andrade. O Fundo Monetário Internacional e seus acordos stand-by. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 29-30.

311 Ibid., p. 14.

312 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Natureza jurídica dos Acordos Stand-by com o FMI. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005. p. 94-95.

313 MACEDO, op. cit., p. 80.

314 MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O poder de celebrar tratados: competência dos poderes

constituídos para celebração de tratados, à luz do direito comparado e do direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1995. p. 477.

315 BRASIL. Constituição Federal, de 5 de setembro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do

Desse modo, pondera Macedo que se depreende do dispositivo mencionado que ao Chefe do Poder Executivo é atribuída a capacidade para comandar, em nome do País, todas as etapas internacionais da celebração de tratado e de outros atos da política externa.316

As fases que envolvem a celebração de tratado contam com a participação dos Poderes Executivo e Legislativo. O primeiro assume o processo inicial de negociação de um acordo, subscrevendo-o ao final, e, em seguida, pretendendo dar continuidade ao processo de conclusão do tratado, deve submetê-lo ao Legislativo.317

Com a anuência parlamentar, cabe ao Executivo realizar, de acordo com juízo de conveniência e oportunidade, a ratificação ou a adesão ao documento, optando, em última instância, por submeter o Estado à obrigatoriedade jurídica do instrumento no âmbito internacional. No plano interno, compete ao Presidente da República promulgar e publicar o decreto, informando a ratificação e a entrada em vigor do tratado.318

Acrescenta o autor, contudo, que o Chefe do Executivo é auxiliado por outros órgãos da Administração Pública Federal, sobretudo, pelo Ministério das Relações Exteriores.319 A respeito desse auxílio, é importante registrar a existência do decreto n. 4.759, de 21 de junho de 2003, dispondo sobre a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas do Ministério das Relações Exteriores.320 De acordo com o referido ato normativo, o representante do Governo Brasileiro, à exceção do Presidente da República e do Ministro das Relações Exteriores, ao realizar atos internacionais, deve comprovar sua condição, por meio de carta, na qual estão contidos poderes plenos – ou credenciais –, com os quais o Presidente o designa para atuar naquela função.321

Em relação aos acordos stand-by, as negociações são realizadas pelo Ministro da Fazenda e pelo Presidente do Banco do Brasil, que são investidos na função de representantes do Governo no Conselho de Governadores do FMI. Nesse processo, estas autoridades apresentam ao FMI solicitação de auxílio (request for assistance), que enseja o encaminhamento ao País de uma missão formada por funcionários da instituição para participar de reuniões com os agentes governamentais, objetivando definir, com as

316 MACEDO, Leonardo Andrade. O Fundo Monetário Internacional e seus acordos stand-by. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 82.

317 Ibid. 318 Ibid. 319 Ibid.

320 BRASIL. Decreto nº 4.759, de 21 de junho de 2003. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro

Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério das Relações Exteriores, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jun. 2003. p. 9. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4759.htm>. Acesso em: 10 out. 2011.

autoridades locais, o mecanismo de auxílio financeiro que será utilizado, bem como as condições da operação. Com a conclusão das negociações, o Ministro da Fazenda e o Presidente do Banco Central encaminham ao Diretor-Gerente do FMI a Carta de Intenções, na qual solicitam formalmente a concessão do empréstimo. É relevante notar que esse mecanismo de concessão de crédito é feito em parcelas e comporta revisões das condicionalidades e dos prazos para seu cumprimento.322

A Carta é acompanhada de dois documentos: um Memorando de Política Econômica – MPE – e um Memorando Técnico de Entendimentos – MTE. O MPE elenca as medidas que o Governo tenta adotar para recuperar o equilíbrio econômico e os avanços que têm sido alcançados. Nele constam as justificativas que levam o País a solicitar o auxílio, bem como as políticas econômicas que se pretendem adotar e os objetivos que se buscam ao longo do tempo previsto para a operação. O MTE define os critérios específicos de desempenho, as metas indicativas e os pressupostos que serão aplicados no programa para o país, além de listar dados específicos que as autoridades fornecerão à equipe técnica do Fundo responsável pelas avaliações periódicas. É importante observar que o segundo memorando contém um detalhamento dos aspectos técnicos implícitos aos planos do governo previstos no MPE. 323

Com a aprovação do programa de crédito pela Diretoria Executiva do Fundo, tem início a liberação das primeiras parcelas do empréstimo e as revisões previstas no tem. A cada revisão, encaminha-se uma nova carta de intenções ao Diretor-Gerente do FMI, subscrita pelo Ministro da Fazenda e pelo Presidente do Banco Central. Além da descrição da evolução do cenário econômico e dos resultados da avaliação, a Carta relata os esforços do Governo para cumprir as metas acertadas, sendo possível a proposta de algumas modificações ou a reafirmação da intenção de manter o projeto conforme acertado originalmente.324

