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CAPÍTULO 3 AS REPERCUSSÕES DO NEOLIBERALISMO

3.2 AS VERTENTES NEOLIBERAIS

3.2.1 A Vertente Austríaca

O precursor da Escola Austríaca de Economia foi o Professor Carl Menger, da Universidade de Viena. Em sua obra ‘Princípios da Economia’, publicada em 1871, mediante a teoria marginal do valor subjetivo, interpretou o mercado como produto de julgamentos de valor pessoal. Posteriormente, a obra de Menger foi desenvolvida e completada por seu discípulo Eugene Böhm-Bawerk, que, ao longo da década de 1880, publicou trabalhos nos vários volumes de Capital and Interest. Ambos faleceram no período da Primeira Guerra Mundial, mas foram sucedidos por Ludwig von Mises e Friederich von Hayek.180

Ludwig von Mises nasceu em 1881, em Lemberg, no Império Austro-Húngaro, graduando-se em Direito e Economia na Universidade de Viena. Seus escritos contemplam a teoria econômica, a história, a epistemologia, o governo e a filosofia política, procurando demonstrar a insustentabilidade do socialismo, sob o argumento de que referido sistema não seria capaz de resolver o problema do cálculo econômico, ou seja, a complexidade das escolhas subjetivas dos seres humanos tornaria a modelagem matemática do mercado extremamente difícil.

É relevante assinalar que um dos principais trabalhos de Mises, a obra ‘As Seis Lições’ – um compêndio de conferências por ele ministradas – defende o capitalismo como o maior responsável pelos grandes progressos vividos, asseverando que “[...] nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo”.181

Consoante o estudioso, a economia de mercado constituía-se no “sistema em que a cooperação dos indivíduos na divisão social do trabalho se realiza pelo mercado. E esse mercado não é um lugar, é um processo [...].”182

180 GROS, Denise Barbosa. Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. 2003. 252 f.

Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, Porto Alegre, 2003. p. 69. Disponível em: < http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/teses/teses_fee_06.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2011.

181 MISES, Ludwig Von. As seis lições. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. 6. ed. Rio de Janeiro: Instituto

Liberal, 1998. p. 10.

Destarte, posicionando-se contrário à intervenção do Estado, Mises pondera que a “[...] ideia de interferência governamental como ‘solução’ para problemas econômicos dá margem, em todos os países, a circunstâncias no mínimo extremamente insatisfatórias e, com frequência, caóticas.”183

Ainda, obtempera Souza que, para o economista, o processo mercadológico deveria ficar isento de qualquer ingerência do Poder Público ou de pressão advinda de sindicatos de empregados que lutariam por direitos em desacordo com a livre economia, estimulando as entidades classistas à compreensão de que os níveis salariais pendem ao ajuste das condições do mercado, em benefício do estabelecimento da estrutura convergente à realização do pleno emprego, firmado no abandono de políticas inflacionárias.184

E, assim, arremata:

Depreende Ludwig von Mises ser essencial a abertura da economia nacional ao investimento externo como método de incentivo à acumulação interna do capital, sugerindo em suas lições que, para a proteção do investimento estrangeiro, importante haver sua subtração da jurisdição nacional, o que pode ser feito por intermédio de acordos internacionais, confluindo para o aumento da produção marginal e elevação dos salários reais, conseguintemente para a melhoria do padrão de vida185.

Portanto, para Mises, a economia de mercado conferiria liberdade de escolha às pessoas, ao passo que o socialismo representaria uma forma de ingerência do poder estatal na vida dos cidadãos, que teriam seus destinos determinados de modo inexorável pelo Estado. O Poder Público deveria, então, atuar apenas para oferecer segurança e preservar as regras do livre mercado.186

Mencione-se que, apesar de a nova corrente liberal ter suas origens no século XIX, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial que a doutrina ganhou dimensão e se efetivou como oposição ao Estado social. Destaque-se também, nesse contexto, o pensamento de Friedrich August von Hayek, vienense doutor em Direito (1921) e em Ciências Políticas (1923), cuja obra ‘O Caminho da Servidão’ foi considerada o marco do neoliberalismo. O estudioso, a exemplo de Mises, preconizava o fim do Estado intervencionista, ponderando que o Poder Público deveria intervir minimamente, atuando apenas como garantidor do equilíbrio econômico, mediante a efetivação da estabilização financeira e monetária, obtida com a

183 MISES, Ludwig Von. As seis lições. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. 6. ed. Rio de Janeiro: Instituto

Liberal, 1998. p. 49.

184 SOUZA, Vinicius Menandro Evangelista de. A influência das políticas neoliberais do FMI ao novo regime

de insolvência empresarial brasileiro. 2007. 218 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós- Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. p. 17.

185 Ibid., p. 17-18. 186 MISES, op. cit.

utilização de políticas anti-inflacionárias. Assim, para Hayek, a corrente ideológica por ele sufragada fundava-se em três pilares, a saber, despolitização da economia, autonomia dos mercados e Estado mínimo, garantida, entretanto, a liberdade do segundo pilar.187

Nesse sentido, Ferreira disserta que “a teoria neoliberal propunha a desregulamentação, o desmonte do Estado, considerado um mastodonte, incapaz de cumprir suas promessas e ainda assim imiscuindo-se nas relações individuais, principalmente no mercado”.188 Também Negrão expõe que Mises e Hayek pregavam “[...] um neoliberalismo mais sofisticado, dedutivo – a partir de princípios gerais sobre o homem, conclui pelo caráter indesejável da sociedade planejada [...]”.189

Observa-se que tanto Mises quanto Hayek defendiam uma abordagem baseada no

laissez-faire, na qual a economia deveria evoluir de forma espontânea, de acordo com as

regras de mercado, e não de acordo com regras socialistas, que terminariam por alijar os indivíduos da livre escolha, porquanto esta seria inconciliável com o objetivo de uma economia planificada.

