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Conceito e características dos conhecimentos tradicionais nos instrumentos

2.2 Definições e conceitos sobre os conhecimentos tradicionais

2.2.2 Conceito e características dos conhecimentos tradicionais nos instrumentos

2.2.2.1 Convenção sobre a Diversidade Biológica

É interessante abordar alguns marcos normativos no âmbito do direito internacional que propõem formas de proteção aos conhecimentos tradicionais e para tanto tentam definir com mais clareza o que significam tais conhecimentos, de forma que a proteção seja mais efetiva. Alguns desses instrumentos jurídicos internacionais serão estudados com maior profundidade quando tratarmos dos mecanismos propostos para a proteção dos conhecimentos tradicionais, mas a definição legal é um passo relevante para se proteger adequadamente e com maior clareza tais conhecimentos. Além disso, marcos internacionais são importantes para sabermos como e onde avançarmos na proteção jurídica, entre outros motivos, por permitir um maior diálogo e visibilidade para os assuntos a que se buscam proteger. As análises neste momento estão relacionadas à parte conceitual de tais conhecimentos e das populações tradicionais. Alguns dos instrumentos internacionais tratados nesse momento serão retomados durante este trabalho com aprofundamentos justificados principalmente no que diz respeito à proteção dos conhecimentos tradicionais.

Convenção da Diversidade Biológica - CDB, acordada durante a reunião das Nações Unidas realizada no Rio de Janeiro, em 1992, é o primeiro instrumento internacional239 que busca a conservação da diversidade biológica, e tenta isso tratando da diversidade genética, de espécies e de ecossistemas. E trata isso associando a diversidade biológica com a diversidade cultural. A CDB ainda tem uma importância de direcionar os avanços na área da

238 CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas... p. 309. 239

RODRIGUES JÚNIOR, Edson Beas. Tutela jurídica dos recursos da biodiversidade, dos conhecimentos tradicionais e do folclore... p. 102.

biodiversidade, como o que é realizado através das metas de Aichi para a biodiversidade, através do Plano Estratégico de Biodiversidade 2011-2020. Segundo o seu artigo 8-J:

Artigo 8 - Conservação In situ

Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: (...)

j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica, e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento inovações e práticas; e encorajar a repartição eqüitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas,

O artigo 8-J da CDB estabelece que os conhecimentos tradicionais estão relacionados com a biodiversidade, com as inovações e com as práticas tradicionais. Afirma ainda que cada parte signatária deve se comprometer com a proteção, preservação, fomento e manutenção desses conhecimentos.

2.2.2.2 Protocolo da Nagoya

O Protocolo de Nagoya, que é um acordo internacional suplementar à CDB, tem o objetivo de estabelecer as condições para o acesso aos recursos genéticos e à repartição dos benefícios. Esse instrumento garante uma maior segurança jurídica e transparência ao tratar dos objetivos traçados na CDB, fazendo referência explícita ao artigo 15 da CDB que dispõe sobre o acesso aos recursos genéticos e a necessidade do consentimento prévio fundamentado. Apesar de assinado pelo Brasil em 2011, o Congresso brasileiro ainda não o ratificou, fato que causa prejuízo e apreensão aos povos indígenas e comunidades tradicionais. Em seu artigo 7, o Protocolo de Nagoya estabelece:

Artigo 7:

ACESSO A CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO A RECURSOS GENÉTICOS

Em conformidade com a legislação doméstica, cada Parte tomará medidas, conforme adequado, com o objetivo de assegurar que o conhecimento tradicional associado a recursos genéticos detido por comunidades indígenas e locais seja acessado com consentimento prévio informado ou com aprovação e envolvimento dessas comunidades indígenas e locais e em termos mutuamente acordados.