Verifica-se que não há participação do Poder Legislativo no processo de elaboração das cartas de intenção, pois o referido entendimento advém da ideia de que a atuação do Congresso Nacional já estaria suprida em virtude da prévia aprovação do Convênio Constitutivo do FMI e de suas respectivas emendas.325

Nesse sentido se manifestou o então Ministro de Estado da Fazenda, Pedro Malan, quando de seu pronunciamento na abertura da entrevista coletiva para apresentação do Acordo entre Brasil e FMI, em 13 de novembro de 1998. O Ministro Pedro Malan afirmou

322 MACEDO, Leonardo Andrade. O Fundo Monetário Internacional e seus acordos stand-by. Belo

Horizonte: Del Rey, 2007. p. 83.

323 Ibid.

324 MACEDO, op. cit. 325 Ibid., p. 112.

que esse documento, por ser uma operação de troca de moedas por direitos especiais de saque no Fundo, estabelecida de longa data, não necessitava de aprovação formal do Senado.326

Desse modo, os acordos stand-by representariam tão somente atos que disporiam sobre questões práticas e casuísticas da cooperação prevista no Convênio Constitutivo.

Em outro sentido, há o entendimento de que, por viabilizar operação externa de natureza financeira de interesse da União, referidos acordos demandariam a anuência do Senado Federal, consoante expresso no artigo 52, V, da Constituição Federal.327

E mencione-se a disposição do artigo 49, I, do Texto Constitucional, que confere ao Congresso Nacional competência exclusiva para “resolver definitivamente sobre [...] atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.328

Para Macedo, o objetivo dos constituintes era impor limites à discricionariedade do Poder Executivo para a realização de operações financeiras com organizações internacionais, pois do confronto dos dispositivos mencionados – artigos 49, I, e 52, V, da Constituição – depreende-se que as cartas de intenções extrapolam o âmbito financeiro, podendo repercutir nas mais variadas áreas de importância social – tributação, educação, saúde, previdência etc. Dessa forma, estaria caracterizada a necessidade de participação do Poder Legislativo nesse processo. Contudo, deve-se atentar que não há um instrumento que obrigue o Poder Executivo a encaminhar as cartas de intenções para apreciação do Legislativo.329

Quanto ao cumprimento pelo Brasil dos programas firmados com o FMI, foi necessária a modificação da legislação em vigor, com a participação do Poder Legislativo. Com efeito, assim pode ser observado nos acordos stand-by celebrados entre Brasil e FMI, nos anos de 1998 e 2005. Em outubro de 1998, para conter os avanços dos efeitos da crise da Rússia e promover os ajustes da balança de pagamentos, o Governo brasileiro firmou, em 13 de novembro de 1998, como medida complementar às de âmbito interno, um programa de crédito concedido pelo FMI, mediante o sistema de stand-by, no valor aproximado de US$ 18 bilhões. A essa modalidade associou-se ainda uma Supplemental Reserve Facility – SRF.

Deve-se assinalar que este estudo abrangerá o período entre 1998 e 2005 para melhor demonstrar em que momento foi estabelecido o compromisso da edição da lei de insolvência

326 BRASIL. Ministério da Fazenda. Pronunciamentos: Transcrição da fala do ministro Pedro Malan na abertura

da entrevista coletiva de apresentação do acordo entre Brasil e FMI. Brasília, 13 nov. 1998. Disponível em: < http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/1998/P981113.asp>. Acesso em: 15 jun. 2011.

327 BRASIL. Constituição Federal, de 5 de setembro de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do

Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 Set. 1988. , p. 1.

328 Ibid.

329 MACEDO, Leonardo Andrade. O Fundo Monetário Internacional e seus acordos stand-by. Belo

empresarial, tema da dissertação, uma vez que o acordo inicialmente firmado, em novembro de 1998, passou por diversas revisões, alterações e cancelamentos, conforme será examinado.

O acordo aprovado pelo Conselho de Administração do FMI, em 2 de dezembro de 1998, foi submetido a sete avaliações até setembro de 2001, tendo atingido algumas das condicionalidades que o Pais se propôs a cumprir. Mas o Governo brasileiro solicitou o seu cancelamento e firmou novo programa de crédito, que perduraria até dezembro de 2002. O novo programa previa a concessão de recursos no valor de US$ 15 bilhões – 25% (vinte e cinco por cento) na modalidade de acordo stand-by e 75% (setenta e cinco por cento) pelo sistema da supplemental reserve facility –, com o objetivo prevenir os efeitos dos choques externos e as consequências da crise energética interna.330 É importante notar que, como uma das condições, o País se comprometeu a rever os procedimentos de falência, a fim de reduzir o spread bancário.331;332