Nessa medida, Hayek ponderou que a desestatização e a concorrência seriam imprescindíveis à efetivação da liberdade econômica. Tais elementos exigiriam que o Estado adaptasse seu ordenamento interno às reivindicações do mercado, pois a concorrência demandaria, além do funcionamento das instituições estatais como a moeda e os canais de informação, um sistema legal que mantivesse o mercado livre, contribuindo para a produção de resultados benéficos.190

É importante observar a opinião de Souza a respeito do regime legal adaptado às exigências da doutrina neoliberal:

Indubitável que o novo regime legal proposto por Hayek deve, aprioristicamente, privilegiar os interesses privados do capital, ainda que sobrepujado o interesse estatal, tudo com a finalidade de conferir primazia à concorrência, apanágio da política neoliberal, como costuma acontecer nos países que se socorrem de empréstimos financeiros junto a Organismos multilaterais (por exemplo, FMI e Banco Mundial), ao final, reformulando a legislação interna para atender as reivindicações do mercado.191

187 HAYEK, Friedrich August. O caminho da servidão. Tradução e revisão por Anna Maria Capovilla, José

Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1984.

188 FERREIRA, Cloves Augusto Alves Cabral. Globalização e poder judiciário: os valores considerados na

reforma do Poder Judiciário no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, 2005. p. 33.

189 NEGRÃO, João José. Para conhecer o neoliberalismo. São Paulo: Publiser Brasil, 1998. p. 32. 190 HAYEK, op. cit., p. 59.

191 SOUZA, Vinicius Menandro Evangelista de. A influência das políticas neoliberais do FMI ao novo regime

de insolvência empresarial brasileiro. 2007. 218 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós- Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. p. 20-21.

Note-se que Faria, com algumas considerações acerca das instituições jurídicas do Estado-nação, obtempera que, sob a égide neoliberal, o Estado continuou legislando, porém passou a fazê-lo “diminuído em seu poder de intervenção e, muitas vezes, constrangido a compartilhar sua titularidade de iniciativa legislativa com diferentes forças que transcendem o nível nacional”, obrigado a ter em conta a conjuntura econômico-financeira internacional e adstrito à atuação de articulador e controlador da autorregulação. Mencione-se, a exemplo, os governos latino-americanos, que precisavam de capitais externos para promover a estabilização de suas moedas e, para tanto, tiveram de desregulamentar seus mercados e oferecer altas taxas de juros reais para atraí-los.192

Portanto, é factível sintetizar a escola austríaca como defensora da maximização do princípio da não-intervenção do Estado na atividade econômica, também defensora da eliminação de quaisquer barreiras à concorrência ou à livre circulação de capital, inclusive legais, além da supressão do controle total sobre o aspecto econômico das mãos estatais.193

Convém destacar que para Gros a base da teoria econômica da Escola Austríaca constitui uma crítica aos estudos de David Ricardo e John Stuart Mill – e de seus desdobramentos marxistas –, porquanto aduziam que a falha da Escola Clássica foi a de tentar realizar a análise da economia com base em classes e não em ações de indivíduos (como fez Menger).194

Assim, os clássicos não inseriam em seus estudos sobre valor e preço as ações dos indivíduos no mercado e as suas motivações subjetivas para adquirir ou não um bem. Essa falha, de acordo com os neoliberais, explica por que, por exemplo, o valor do pão, uma mercadoria extremamente útil, é tão inferior ao valor do diamante, artigo de luxo, sem a mesma utilidade, mas muito valorizado no mercado. Para os clássicos, a explicação estava em que o pão possuía valor de uso superior, mas por razões que, segundo os neoliberais, os clássicos não conseguiam explicar, tinha menor valor de troca.195

Ainda de acordo com Gros, a análise sobre os estudos de David Ricardo permitiu que, mais tarde, Marx desenvolvesse os conceitos do trabalho como produto da quantidade de

192 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 141;144.

193 SOUZA, Vinicius Menandro Evangelista de. A influência das políticas neoliberais do FMI ao novo regime

de insolvência empresarial brasileiro. 2007. 218 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós- Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. p. 22.

194 GROS, Denise Barbosa. Institutos liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República. 2003. 252 f.

Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, Porto Alegre, 2003. Disponível em: < http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/teses/teses_fee_06.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2011. p. 70.

horas de trabalho e da mais-valia, como o juro e o lucro apropriados da classe trabalhadora. Os ricardianos teriam aberto caminho também para a teoria marxista da luta de classes ao tratar da partilha do rendimento da produção exclusivamente em termos de classe, percebendo apenas uma luta de classe entre salários, lucros e aluguéis e separando as questões de produção e de distribuição, compreendida a última como objeto de conflito entre as classes. Assim, assevera a estudiosa, que, na concepção dos neoliberais, os economistas clássicos não entenderam o consumo e as motivações individuais que o definem, porque suas análises abrangiam apenas o aspecto referente às classes.196