2.2.2.3 Declaração das Nações Unidas sobre os povos indígenas

A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas (2007) reconhece que povos indígenas são iguais aos demais povos e ao mesmo tempo tem direito de

serem diferentes e respeitados pela lei. Nessa declaração, várias formas como os conhecimentos tradicionais se manifestam são descritas, além de expor algumas de suas relações, como aquelas com a cultura e o avanço tecnológico. Segundo o seu artigo 31:

Artigo 31

1. Os povos indígenas têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver seu patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais, suas expressões culturais tradicionais e as manifestações de suas ciências, tecnologias e culturas, compreendidos os recursos humanos e genéticos, as sementes, os medicamentos, o conhecimento das propriedades da fauna e da flora, as tradições orais, as literaturas, os desenhos, os esportes e jogos tradicionais e as artes visuais e interpretativas. Também têm o direito de manter, controlar, proteger e desenvolver sua propriedade intelectual sobre o mencionado patrimônio cultural, seus conhecimentos tradicionais e suas expressões culturais tradicionais.

2. Em conjunto com os povos indígenas, os Estados adotarão medidas eficazes para reconhecer e proteger o exercício desses direitos.

2.2.2.4 Convenção das Nações Unidas de combate à desertificação

A Convenção das Nações Unidas de combate à Desertificação tem como uma de suas preocupações os problemas sociais que o processo de desertificação e a seca podem causar, como a pobreza, a migração desordenada, problemas sanitários e nutricionais. Os conhecimentos tradicionais são tratados nessa convenção, em seu artigo 16, letra g:

Artigo 16º

Coleta, Análise e Intercâmbio de Informação

As Partes acordam, de conformidade com as respectivas capacidades, integrar e coordenar a coleta e intercâmbio de dados e informações relevantes, tanto para o curto como a longo prazos, para assegurar a observação sistemática da degradação das terras nas zonas afetadas e compreender e avaliar melhor os processos e efeitos da seca e desertificação. Isto ajudaria a promover, entre outros objetivos, o alerta rápido e o planejamento antecipado nos períodos de variação climática desfavorável, de uma forma que os usuários, em todos os níveis, incluindo especialmente as populações locais, pudessem utilizar em termos práticos, esses conhecimentos. Para tanto, as Partes deverão, conforme for apropriado:

g) Em conformidade com as respectivas legislações e/ou políticas, permutar informações sobre o conhecimento local e tradicional zelando pela sua adequada proteção e assegurando às populações locais interessadas uma retribuição adequada em função dos benefícios resultantes desses conhecimentos, numa base eqüitativa e em condições mutuamente acordadas. [grifo nosso]

A Convenção das Nações Unidas de combate à Desertificação, ao tratar dos conhecimentos tradicionais, mostra indiretamente a diversidade de temáticas que pode envolver as questões que envolvem tais conhecimentos.

Segundo Edith Bastidas240, a proteção de informação não divulgada presente no contexto dos chamados acordos secretos comerciais, estabelecida no artigo 39 do Acordo TRIPs (Trade Related Aspects on Intellectual Property Rights) também pode ser utilizada para proteger os conhecimentos tradicionais.

SEÇÃO 7:

PROTEÇÃO DE INFORMAÇÃO CONFIDENCIAL ARTIGO 39

1. Ao assegurar proteção efetiva contra competição desleal, como disposto no ARTIGO 10bis da Convenção de Paris (1967), os Membros protegerão informação confidencial de acordo com o parágrafo 2 abaixo, e informação submetida a Governos ou a Agências Governamentais, de acordo com o parágrafo 3 abaixo. 2. Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informação legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas, desde que tal informação:

a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes;

b) tenha valor comercial por ser secreta; e

c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.

Os Membros que exijam a apresentação de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável, como condição para aprovar a comercialização de produtos farmacêuticos ou de produtos agrícolas químicos que utilizem novas entidades químicas, protegerão esses dados contra seu uso comercial desleal. Ademais, os Membros adotarão providências para impedir que esses dados sejam divulgados, exceto quando necessário para proteger o público, ou quando tenham sido adotadas medidas para assegurar que os dados sejam protegidos contra o uso comercial desleal.