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Biotecnologia e a regulação dos saberes tradicionais

4.2 Biotecnologia e conhecimentos tradicionais

4.2.1 Biotecnologia e a regulação dos saberes tradicionais

As discussões que envolvem o uso dos conhecimentos tradicionais por empresas multinacionais estão pautadas por demandas sociais relacionadas à repartição dos benefícios entre as empresas e as comunidades tradicionais, além da preservação das práticas culturais desses grupos. Diante disso, José Rodrigo Rodriguez, Mariana Giorgetti Valente, Flávio

374 WACHOWICZ, Marcos; ROVER, Aires José. Propriedade intelectual: conhecimento tradicional associado e

a biopirataria. In: IACOMINI, Vanessa (coord.). Propriedade intelectual e biotecnologia. Curitiba: Juruá, 2008. p. 45-61.

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WACHOWICZ, Marcos; ROVER, Aires José. Propriedade intelectual: conhecimento tradicional associado e a biopirataria. In: IACOMINI, Vanessa (coord.). Propriedade intelectual e biotecnologia. Curitiba: Juruá, 2008. p. 45-61. p. 53.

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GOMES CANOTILHO, José Joaquim. O Direito Constitucional ambiental português e da União Européia. GOMES CANOTILHO; José Joaquim; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 23-82.

Marques Prol e Bianca Tavolari377 analisam três diferentes visões gerais sobre a regulação dos saberes tradicionais. São elas: a visão preservacionista, a visão economicista e a visão chamada de exploração sustentável.

Na visão preservacionista, exige-se que o Estado defenda a sociedade do avanço das empresas sobre as riquezas naturais e que se busque preservar as práticas tradicionais. O mercado é visto como algo que pode destruir as culturas de grupos tradicionais e por isso deve ser contido.

A visão economicista impõe o aspecto econômico sobre as demais, de forma que a preservação ambiental é colocada como um obstáculo ao desenvolvimento humano e social. O mercado nesse caso é visto com poderes civilizatórios e seu avanço deve ser promovido pelo Estado. O sistema de patentes é defendido para os conhecimentos tradicionais como meio de desenvolvimento e não há uma preocupação com a preservação cultural.

A terceira visão, chamada de exploração sustentável, tenta ser um meio termo entre as duas anteriores, buscando o desenvolvimento econômico a partir das práticas e conhecimentos tradicionais, mas os preservando. Se nas duas visões anteriores tínhamos posturas radicais, ou pró economia ou pró cultura, e com poucos pontos de diálogo entre eles, no caso da visão intermediária temos um processo em que seres reais são chamados para tomar as decisões. Cultura e mercado não são vistos como essenciais na exploração sustentável.

O avanço da pesquisa em biotecnologia gerou um impacto positivo na população no sentido de se acreditar na possibilidade de cura de diversas enfermidades ou mesmo no aumento da produtividade agrícola. As expectativas com o uso dos conhecimentos tradicionais seguiram no mesmo caminho. Porém, algumas dificuldades foram identificadas e são mais cuidadosamente explicadas através das observações de Paulo Arruda, professor de Biologia da UNICAMP e criador da primeira empresa de biotecnologia do Brasil, entrevistado no projeto de pesquisa “Propriedade Intelectual e Conhecimentos Tradicionais” do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP - no contexto do projeto Pensando o Direito, do Ministério da Justiça e descrita no artigo “O Deus-sociedade contra o Diabo- mercado? Pesquisa científica, conhecimentos tradicionais e interesses econômicos”,

377 RODRIGUEZ, José Rodrigo; VALENTE, Mariana Giorgetti; PROL, Flávio Marques; TAVOLARI, Bianca.

O Deus-sociedade contra do Diabo-mercado? Pesquisa científica, conhecimentos tradicionais e interesses econômicos. In: SCHIOCCHET, Taya; SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés (coords.). Direito, tecnologia e sociedades tradicionais. Curitiba: Juruá, 2014. p. 185-204.

publicados no livro Direito, Biotecnologia e Sociedades Tradicionais378, coordenado por Taysa Schiocchet e Carlos Frederico Marés de Souza Filho.

