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CAPÍTULO 5 MICROCRÉDITO

5.2 O Microcrédito no Mundo e no Brasil

5.2.1 O Grameen Bank

5.2.1.2 Características e princípios

O Programa de Crédito do Grameen Bank possui as seguintes características: • prevalência do Grupo sobre o indivíduo (controle social e disciplina forte); • seleção rigorosa dos clientes;

• as mulheres são as beneficiárias preferenciais;

• treinamento prévio dos Grupos e dos agentes de crédito;

• importância da supervisão (tanto do Grupo quanto dos agentes do Banco); • novo empréstimo condicionado aos reembolsos;

• serviço em domicílio; • transparência;

• créditos pequenos;

• financiamento de atividades por conta própria, que envolvem as capacidades profissionais dos requerentes;

• escalonamento dos empréstimos;

• compromisso com uma agenda social relativa às necessidades básicas dos clientes e que ajudam a:

a) aumentar a consciência social e política dos grupos organizados; b) dar prioridade às mulheres de famílias mais pobres;

c) estimular o monitoramento dos projetos de infra-estrutura social e física (habitação, saneamento, água potável, educação, planejamento familiar, etc.).

A descentralização da estrutura operacional e a cuidadosa formação do pessoal, em todos os níveis, constituem, por outro lado, fatores decisivos na aplicação da sistemática de trabalho do banco.

Além disso, o banco promove entre a população uma filosofia cultural, que visa à educação dos filhos, o planejamento familiar, melhorias na habitação, a educação sanitária, a solidariedade coletiva e a participação nas atividades comunitárias.

Há várias linhas de crédito diferentes no Banco. Além de financiamento para produção, financiam-se estudantes com bom desempenho acadêmico que pagam o empréstimo quando concluem os estudos. Financia-se também a construção de habitação; a perfuração de poços de água; a compra de sementes vegetais apropriadas para a cura de doenças; a compra de mudas de árvores para plantio nos meses de junho e julho. Há fundos de aplicações para pobres com rentabilidade mínima de 10% e outros serviços que vão sendo incorporados ao Grameem. Abaixo estão listadas algumas empresas que fazem parte dessa "família":

• Grameen Trust: capacitação e assistência técnica interna ao banco. Apóia também o lançamento de diversos programas.

• Grameen Fund: financiamento para empreendimentos de alto risco e de alto teor tecnológico e que não podem ser financiados por instituições formais de financiamento.

• Grameen Uddog/Handloom: apóia tecelões pobres com renda inferior a US$1 por dia para financiar a produção e ligá-los à moderna indústria têxtil.

• Grameenn Shamogree/Products: comercializa no mercado interno e externo produtos oriundos das indústrias rurais.

• Grameen Krishi/Agriculture Foundations: ampliação do trabalho na produção agrícola, pesca, produção de sementes, etc. em certas regiões de Bangladesh. • Grameen Motsho/Fisheries Foundation: identifica recursos potenciais do país

para serem investidos direta ou indiretamente com os pobres que atuam na pesca.

• Grameen Communications: departamento que apóia a direção central do Banco na gestão das operações e replicações do modelo em outros países. • Grameen Shakti/Energy: fornecimento de energia renovável para as aldeias. A

finalidade é também a criação de trabalho e renda.

• Grameen Telecom: fornecimento de celulares para a população rural pobre. • Grameen Knitwear Limited: exportação de 100% da produção de vestuário de

alta qualidade.

• Grammen Cybernet: fornecimento de serviços de internet em Bangladesh. Há também uma empresa de software na área educacional, onde se treina operadores de computador, criando-se, assim, uma nova oportunidade para os jovens obterem empregos e outras fontes de renda.

Atualmente, o Grameen Bank é um conglomerado de empresas que atua em todo o país. O sucesso do Grameen é confirmado pelos seus números: são 1.116 pontos de atendimento (centros comunitários), instalados em aldeias e pequenas povoações. Estes centros são supervisionados por 113 agências, instaladas em localidades maiores e que englobam o controle de 10 a 15 centros comunitários. As agências são supervisionadas por 13 escritórios de área.

Até 1996, o Grameen emprestou US$2 bilhões para 2,3 milhões de pessoas. Nesse mesmo ano, sua carteira chegou a US$500 milhões.

Porém, recente matéria do Wall Street Journal mostrou que a saúde financeira do Grameen não está tão boa. Segundo a matéria, dois distritos que antes foram utilizados como exemplo, para demonstrar a experiência de sucesso do Grameen, estão com pelo menos 50% dos empréstimos atrasados por, no mínimo, 12 meses. O Banco como um todo está com 19% dos empréstimos atrasados por mais de um ano. Levando-se em conta que o banco só considera o empréstimo perdido quando ele está atrasado por mais de dois anos, a inadimplência do Banco dobrou em termos relativos (antes era de 5%, atualmente é de 10%). Alguns dos motivos são os grandes desastres ambientais naquele país, especialmente o que ocorreu em 1988; mas outros são conseqüências da própria forma de gestão do Banco.

