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CAPÍTULO 5 REPERCUSSÕES DO NEOLIBERALISMO NO SISTEMA

5.3 AS ALTERAÇÕES NO SISTEMA DE INSOLVÊNCIA EMPRESARIAL

Promulgado em 9 de fevereiro de 2005, o novo regime de insolvência veio conferir maiores garantias aos investimentos e desenvolver a vertente social da atividade empresarial mediante maior celeridade na tramitação da execução coletiva e ênfase na recuperação da empresa , fonte geradora de empregos e tributos.

356 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de recuperação de empresas e falência: lei 11.101/2005:

comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 198.

5.3.1 A exposição de motivos da Lei 11.101/05

De acordo com os preceitos neoliberais, a exposição de motivos da Lei 11.101/2005 demonstrou a necessidade da edição de uma norma atinente ao regime falimentar mais célere e atribuiu mais garantia aos credores e devedores, salvaguardando também a atividade empresarial.

Consignou-se que a intervenção do Ministério Público ficaria adstrita à reabilitação civil do falido e à verificação da existência de crimes falimentares, sendo ouvido antes da prolação de decisões em que estivesse presente o interesse público.

Registrou-se a substituição do instituto da ‘concordata suspensiva’ pelo da ‘recuperação da empresa’, com o intuito de proteger o interesse da economia nacional e o dos trabalhadores na preservação de seus empregos. Ressaltou-se que, na recuperação da empresa, seriam feitos o plano de saneamento e o plano de solução do passivo, bem como elaborada a demonstração da viabilização de se efetivar o primeiro.

Todas as alterações visaram à simplificação dos procedimentos, à dilação dos prazos de pagamento aos credores, à redução de despesas com publicações obrigatórias e ao sobrestamento das execuções por dívidas não sujeitas aos seus efeitos.

Enfatizou-se a forma de venda dos bens da empresa com a utilização do leilão que, a princípio, obedecerá à seguinte ordem de preferência: a empresa como unidade, bens em bloco e bens isolados, após avaliação de um perito nomeado pelo juiz. Ainda, é possível a adoção de outras formas de alienação, sempre se observando as peculiaridades do caso e depois da autorização judicial. Previu-se a figura do síndico (posteriormente denominado de administrador judicial), responsável pela administração dos bens do falido e pela elaboração dos projetos de pagamento aos credores, competindo-lhe, ainda, a propositura de ação de responsabilidade civil em face de administradores, conselheiros fiscais e liquidantes que hajam causado prejuízo, ressaltando-se que os responsáveis pela empresa arcariam com os prejuízos decorrentes de atos ilícitos, sendo obrigados a cobrir o passivo na hipótese de extinção do processo de falência por falta de ativo, cabendo a legitimação ativa ao síndico (administrador judicial), ao Ministério Público e aos credores.

Consignou-se a aplicação de reclusão de dois a oito anos e multa para as sanções penais advindas da falência, majorando-se a apenação em um terço na hipótese de o falido ter atuado na qualidade de conselheiro, administrador, gerente ou liquidante da atividade.

5.3.2 A Lei de Insolvência Empresarial

A fim de receber os empréstimos solicitados ao FMI, o Governo Brasileiro se comprometeu a editar, entre outros, um novo regramento sobre insolvência empresarial, com vistas a uma maior proteção dos investimentos, o que ocorreu em 9 de fevereiro de 2005, sendo promulgada a Lei nº 11.101/05.

A par do disposto na exposição de motivos, a lei alterou, sobretudo, os pontos a seguir registrados. A medida de preservação do devedor referente à falência deixa de ser a concordata (seja ela preventiva ou suspensiva) e passa a ser a recuperação judicial. As principais diferenças entre esses institutos são: a concordata constituía-se em um direito ao qual todo empresário que preenchesse as condições legais tinha acesso, não se considerando a viabilidade de sua recuperação econômica. Já a recuperação judicial beneficia apenas o empresário que conte com uma atividade econômica passível de reorganização; a concordata produzia efeito apenas em relação aos credores quirografários, já o novo instituto sujeita todos os credores, até mesmo os que possuem privilégio ou preferência, à exceção dos créditos fiscais (pagos ou parcelados antes da concessão do benefício), sendo a única limitação a exigência para que o pagamento das dívidas trabalhistas ocorra em um ano; na concordata, o sacrifício imposto aos credores já vinha definido na lei (dividendo mínimo) e era escolhido pelo devedor de forma unilateral, já na recuperação, o sacrifício, caso exista, é limitado no plano e aprovado por todas as classes de credores e, se o devedor for microempresário ou empresário de pequeno porte, a recuperação judicial pode obedecer a um rito simplificado.

Registre-se ainda que o pedido de falência perdeu, em parte, a característica de medida coercitiva. Diversas alterações indicam isso, dentre elas as seguintes: na nova lei só há possibilidade do requerimento de falência se o valor da dívida em atraso superar o mínimo estabelecido, que é de quarenta salários mínimos; a nova lei também dispõe que a simples apresentação de plano de recuperação, no prazo para a contestação, obsta a decretação da falência, arrimado na impontualidade injustificada; e amplia-se o prazo para contestação (ou depósito elisivo) de vinte e quatro horas para dez dias.

