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A exigibilidade jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais

4.1 Direitos culturais

4.1.3 A exigibilidade jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais

A exigibilidade jurídica aplicada aos direitos humanos de uma forma geral, e em especial aos direitos econômicos, sociais e culturais (DESC), não pode se resumir a possíveis reclamações para se exigir o cumprimento de obrigações derivadas. É o que afirma Jordi Bonet Pérez352, que faz excelente trabalho sobre a exigibilidade jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais. O autor busca delimitar o significado de exigibilidade jurídica e abordar os mecanismos internacionais da exigibilidade jurídica dos DESC. O significado da exigibilidade jurídica dos DESC assume um sentido pluridimensional, uma vez que não deve ser visto como um instrumento legal artificial para o cumprimento de obrigações, mas sim como resultado de mobilizações e exigências de toda a sociedade civil.

Dentro desse sentido pluridimensional, Jordi Bonet Pérez353 chama a atenção para os sentidos políticos e jurídicos. A exigibilidade política dos direitos econômicos, sociais e culturais relaciona-se às medidas que devem ser tomadas para a efetividade desses direitos através da implementação de políticas públicas e a criação ou modificação legislativa. A exigibilidade jurídica diz respeito ao reconhecimento jurídico que os direitos econômicos, sociais e culturais possuem diante dos tribunais e é uma garantia diante da inércia legislativa de implementar as ações que promovam tais direitos. A exigibilidade jurídica pode ser direta, quando os tribunais invocam os DESC para evitar uma ação que os viole. Ou pode ser indireta, quando são invocados outros direitos, como o direito à igualdade ou à não discriminação, para que se efetivem os DESC.

351 AJILA FERNANDEZ, Rosa Ana. Aproximación a La especificidad de La exigibilidad jurídica internacional

de los derechos culturales…p.143.

352

BONET PEREZ, Jordi. Introducción general: presupuestos y dinamismo evolutivo de la exigibilidad jurídica internacional de los derechos económicos, sociales y culturales. In: BONET PEREZ, Jordi; ALIJA

FERNANDEZ, Rosa Ana (eds.). La exigibilidad de los derechos económicos, sociales y culturales en la Sociedad internacional del siglo XXI: una aproximación jurídica desde el Derecho internacional. Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 11-67.

Jordi Bonet Pérez354 mostra alguns instrumentos internacionais que buscam garantir a exigibilidade dos DESC. Vejamos alguns deles:

a) A Declaração de Quito sobre a exigibilidade e realização dos DESC na América Latina e Caribe, de 1998 estabeleceu princípios sobre a efetividade e realização dos DESC, nos seguintes termos:

Princípios sobre a exigibilidade e a realização dos DESC

A exigibilidade é um processo social, político e legal. A forma e medida em que um Estado cumpra com suas obrigações a respeito dos DESC não somente tem que ser matéria de escrutínio dos órgãos de verificação do cumprimento das normas que os consagraram e garantiram, mais deve abarcar a participação ativa da sociedade civil nesta tarefa como condição de exercício de sua cidadania. Os DESC são direitos subjetivos cuja exigibilidade pode ser exercida individual e coletivamente.

Os Estados têm o dever de prevenir e sancionar a ocorrência de violações aos DESC por parte dos agentes privados. O Estado é responsável por omitir seu dever de protege-los, porém, tais agentes devem responsabilizar-se por seus atos e pelas conseqüências destes ante as instâncias de direito interno.

Os direitos econômicos, sociais e culturais são exigíveis através de diversa vias: judicial, administrativa, política, legislativa. A postulação de casos judiciais que se referem a estes direitos adquire um maior sentido no marco de ações integradas ao campo político e social, tanto nacional como internacional.

b) Por seu turno, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos previu a necessidade de adoção de providencias, pelos Estados membros, para o desenvolvimento progressivo dos DESC:

Artigo 26. Desenvolvimento progressivo

Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

c) Igualmente, a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos privilegiou, em suas disposições, a exigibilidade dos DESC, como se verifica na transcrição que segue:

Artigo 21º

1.Os povos têm a livre disposição das suas riquezas e dos seus recursos naturais. Este direito exerce-se no interesse exclusivo das populações. Em nenhum caso o povo pode ser privado deste direito.

2.Em caso de espoliação, o povo espoliado tem direito à legítima recuperação dos seus bens, assim como a uma indenização adequada.

3.A livre disposição das riquezas e dos recursos naturais exerce-se sem prejuízo da obrigação de promover uma cooperação econômica internacional baseada no respeito mútuo, na troca eqüitativa e nos princípios do direito internacional.

4.Os Estados Partes na presente Carta comprometem-se, tanto individual como coletivamente, a exercer o direito de livre disposição das suas riquezas e dos seus recursos naturais com vistas a reforçar a unidade e a solidariedade africanas.

5.Os Estados Partes na presente Carta comprometem-se a eliminar todas as formas de exploração econômica e estrangeira, nomeadamente a que é praticada por monopólios internacionais, a fim de permitir que a população de cada país se beneficie plenamente das vantagens provenientes dos seus recursos nacionais. Artigo 22º

1.Todos os povos têm direito ao seu desenvolvimento econômico, social e cultural, no estrito respeito da sua liberdade e da sua identidade, e ao gozo igual do patrimônio comum da humanidade.

2.Os Estados têm o dever, separadamente ou em cooperação, de assegurar o exercício do direito ao desenvolvimento.

No plano constitucional, o professor José Joaquim Gomes Canotilho355 faz análise interessante sobre a positivação constitucional dos direitos econômicos, sociais e culturais. Essa análise é feita a partir da comparação do tratamento desses direitos feitos pela Constituição Portuguesa, de 1976, e pela Constituição Espanhola, de 1978. Segundo o professor da Universidade de Coimbra, o problema dos direitos sociais está em levarmos a sério o reconhecimento constitucional de direitos como direito à saúde, ao ambiente e à cultura. E o caminho para a positivação desses direitos seria a promoção de uma política constitucional das liberdades abertas e progressivas. Ou em suas palavras:

O caminho, quanto a nós, não dever ser o de procurar desesperadamente uma nova teoria de “direitos absolutos puros”, mas sim o de, com base em “pactos fundadores”, “antropologicamente amigos”, promover uma política constitucional das liberdades “abertas” e “progressistas” (se quisermos pós-modernista), mas sempre intersubjetivamente fraterna.356

Abordamos os direitos culturais sob diversos enfoques, expondo diferentes características, mostrando instrumentos jurídicos que contemplam a sua defesa, pois a compreensão dos direitos culturais é essencial para analisarmos a proteção dos conhecimentos tradicionais, tema central deste trabalho.