Inicialmente, o professor Paulo Arruda esclarece a necessidade de elevado grau de investimentos em pesquisas na área de biotecnologia para se identificar processos biológicos que possam ser explorados economicamente e que gerem ganhos financeiros. Da mesma forma que diversas pesquisas produzem como resultado mercadorias que ao final não justificam uma exploração comercial, há ainda pesquisas que nem mesmo conseguem chegar a resultados positivos, ou como diz o professor: “Muitos estudos precisam ser feitos para que um deles, com sorte, tenham resultados positivos”379

Paulo Arruda380 rebate o argumento que os conhecimentos tradicionais poderiam acelerar etapas de pesquisa e diminuir custos, pois direcionariam a um caminho mais direto ao resultado positivo e uma mais clara exploração do resultado final. Ainda segundo esse argumento, os recursos biológicos e seus princípios ativos já teriam sido testados e tiveram resultados positivos entre os membros das comunidades tradicionais. Para o professor, pesquisas realizadas a partir de conhecimento tradicional podem durar muitos anos e consumir elevada quantidade de recursos financeiros. E não há a garantia que ao final tenhamos um produto com elevado valor a ser explorado comercialmente.

Podemos ainda nos deparar com uma pesquisa iniciada a partir de um conhecimento tradicional que chega a resultados semelhantes a outras pesquisas que iniciaram por caminhos totalmente diferentes a esse. E há ainda a possibilidade de se chegar a um medicamento sem a utilização do conhecimento tradicional.

O acesso ao conhecimento tradicional pode certamente influir positivamente para a redução de custos de fabricação de um produto associado à biotecnologia. Porém há pelo menos dois outros problemas a serem solucionados. O primeiro dele diz respeito ao valor econômico que seria calculado para se reparar o conhecimento tradicional que foi utilizado, pois não há um instrumento internacional que regule os critérios e os cálculos para se calcular os possíveis benefícios pela utilização do conhecimento tradicional. O outro problema é saber a quem se paga, quem está autorizado pela comunidade a receber os tais benefícios, ou melhor, quem deve ser remunerado, que possui a titularidade para representar a comunidade e

378 RODRIGUEZ, José Rodrigo; VALENTE, Mariana Giorgetti; PROL, Flávio Marques; TAVOLARI, Bianca.

O Deus-sociedade contra do Diabo-mercado? Pesquisa científica, conhecimentos tradicionais e interesses econômicos. In: SCHIOCCHET, Taya; SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés (Coords.). Direito, tecnologia e sociedades tradicionais. Curitiba: Juruá, 2014. p. 185-204.

379 RODRIGUEZ, José Rodrigo; VALENTE, Mariana Giorgetti; PROL, Flávio Marques; TAVOLARI, Bianca.

O Deus-sociedade contra do Diabo-mercado? p.188.

380 RODRIGUEZ, José Rodrigo; VALENTE, Mariana Giorgetti; PROL, Flávio Marques; TAVOLARI, Bianca.

a receber os possíveis benefícios? A dificuldade prática de se identificar os titulares de tais direitos é um sério risco de que se impeça a utilização dos recursos e dos saberes locais, como afirma Natalia Tobón Franco381.

Esses são problemas que precisam ser resolvidos para uma justa repartição dos benefícios. E temos ainda que deixar claro que a valorização econômica dos conhecimentos tradicionais não é garantia da preservação e valorização dessas práticas382. É possível até haver um movimento contrário a isso, ou seja, ao invés de proteger a diversidade e os conhecimentos tradicionais, a valorização econômica pode destruí-los a partir do momento que esses conhecimentos tradicionais são levados a ingressar numa lógica de mercado totalmente diversa da cosmologia dos grupos que detém esse conhecimento tradicional.