Após a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Governo reiterou seu compromisso de seguir aquela norma e de prosseguir nas reformas, entre as quais se inseria a edição de um novo conjunto de regras relativas ao sistema de insolvência empresarial.333

Posteriormente, em 29 de agosto de 2002, após quatro avaliações, em carta dirigida ao Diretor-Geral do FMI, o Governo brasileiro solicitou o cancelamento do programa e requereu a aprovação de novo acordo, no valor aproximado de US$ 30 bilhões e com prazo de 15 meses. O programa contava com o apoio dos candidatos que lideravam as pesquisas na eleição presidencial e que tinha por finalidade diminuir as incertezas no campo externo e reduzir a preocupação em relação à orientação da política macroeconômica após a eleição, facilitando a transição para o governo que assumiria a Administração Federal a partir de 2003.334

De início, o Memorando de Política Econômica que acompanhava o Acordo descreveu o andamento da economia nacional, firmando compromisso de avançar nas alterações legislativas já avençadas, ressaltando-se que, para o fortalecimento do setor bancário,

330 BRASIL. Ministério da Fazenda. Ajuste fiscal: Brasil faz novo acordo com o FMI. Brasília, 08 ago. 2001.

Disponível em: < http://www.fazenda.gov.br/PORTUGUES/FMI/fminoac2.asp>. Acesso em: 16 jun. 2011.

331 BRASIL. Banco Central do Brasil. Departamento de Estudos e Pesquisas. Juros e spread bancário no

Brasil. Brasília, 1999. p. 3. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/juros-spread1.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2011.

332 Spread bancário pode ser definido como a diferença entre as taxas de juros básicas (de captação) e as taxas

finais (custo do tomador).

333 BRASIL. Banco Central do Brasil. Departamento de Estudos e Pesquisas, op. cit. 334 BRASIL. Ministério da Fazenda, op. cit.

prometia envidar esforços para o aprimoramento das regras relativas ao sistema de insolvência empresarial, com vista à redução dos spreads na concessão de empréstimos.335

Em novembro de 2003, o Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva requereu prorrogação do programa anterior por mais 15 meses, de modo a abranger todo o ano de 2004. Solicitou também a disponibilização de mais 4.554 milhões de DES, quantia equivalente a US$ 6,66 bilhões, para saque em caso de necessidade.336

O documento descreveu o cenário da economia brasileira, fixando meta de superávit primário. Dentre os compromissos, reportou-se à edição da nova Lei Falimentar, naquele momento em processo de apreciação e votação pelo Poder Legislativo.337

Em setembro de 2004, na Carta de Intenção referente à oitava revisão do Acordo, o Governo brasileiro finalmente relatou ao Fundo a aprovação da Lei de Falências, pelo Senado. O Governo comunicava que os critérios de desempenho e os parâmetros de referência estruturais para a oitava revisão haviam sido cumpridos.338

Na Carta de Intenção referente à nona revisão do acordo, o Governo brasileiro reiterou ao FMI o compromisso de elevar o potencial produtivo do Brasil e de sustentar o crescimento no médio prazo. E consignou que a lei de falências encontrava-se pronta para votação na Câmara dos Deputados.339

Por fim, na exposição de motivos sobre o Acordo com o FMI, datada de 28 de fevereiro de 2005, o Governo brasileiro decidiu não mais renovar o programa de auxílio financeiro, por julgar já recuperadas e sólidas as bases da economia do País, e por último informou a aprovação do novo regime de insolvência empresarial, que entrou em vigor em 9 de fevereiro daquele ano.340

Após essa análise sobre os sucessivos acordos stand-by que o Brasil manteve com o FMI desde o final de 1998, infere-se que a alteração no regime de insolvência empresarial do País adveio como condição para a obtenção de recursos disponibilizados pela referida organização.

335 BRASIL. Ministério da Fazenda. Ajuste fiscal: Brasil: memorando de política econômica. Brasília, 4 set.

2002. Disponível em: < http://www.fazenda.gov.br/PORTUGUES/FMI/fmimpe12.asp>. Acesso em: 16 jun. 2011.

336 BRASIL. Ministério da Fazenda. Intenções FMI. Brasília, 21 nov. 2003. Disponível em: <

http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/carta_INTENCOES_FMI_vfinal.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2011.

337 Ibid.

338 BRASIL. Ministério da Fazenda. Notas oficiais: [Carta de intenções referente à oitava revisão do acordo].

Brasília, 08 set. 2004. Disponível em: <http: www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2004/r230904.asp> Acesso em: 20 jun. 2011

339 Ibid.

340 BRASIL. Ministério da Fazenda. Exposição de motivos sobre acordo com o FMI. Brasília, 28 fev. 2005.

CAPÍTULO 5 - REPERCUSSÕES DO NEOLIBERALISMO NO SISTEMA