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CAPÍTULO 4 A ECONOMIA SOLIDÁRIA

4.2 Principais Abordagens Teóricas sobre a Economia Solidária

4.2.4 Produção autônoma ou economia solidária, segundo Paul Singer

Singer identifica uma acumulação prévia de capital como meio de produção e de subsistência exigida pela geração de postos de trabalho no capitalismo contemporâneo e apresenta três setores acumuladores para o sistema capitalista atual: o Estado, o Capital e o Autônomo.

A acumulação estatal é vista por Singer como geradora de um volume restrito de empregos diretos, que depende do montante e da orientação do gasto público. A maior parte do emprego gerado pelo setor estatal está na prestação de serviços de consumo coletivo, como educação, saúde e segurança. Todavia, recentemente, com os amplos déficits públicos, os governos dos três níveis estão cortando seus gastos com folhas de pagamento e, portanto, diminuindo o número de postos de trabalho.

Ao ampliar a produção, as empresas de acumulação capitalista estariam promovendo o aumento do emprego, assim como ao lançarem novos produtos no mercado. Entretanto, quando elas se voltam para o aumento da produtividade, utilizam-se de tecnologia superior em que a mesma produção é alcançada com um menor número de empregados.

A acumulação proporcionada pelo setor autônomo vem sendo considerada, tanto no Brasil como no mundo, a grande esperança para absorver produtivamente o contingente humano que vem sendo expulso das empresas capitalistas, pelo aumento da produtividade em decorrência do avanço tecnológico e pela globalização. Nesse sentido, a acumulação autônoma pode contar com a contribuição do governo na destinação de recursos para esse setor, do setor capitalista de produção, pelo seu interesse no crescimento da produção autônoma como comprador de seus serviços, visto que grandes empresas têm terceirizado parte de suas atividades, despedindo os empregados que as executavam e passando a comprar os produtos ou os serviços de produtores autônomos, cooperativas e até de pequenas empresas:

A abertura do mercado interno está forçando a indústria a acelerar ao máximo os investimentos para elevar a produtividade e desta forma

competir com os produtos importados. O resultado tem sido um corte selvagem de postos de trabalho nas indústrias. A informatização bancária e a difusão do auto-serviço nos estabelecimentos varejistas de grande porte também têm causado extensa eliminação de postos de trabalho (SINGER, 1998, p.129).

As esperanças de que a produção simples de mercadorias possa absorver parcela significativa do desemprego têm sido frustradas. Os mercados em que autônomos podem competir são poucos, limitados aos produtos que, pela sua natureza, não podem ser padronizados (e, portanto, não proporcionam vantagens à produção em grande escala) (SINGER, 1998, p. 130).

Singer enfatiza que a exclusão social tende a aumentar nessa etapa da evolução do capitalismo em função de três tendências básicas: contração do emprego público, contração do emprego nas empresas capitalistas e crescimento muito menor da demanda pela produção autônoma do que seria necessário para integrar nesta os expulsos do setor estatal e capitalista.

A economia solidária é sugerida por Singer como uma forma de organizar a produção em grande escala, sem ser pelo molde do grande capital. Cooperativas de produção e consumo, por exemplo, representam uma forma de quebrar o isolamento das pequenas e microempresas e de oferecer a elas possibilidades de cooperação e intercâmbio que aumentem as suas probabilidades de êxito.

Essa economia é colocada como uma estratégia que se aproveita das mudanças nas relações de produção pelo grande capital, para lançar os alicerces de novas formas de organização da produção, à base de uma lógica oposta àquela que rege o mercado capitalista, dando a muitos a oportunidade de se reintegrar à produção por conta própria, individual ou coletivamente.

4.2.5 Os empreendimentos econômicos solidários na visão de Luiz Inácio Gaiger e pesquisadores da Rede Interuniversitária de Estudos e Pesquisa sobre o Trabalho – Unitrabalho

A Unitrabalho foi fundada com o espírito de consorciar as Universidades em torno de ações em prol do conhecimento e da emancipação do mundo dos trabalhadores e, sob a liderança de Paul Singer, em 1998, iniciou-se um grupo de discussão sobre a economia

solidária. Em 1999, a rede coordenada por Gaiger iniciou pesquisa nacional sobre as iniciativas denominadas de economia solidária.

Para sintetizar a lógica social e econômica dos empreendimentos solidários, os pesquisadores criaram o esquema denominado solidarismo empreendedor, que consiste numa lógica que une o espírito solidário – baseado na socialização da propriedade dos bens de produção e na idéia de cooperação, da democracia e autogestão ao espírito empreendedor. Surge, a partir daí, o conceito de Empreendimento Econômico Solidário – EES, que reúne as características ideais, consideradas na bibliografia sobre autogestão e cooperação. As propriedades de um EES giram em torno dos atributos abaixo:

a) Autogestão: o controle da gestão do empreendimento é exercido efetivamente pelo conjunto dos associados, sobretudo com autonomia em relação a agentes externos e sem a existência de outros regimes de trabalho (subcontratação ou assalariamento) para o desenvolvimento das atividades em seu interior.

