• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 O ADVENTO DO INTERVENCIONISMO

2.4 POLÍTICAS SOCIAIS E ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL

Fiori adverte sobre o debate, na literatura especializada, acerca da existência de descontinuidade essencial ou qualitativa que diferencie o que se denomina de Welfare State das diversas formas de política social que lhe teriam precedido historicamente, distinguindo três correntes.142

A primeira, com menor densidade teórica e maior preocupação historiográfica, enfatiza a ideia de proteção social, enquanto tal e isoladamente, tendendo, por consequência, a

141 SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões. Rio de Janeiro:

AIDE, 1984. p. 119.

142 FIORI, José Luís. Estado do bem-estar social: padrões e crises. Instituto de Estudos Avançados da

Universidade de São Paulo – Iea. p. 2. Disponível em: <www.Iea.usp.br/iea/textos/fioribemestarsocial.pdf>. Acesso em: 05 out. 2011.

conferir mais importância à evolução do que às descontinuidades na trajetória que vai das

Poor Laws de 1536 a 1601143 até o Plano Beverigde144.

A segunda, mais precisa na conceituação, utiliza a ideia de políticas sociais indiferenciadamente do conceito de Welfare, observando uma continuidade e evolução de referidas políticas, pelo menos a partir da legislação securitária alemã. A terceira posição, sufragada por escritos mais atuais, sustenta a existência de uma cisão qualitativa entre as políticas sociais anteriores à Segunda Guerra Mundial e o que veio a ser, a partir do Plano Beveridge, o Welfare State contemporâneo.145

O mérito dos estudos mais historiográficos encontra-se na identificação de dois padrões ou paradigmas originários da intervenção social do Estado na modernidade capitalista que se estende até o fim do século XIX: o inglês e o alemão.

No que concerne à Inglaterra, a investigação histórica possibilitou reconhecer as relações originárias entre a centralização do poder, que acompanhou o surgimento dos Estados absolutistas e a liberação da força de trabalho camponesa, que acompanhou a mercantilização das terras, e a proteção originária que foi dada aos pobres. Tratou-se de uma legislação preocupada com a nova questão da ordem e do disciplinamento do trabalho, que possibilitou o surgimento de um tipo pioneiro de assistencialismo que se difundiu pela Europa e se manteve presente como marca da história inglesa, chegando ao Poor Law Act de 1834. Cabe destacar que, no plano legal, a dissolução desse ato ocorreu apenas em 1929.146

Quanto à Alemanha, os historiadores souberam identificar a estreita associação entre as novas normas birmarckianas e a repressão ou antecipação ao movimento socialista. Entretanto, a pesquisa comparada sobre as políticas sociais reconheceu a diferença que separava o assistencialismo e as várias formas prévias de ajuda mútua do novo sistema securitário e compulsório, que nasceu nos anos 1980. O que o distinguiu foi a propositura de medidas e práticas permanentes; garantia sobre um núcleo institucional diferenciado; a

143 Poor Laws constituíram um sistema de assistência à pobreza que vigorou na Inglaterra e País de Gales,

desenvolvido a partir de leis do final da Idade Média e da Era-Tudor. Referido sistema existiu até o surgimento do moderno estado de bem-estar após a Segunda Guerra Mundial, sendo formalmente abolido com o Ato Nacional de Assistência ou National Assistent Act, de 1948.

144 William Henry Beveridge foi economista e reformista social britânico. Em 1942, elaborou o Report on Social

Insurance and Allied Services, conhecido como Plano Beveridge, propondo que todas as pessoas em idade produtiva deveriam pagar contribuição semanalmente ao Estado. O valor arrecadado seria utilizado como subsídio para doentes, desempregados, reformados e viúvas, tornado-se, portanto, direito dos cidadãos. Beveridge seguiu o modelo do “seguro doença” do alemão Otto von Bismarck, que passou a ser contribuição obrigatória, feito por todos os trabalhadores para financiar os cuidados com saúde.

145 FIORI, José Luís. Estado do bem-estar social: padrões e crises. Instituto de Estudos Avançados da

Universidade de São Paulo – Iea. p. 2. Disponível em: <www.Iea.usp.br/iea/textos/fioribemestarsocial.pdf>. Acesso em: 05 out. 2011.

concentração sobre trabalhadores masculinos e a imposição à contribuição financeira compulsória, bem como, finalmente, a institucionalização de procedimentos completamente diferentes dos que foram utilizados pelo assistencialismo prévio. 147

Nascia um novo paradigma – conservador e corporativo – no qual os direitos sociais, definidos de forma contratual, eram outorgados por um governo autoritário. Esse modelo generalizou-se pela Europa, como o assistencialismo inglês, mas acabou tendo enorme influência na construção conservadora dos sistemas de assistência e proteção social que se multiplicaram na periferia latino-americana durante o século XX, sobretudo depois de 1930.148