O Grameen possui regras claras para quando ocorre um desastre numa área. O gerente da localidade ganha poderes para anunciar que o Banco está em calamidade e declarar situação de emergência. As atividades do Banco param; os agentes param suas atividades e vão atender as pessoas nas áreas afetadas, levando-as para local seguro, onde providenciarão alimento, habitação e remédios, com os recursos do Grameen. Se a situação de calamidade persistir, presta-se relatório aos superiores e o trabalho de emergência continua até a situação de calamidade terminar. Depois disso, a próxima ação do Banco é realizar novo empréstimo para as pessoas que perderam tudo. Dessa forma, segundo Yunus, realoca-se o empreendedor de volta às suas atividades. Nas inundações de 1998, o Grameen tomou dinheiro emprestado do Governo de Bangladesh para refinanciar os seus clientes atingidos pelas águas. Informalmente, perdoaram as dívidas anteriores.

Percebe-se o quanto se despende tempo e dinheiro com essa louvável, porém cara, ação de assistência social, que se configura como uma atividade contrária à natureza das atividades financeiras.

Entre os próprios erros que o Grameen cometeu internamente, para desencadear sua crise, pode-se citar, primeiramente, uma falha que o próprio Yunus assumiu em entrevista:

Um erro freqüente é na seleção de pessoas. Depositamos confiança em certa pessoa e, depois de meses ou anos, descobrimos que a pessoa não é confiável. Temos muita dificuldade em consertarmos esses erros (PEARL, 2001).

Devido à concorrência, o Banco teve problemas para controlar seus clientes. Sua carteira manteve os níveis de 1996 (US$190 milhões) e seu lucro caiu 85%. Com muitas filiais, o Banco tem alto custo operacional e, segundo artigo do Wall Street Journal, seu resultado seria ainda pior se o Grameen utilizasse padrões contábeis adequados para a indústria de microcrédito. Para se ter uma idéia, a Fundação Palli Karma-Sahayak (PKSF), criada por Yunus, para distribuir fundos para a criação de outras instituições de microcrédito, declarou que, em 2000, o Banco deveria ter apresentado um resultado de US$7,5 milhões de prejuízo ao invés de US$200 milhões de lucro. A situação pode agravar ainda mais: o banco está convertendo parte de sua inadimplência para "empréstimos flexíveis" e apresenta esse resultado como atualizado.

Os tomadores também não são mais os mesmos. Muitos não utilizam o crédito para fins produtivos. Alguns são utilizados para pagar dotes ou, quando pior, para pagar outro empréstimo. Já se tem a experiência de um Grupo de tomadores que se negou a pagar os empréstimos e criou sua própria instituição de microcrédito.

Yunus, na mesma entrevista, considerando falha a sua gestão de recursos humanos, também disse:

Outro erro é que não temos experiência em nada. Ficamos muito excitados com várias idéias que temos e tentamos torná-las realidade de várias maneiras e, então, fazemos várias coisas. Iniciamos um projeto, levamos adiante e, logo, descobrimos que a realidade é bem diferente (PEARL, 2001).

Talvez o maior erro esteja residindo nesse ponto: o Banco simplesmente faz. Não procura saber se dará certo ou não. A causa disso pode ser a citada pelo Diretor do Banco Central de Bangladesh, quando afirmou que o Grameen não tem nenhuma supervisão formal, sendo regulado por eles mesmos. Dessa forma, não eles têm responsabilidade e muito menos, obrigação de consultar qualquer pessoa ou instituição sobre a implantação de um novo programa ou linha de crédito.

Outro aspecto, segundo Jonathan Morduch (apud PEARL, 2001), professor de economia e políticas da Universidade de Nova York, é que o Grameen se tornou tão conhecido que ninguém teve coragem de contestar a reputação da sua idéia.

Todavia, mesmo com todos esses problemas, não se pode negar que o Grameen e a sua experiência de sucesso, pelo menos nos primeiros anos, difundiu uma nova tecnologia de concessão de crédito adequada para o pobre. Entre as inovações, as mais significativas foram: o Aval Solidário (metodologia que permite que, num grupo, todos se responsabilizem pelo crédito de todos); e os Agentes de Crédito (o banco vai até o cliente, e não o cliente ao banco). Outra experiência que também deve ser levada em consideração é que antes de se tornar uma instituição financeira formal, o Grameen foi uma organização não bancária vocacionada para o microcrédito, o que tem motivado outras instituições em outros países a "forçar" a legislação dos seus países para abrirem espaço para as instituições de microfinanças.