b) Democracia direta: um processo que deverá ser permanentemente aperfeiçoado e que compreende a livre escolha de dirigentes, renovação e alternância dos quadros diretivos e a existência de instâncias para a tomada de decisões fundamentais pelo conjunto dos associados, com garantia de transparência no exercício da gestão. Além do controle direto, realizado por conselhos e comissões independentes, pode ser também importante a existência de instâncias que funcionem objetivando a diluição de conflitos interpessoais e políticos, nas quais se possam exercitar práticas de "justiça alternativa".

c) Participação efetiva: que deve ser aferida através de um indicador do comparecimento dos associados a instâncias de consulta e de decisão, reuniões, assembléias e outras consideradas importantes para a organização e funcionamento do empreendimento.

d) Ações de cunho educativo: que incluam conteúdos de formação política, tendo por perspectiva a construção de uma ordem social oposta a do capital, combinada à aquisição de competências para a autogestão solidária e de capacitação técnica e artísticas para o desenvolvimento de atividades produtivas e culturais. Devem também se expressar na elevação da capacidade política de exigir do Estado o atendimento de necessidades individuais e coletivas, particularmente aquelas pertinentes à universalização da escolaridade e da saúde pública.

e) Cooperação no trabalho: que corresponde a práticas (execução) de trabalho precedidas da articulação entre concepção e planejamento, a serem desenvolvidas num ambiente de confiança e de reciprocidade mútuas, combinadas a relações de gratuidade e de aprendizado mútuo. f) Distribuição igualitária dos resultados e benefícios: que pressupõe a definição democrática da distribuição da produção e da renda gerada,

incluindo-se a destinação e a partilha do excedente (“sobras líquidas”) e a busca de benefícios sociais para todos os produtores livremente associados.

Outros atributos direcionados para além dos limites dos empreendimentos econômicos associativistas deverão ser considerados, para dar um maior significado social e amplitude política ao conceito de solidarismo. Trata-se de valores e princípios que deverão sugerir e indicar uma maior responsabilidade e comprometimento, com transformações sociais mais amplas, para além do funcionamento dos empreendimentos. Para tanto, foram incluídos os seguintes atributos:

• ações para preservação do ambiente natural;

• ética solidária socialmente construída e comprometida com transformações de longo prazo;

• práticas cotidianas de envolvimento com melhorias na comunidade externa aos empreendimentos;

• relações solidárias de comércio, troca e intercâmbio com empreendimentos congêneres; e

• divulgação e demonstração de práticas de solidarismo para estimular a criação de outros empreendimentos (efeito irradiador e multiplicador). A força desses empreendimentos, segundo Gaiger:

(...) residiria em sua capacidade de conciliar, simbioticamente, as relações de trabalho que lhe são próprias com os imperativos de eficiência, de modo que a própria cooperação torna-se viga-mestre de uma nova racionalidade socioeconômica (GAIGER, 2004, p. 11).

O pesquisador da Unitrabalho Ricardo Augusto Alves de Carvalho (2004), ao examinar os empreendimentos solidários em Minas Gerais, parte do levantamento nacional, apresenta três dimensões ou perspectivas que constituem os três níveis de organização dos EES. Estas três dimensões complementam-se e estão intrincadas umas nas outras:

a) dimensão jurídico econômica – engloba todo o campo das formas de ordenação legais e econômicas às quais o EES está submetido, sejam elas internas ou externas;

b) dimensão político administrativa – engloba as diversas formas de exercício do poder e do controle, assim como os mecanismos gestionários e suas implicações. (...) Fazem parte deste campo de análise as diversas estruturas de gestão, as formas de dominação e resistência, as formas de acesso às instâncias decisórias, os mecanismos de informação e formação da força de trabalho, no sentido da compreensão dos processos administrativos e da dinâmica do mercado. Englobamos aqui, também, a participação no poder local e nacional, e as formas e estratégias de acesso a esse poder e as implicações na organização geral da sociedade e da comunidade dos participantes do EES;

c) dimensão sócio-psicológica – engloba todo o grupo de relações e interações intersubjetivas, que se estabelecem entre os trabalhadores e entre estes e o EES, seu modo de getão e execução do trabalho. (...) Fazem parte deste campo de análise a “construção do entendimento coletivo” sobre o trabalho e a gestão do EES, as identificações e as identidades coletivas dos trabalhadores, os choques que podem existir entre estas identidades e as formas de expressão intersubjetiva deste choque, bem como os medos e fantasias que povoam o imaginário destes trabalhadores, tendo em vista o sofrimento psíquico que se estabelece nesse processo. Além disso, fazem parte deste campo a dimensão inconsciente implícita, não dita, e os espaços informais de resolução de conflitos, de produção de conhecimento, e de estabelecimento de metas e princípios orientadores do EES, através dos sujeitos trabalhadores. (CARVALHO, 2004, p.209-210).

A análise dessas três dimensões para compreensão da autogestão aponta novos parâmetros de sustentabilidade para os empreendimentos solidários além dos parâmetros econômico-produtivos. Este autor defende a noção de reestruturação sócioprodutiva, já que as esferas sociais também são reconfiguradas, produzindo impactos no mundo do trabalho. Nesse sentido, é importante pesquisar como ocorrem os processos identificatórios nos empreendimentos solidários (CARVALHO, 2003).

4.2.6 Produzir para viver: o paradigma emancipatório na visão de Boaventura de Sousa