De outro turno, para os estudos mais recentes, o Plano Beveridge ao legitimar o

National Health Service Act, que, no ano de 1946, desenvolveu um sistema nacional,

universal e gratuito de assistência médica, custeado pelo orçamento fiscal e assim desvinculado da relação contratual que havia caracterizado até ali a essência das políticas sociais do governo iniciou outro novo paradigma, que poderia ser denominado de Welfare. 149

Fiori menciona também o pensamento de Mishra para quem somente se pode falar em Estado de bem-estar social a partir de 1950, quando a política social adquire nova dimensão ao ser pensada com base no reconhecimento de direitos dos cidadãos e não apenas com base na condição de trabalhador e dos seus beneficiários. 150

Acrescenta que o autor associa o novo padrão a alterações ocorridas simultaneamente no plano da regulamentação da economia de mercado e na afirmação hegemônica das políticas econômicas ativas de inspiração keynesiana. Com as referidas mudanças, não haveria como se dissociar os serviços sociais universais, o objetivo de redistribuição e a interação das rendas da finalidade maior do pleno emprego que direcionou as políticas econômicas nacionais até os anos 1980.151

Nesse diapasão, Fiori identifica quatro grandes pilares sobre os quais se assentaram a viabilidade e o êxito dos Estados do bem-estar contemporâneos. O primeiro foi constituído pelos fatores materiais ou econômicos, que se manifestaram na generalização do paradigma fordista; na existência de um consenso paralelo em torno das políticas keynesianas e na manutenção de um ritmo de crescimento econômico constante e sem precedentes, permitindo

147 FIORI, José Luís. Estado do bem-estar social: padrões e crises. Instituto de Estudos Avançados da

Universidade de São Paulo – Iea. p. 3. Disponível em: <www.Iea.usp.br/iea/textos/fioribemestarsocial.pdf>. Acesso em: 05 out. 2011.

148 Ibid. 149 Ibid. 150 Ibid., p. 4. 151 Ibid.

ganhos fiscais crescentes que foram alocados por coalizões políticas socialmente orientadas, mesmo quando os governos não fossem diretamente controlados por social-democratas.152

O segundo pilar surgiu pela atmosfera econômica global criada pelos acordos de

Bretton Woods, que possibilitava uma conciliação entre o desenvolvimento dos Estados de

bem-estar social e a estabilidade da economia internacional. Por seu turno, o terceiro pilar constituiu-se, de início, pelo ambiente de solidariedade nacional que se instalou após a guerra e, logo depois, pela solidariedade supranacional gerada pelo novo panorama geopolítico.153

A nova situação, ao bipolarizar ideologicamente os conflitos mundiais entre duas propostas excludentes de organização econômica e social, criou estímulos ou receios que consolidaram convicções socialmente dirigidas de todos os governos.

Por fim, o quarto pilar originou-se do avanço das democracias partidárias e de massa que, ao menos nos países centrais, permitiu que a concorrência eleitoral aumentasse a importância e o valor das reivindicações dos trabalhadores – e dos seus sindicatos e partidos – e dos demais setores sociais interessados no desenvolvimento dos Estados de bem-estar.154

Note-se que, além de esclarecer a complexa rede de determinações econômicas, ideológicas e políticas que definem e diferenciam o Estado de bem-estar contemporâneo dos sistemas de organização de políticas sociais precedentes, os estudos mais recentes permitiram explicitar as peculiaridades que separam as diversas experiências nacionais do mesmo

Welfare State, sendo a tipologia mais antiga sugerida por Titmus e sintetizada por Aureliano e

Draibe.155

O primeiro modelo da tipologia constitui o The residual welfare model of social

policy, padrão ou modelo residual no qual a política social intervém ex-post e possui o caráter

temporalmente limitado, a exemplo dos Estados Unidos. O segundo é denominado The

industrial achievement performance model of social policy, em regra traduzido como modelo

ou padrão maritocrático-particularista, no qual a política social intervém somente para corrigir a ação do mercado, complementando-a. O exemplo desse modelo seria o da Alemanha. Mencione-se, ainda, The redistributive model of social policy, ou padrão institucional- redistributivo, direcionado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais

152 FIORI, José Luís. Estado do bem-estar social: padrões e crises. Instituto de Estudos Avançados da

Universidade de São Paulo – Iea. p. 4. Disponível em: <www.Iea.usp.br/iea/textos/fioribemestarsocial.pdf>. Acesso em: 05 out. 2011.

153 Ibid., p. 4-5. 154 Ibid., p. 5.

155 Citado por FIORI, José Luís. Estado do bem-estar social: padrões e crises. Instituto de Estudos Avançados

da Universidade de São Paulo – Iea. p. 5. Disponível em: <www.Iea.usp.br/iea/textos/fioribemestarsocial.pdf>. Acesso em: 05 out. 2011.

extramercado, que são assegurados a todos os cidadãos universalmente cobertos e protegidos, a exemplo dos países nórdicos, conforme Aureliano e Draibe.156

2.5 OS PROBLEMAS DO ESTADO INTERVENCIONISTA: A HIPERTROFIA DO