Outra alteração refere-se à venda dos bens do falido (realização do ativo) passível de ser concretizada desde logo, não estando condicionada à conclusão da fase cognitiva (verificação dos créditos e investigação dos crimes falimentares) conforme ocorria sob a vigência da lei de 1945. Outrossim, a venda dos bens perecíveis, sujeitos a considerável desvalorização, de conservação arriscada ou dispendiosa, passa a poder ser realizada de forma antecipada.

Ainda no concernente à venda dos bens do falido, a nova regulamentação prevê uma ordem de preferência: alienação da empresa com a venda de seu estabelecimento em bloco; alienação da empresa com a venda de unidades de forma isolada; alienação em bloco dos bens que integram o estabelecimento; alienação parcelada ou individual dos bens e uma nova modalidade de venda, além das já existentes (leilão ou propostas), que é o pregão, ressaltando-se que a escolha da forma compete ao magistrado e não mais ao administrador judicial.

A nova legislação prescreve que o adquirente dos bens do falido ou do requerente da recuperação judicial (neste último caso, se houver previsão no plano aprovado em juízo) não se torna sucessor deles quando a alienação ocorrer em hasta judicial.

Consoante o comentário à exposição de motivos, a participação do Ministério Público na falência sofreu profunda alteração, só atuando o MP quando houver indícios de crime, desobediência à lei ou ameaça de lesão ao interesse público, à exceção de intervenções específicas, como, por exemplo, impugnação à venda e rescisão de crédito admitido.

Também foi alterada a participação do administrador judicial que, com menos autonomia que o antigo síndico, tem os critérios de remuneração redefinidos, sendo realizada de forma extraconcursal (paga antes dos credores). Do mesmo modo, a forma pela qual será procedida a realização do ativo passa a ser atribuição do magistrado, o que antes cabia ao síndico. Ainda, cria-se um novo órgão na falência, denominado de Comitê, e amplia-se a função da Assembléia dos Credores.

Importante ressaltar a mudança no pedido de restituição de mercadorias entregues nos quinze dias anteriores ao requerimento da falência, que não poderá ser atendido caso elas já tenham sido alienadas pelo próprio devedor (antes da falência). De acordo com a lei anterior, apenas a alienação da mercadoria pela massa falida (fosse na liquidação ou em venda antecipada) impedia a restituição.

Igualmente, houve modificação na ordem de classificação dos credores, sendo que as vítimas de acidente de trabalho passaram a concorrer com os empregados titulares de direitos trabalhistas, estes com limitação de cento e cinquenta salários mínimos por credor. Os titulares de garantia real passaram a ter preferência sobre os credores fiscais. As despesas com a administração da falência, inclusive a remuneração do administrador judicial e as restituições em dinheiro passaram a ser pagas antes dos credores, constituindo os denominados créditos extraconcursais.

Também passaram a ser pagos antes dos demais credores aqueles que outorgaram crédito (não quirografário) ao falido enquanto tramitava a recuperação judicial. Se o crédito

for quirografário, ele é reclassificado para privilegiado na convolação em falência. Por fim, define-se como crédito subordinado aquele titularizado por administrador sem vínculo trabalhista ou sócio.

Outra alteração refere-se às penas pecuniárias por infração à lei penal ou administrativa, inclusive as multas tributárias estaduais e municipais que passaram a ser reclamáveis na falência, créditos que se classificam agora como subquirografários com preferência em relação aos subordinados.

Do mesmo modo, a verificação dos créditos, na falência, passou por várias alterações. O próprio falido deve apresentar a lista de credores, sendo que, aquele que discordar do valor ou da classificação e aquele que não for elencado devem apresentar, respectivamente, suas divergências e habilitação ao administrador judicial. Caso esses credores não sejam atendidos na republicação, ser-lhe-á oportunizada a impugnação, que, após julgamento, será publicada pelo administrador judicial como consolidação do quadro geral de credores.

Outra mudança significativa refere-se à ação revocatória, que passou a ser cabível apenas em relação à ineficácia subjetiva (atos revogáveis). Para a ineficácia objetiva, previu- se a declaração mediante simples despacho no processo falimentar, ação própria ou medida incidental. O prazo decadencial para a ação revocatória passou de um ano, a contar do início da liquidação, para três anos, contados da sentença declaratória da quebra, sendo a legitimidade para a propositura atribuída ao administrador judicial, a qualquer credor ou ao Ministério Público.

Observa-se que deixa de existir a medida cautelar de supressão do título executivo em caso de falência por impontualidade injustificada, antes denominada de verificação de contas.

A lei também prevê diversos modos de recuperação: operações de cessão de cotas ou ações, emissão e oferta de valores mobiliários, constituição de fundos de investimento e participações, cisão, incorporação, fusão, transferência ou venda de ativos, acordos trabalhistas com redução de horas de trabalho e remuneração, sociedades integradas por credores ou empregados do devedor ou com finalidade específica, celebração de contratos de arrendamento ou de trespasse. Tudo com vistas a manter a empresa, garantindo empregos e recolhimento de tributos.

Por fim, cabe consignar as muitas alterações no direito penal falimentar. A conduta culposa não é mais típica; aumentam-se as penas, sendo que a existência de caixa dois passou a ser definida como agravante do crime falimentar; a prescrição agora é regulada pelo Código Penal, tanto em relação ao prazo, quanto no que concerne às hipóteses de interrupção, e o inquérito judicial deixou de existir, havendo tão somente a investigação policial.