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CAPÍTULO 2 EXCLUSÃO X POBREZA

2.2 A Exclusão e a Pobreza

O que se quer dizer quando se fala de pobreza e de exclusão social? Há uma demarcação clara entre os dois termos? É o que se verá a seguir.

Pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada, segundo diz Sônia Rocha, em sua obra sobre a pobreza no Brasil:

Para operacionalizar essa noção ampla e vaga, é essencial especificar que necessidades são essas e qual nível de atendimento pode ser considerado adequado. A definição relevante depende basicamente do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são atendidas em determinado contexto socioeconômico. Em última instância, ser pobre significa não dispor dos meios para operar adequadamente no grupo social em que vive. (...) Nas economias modernas e monetizadas, onde parcela ponderável das necessidades das pessoas é atendida através de trocas mercantis, é natural que a noção de atendimento às necessidades seja operacionalizada de forma indireta, via renda. Trata-se de estabelecer um valor monetário associado ao custo do atendimento das necessidades médias de uma pessoa. Quando se trata de necessidades nutricionais, esse valor é denominado linha de indigência. Quando se refere ao conjunto mais amplo de necessidades, trata-se da chamada linha de pobreza (ROCHA, 2003, p.12).

A preocupação com as desigualdades e a pobreza se iniciou nos países desenvolvidos, após a euforia do pós-guerra, para alertar sobre as situações de privação

onde as questões de sobrevivência física não estavam em jogo. Surgiu assim a idéia de pobreza relativa.

Pobreza absoluta está estreitamente vinculada às questões de sobrevivência física; portanto, ao não atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital. O conceito de pobreza relativa define necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida predominante na sociedade em questão, o que significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como objetivo social. Implica, consequentemente, delimitar um conjunto de indivíduos relativamente pobres em sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos (ROCHA, 2003, p.11).

Os estudiosos da questão não conseguem demarcar limites claros entre pobreza absoluta e pobreza relativa. Mesmo sobre o atendimento às necessidades de alimentação não existe consenso entre os estudiosos, pois as necessidades nutricionais variam conforme as características dos indivíduos e suas condições de vida (ROCHA, 2003).

Parece acertada a tese de Townsend (apud ROCHA, 2003, p.11): “Minha tese principal é que tanto pobreza como subsistência são conceitos relativos, só podendo ser definidos em relação aos recursos materiais e emocionais disponíveis numa determinada época aos membros de uma dada sociedade ou de diferentes sociedades”.

Na prática, a base material ou a questão da renda tem sido o aspecto principal dos estudos sobre a pobreza. Demo (2003) aponta também a discussão francesa recente sobre a questão da vulnerabilidade crescente de grandes maiorias, observada geralmente como exclusão social. Ele chama essa discussão, a qual remete a uma nova questão social, de charme da exclusão social, pois se trata do mesmo capitalismo. Esse autor considera acrescentar a estas duas facetas (renda e vulnerabilidade) a questão da pobreza política:

Exclusão social mais drástica não é só não dispor de bens essenciais. É sobretudo não conseguir alçar-se à condição de sujeito capaz de comandar seu destino. Nega-se não só acesso material, mas principalmente a autonomia emancipatória (DEMO, 2003, p.36).

O conceito de exclusão social radica nos debates que, tanto no domínio sociológico quanto no domínio da política social, tem-se substituído sobre as questões da desigualdade, da pobreza e do papel do bem-estar: “Desde o início dos anos 90, passou a aceitar-se a noção de grupos identificáveis de indivíduos excluídos e marginalizados” (RODRIGUES, 2002a).

Em termos genéricos, pode-se dizer que exclusão social é considerada como significando mais do que a falta material, a renda propriamente dita, devendo ser utilizado um outro termo para falar de privação múltipla ou desvantagem social.

Uma outra dimensão que parece ter sido suscitada por esta reinterpretação da pobreza tem a ver com o reconhecimento que se tornou mais explícito, recentemente, de que a exclusão é uma condição que afeta unidades de vida para além dos cidadãos e famílias e pode ser identificada também em territórios e instituições sociais.

No Brasil, coexistem diferentes causas de pobreza e de exclusão social. Wanderley (2001, p. 19) ressalta que “a matriz escravista está presente no cotidiano de nossa sociedade, em manifestações as mais variadas”. Aldaíza Sposatti (apud WANDERLEY, 2001, p.20), em estudo sobre a exclusão na cidade de São Paulo, fala de um processo de apartação social, que tem tomado dimensões trágicas:

(...) uma impossibilidade de poder partilhar, o que leva à vivência da privação, da recusa, do abandono e da expulsão, inclusive com violência, de um conjunto significativo da população. Esta situação de privação coletiva inclui pobreza, discriminação, subalternidade, não equidade, não acessibilidade, não representação pública.

Wanderley (2001) destaca que pobreza e exclusão não podem ser consideradas simplesmente como sinônimas, apesar de estarem articuladas conforme as análises de alguns autores:

• Paugam (2001) considera a pobreza como sendo produto de uma construção social, mas também é um problema de integração normativa e funcional de indivíduos. O conceito de desqualificação social, presente em sua obra, é o inverso da integração social.

• Gaujelac & Leonetti demonstram o papel essencial da dimensão simbólica nos fenômenos de exclusão: “É o sistema de valores de uma sociedade que define os fora de norma como não tendo valor ou utilidade social, o que conduz a tomar a desinserção como fenômeno identitário na articulação de elementos objetivos e elementos subjetivos” (apud WANDERLEY, 2001, p. 21).

• Robert Castel, analisando as metamorfoses da questão social, chama de desafiliado “aquele cuja trajetória é feita de uma série de rupturas com relação a estados de equilíbrio anteriores, mais ou menos estáveis, ou instáveis; não é

uma ausência completa de vínculos, mas a ausência de inscrição do sujeito em estruturas que têm um sentido” (CASTEL, 2002, p.416).

• Cristóvão Buarque (1993) discute o processo de intolerância social que se observa na cena brasileira, a apartação social, na qual o outro é um “não semelhante, um ser expulso não somente dos meios de consumo, dos bens, serviços, etc., mas do gênero humano” (apud NASCIMENTO, 1995, p.25) A afirmação de que toda situação de pobreza leva a formas de ruptura do vínculo social também leva a um acúmulo de déficits e precariedades, devendo, entretanto, ser considerada, de acordo com os autores acima, apesar de nem sempre pobreza significar exclusão. Pode-se dizer que pobreza pode conduzir à exclusão.

Na sociedade brasileira, o ciclo da exclusão consolida-se e reproduz-se com a aceitação, pelo excluído, de sua condição como uma fatalidade (isso é assim e não há nada para fazer), ou a interpretação das políticas públicas como um favor das elites dominantes.

Para Dupas (1999, p. 24), “a pobreza – entendida como a incapacidade de satisfazer necessidades básicas – deve ser o foco da definição de exclusão social em países que não possuem um Estado de bem-estar social garantindo minimamente a sobrevivência de seus cidadãos”.

Mas como definir o que sejam necessidades básicas? No capítulo seguinte serão apresentados os diferentes enfoques sobre o tema.