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A expansão do direito penal e o fenômeno da “Administrativização”

3 DA RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E O DIREITO ADMINISTRATIVO

3.5 A expansão do direito penal e o fenômeno da “Administrativização”

Como visto, diante da fragilidade do meio ambiente face ao desenvolvimento econômico desenfreado na sociedade de risco, exige-se, a atuação do Direito Penal como um mecanismo de garantia da tutela deste bem jurídico supra-individual. Entretanto, como enfatizado, a atuação do sistema penal sobre os riscos juridicamente relevantes, exige-lhe a dotação de ―mecanismos dogmáticos de tutela diferenciados em relação aos adotados pelo Direito Penal clássico‖505, como já suscitados, em nome dos parâmetros preventivos, surgindo

então, figuras típicas renovadas, tais como: os tipos penais de perigo abstrato, delitos por acumulação e as normas penais complementadas por conceitos, normas ou atos administrativos.

Sobre este último ponto, destaca-se que representa um dos mecanismos mais presentes nesta nova compleição estrutural do Direito Penal do Ambiente, o que demarca o frequente relacionamento e reenvio ao Direito Administrativo, e que, alguns autores denominam de ―administrativização da tutela penal‖ por meio da ―acessoriedade administrativa‖. Deste modo, concentrando-se neste aspecto característico do Direito Penal do Ambiente, faz-se imprescindível o estudo das possíveis funções assim desempenhadas e seus respectivos limites, para a compreensão dos aspectos normativos mais emblemáticos na legitimação da tutela penal dos bens ecológicos.

Antes que se compreendam as nuances das técnicas de reenvio, no âmbito dos crimes ambientais, é preciso conceituar do que se trata o fenômeno da ―Administrativização do Direito Penal‖506 diante dos novos parâmetros punitivos da sociedade de risco. Esta

expressão não tem sido empregada com o mesmo sentido sempre. Uma definição superficial

505 MACHADO, Fábio Guedes de Paula; GIÁCOMO, Roberta Catarina. Breves reflexões sobre a

administrativização do Direito Penal, delitos por acumulação e antecipação da tutela penal na proteção do bem jurídico ecológico. Diritto & Diritti. Disponível na Internet em: http://www.diritto.it/pdf/28544.pdf. Acesso em out.2012, p. 1 e ss.

506 Cf. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 141 e ss. Ver também: FEIJÓO SÁNCHEZ, Bernardo.

Sobre a administrativização do direito penal na ―sociedade de risco‖. Notas sobre a política criminal no início do século XXI. Trabalho publicado em DÍAZ-MAROTO e J. VILLAREJO (eds.). Derecho y Justicia penal en el Siglo XXI. Liber amicorum en homenaje al Profesor António Gonzáles-Cuéllar García, Edit. Colex, Madrid, 2006. Tradução de Bruna Abranches Arthidoro de Castro; revisão de Augusto Silva Dias. In: Revista Liberdades IBCCrim. São Paulo: IBCCRIM, nº 7, mai./ago.2011, p. 25.

poderia levar a sustentar que este fenômeno representa a utilização do Direito Penal pelo Estado, como forma de garantir a execução e o bom andamento de suas demais atividades, propriamente aquelas relativas à Administração Publica e a gestão de âmbitos sociais507.

Entretanto, não se pode confundir esta ―administrativização‖ da tutela penal com as tendências ocorridas na primeira metade do século XX, em que o Estado fazia uso do Direito Penal para imposições de ordenação social, invertendo-se os prismas liberais contratualistas, e, utilizando-se, a todo custo, de força policial para conformar as orientações político-ideológicas estatais508.

O traço distintivo da ―Administrativização do Direito Penal‖ atual é concebido na atuação do sistema punitivo como forma auxiliar ou acessória do Estado para o controle de espaços ou interesses coletivos e difusos, tais como o meio ambiente e as relações de consumo na ordem econômica. Como visto no início deste estudo, a globalização enfraqueceu a figura do Estado centralizador, em razão das várias entidades (públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras) que atuam simultaneamente àquela Instituição, introduzindo-se novas tecnologias e informações, e, com isso, aumentando-se o risco nas interações sociais.

Deste modo, relegou-se ao Estado um papel meramente de gestão de recursos essenciais e de atividades socioeconomicamente importantes, de modo que só o Direito Administrativo, com suas funções de poder de polícia e sua autoexecutoriedade, não tem se demonstrado tão eficaz no controle das atividades que envolvam riscos à coletividade. Assim, o Direito Penal se aporta como mecanismo de fortalecimento do Direito Administrativo.

Sobre este assunto, Silva Sánchez afirma que é fruto do fenômeno contemporâneo da expansão do direito penal, a transformação deste ramo, que passa a atuar de forma preventiva, assim como tradicionalmente se incumbia ao Direito Administrativo. Com isso, os tipos penais preveem condutas de perigo ou de mera desobediência a normas administrativas, o que, em muito dificulta o grau de legitimação e a autonomia do Direito Penal: já que as sanções passam a ser também as mesmas do direito administrativo, levando-se a refletir acerca da real função do jus puniendi estatal.

Feijóo Sánchez sustenta que o fenômeno da administrativização transforma sensivelmente não só o direito penal material, como também o instrumental, já que passa-se a

507 GUARAGNI, Fábio André. A intensificação do uso de técnicas de reenvio em Direito Penal: motivos

político-criminais. In: Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 12, n. 1, p. 35-47, jan./jun. 2012 - ISSN 1677- 6402. Disponível na Internet em: www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/.../1640. Acesso em: dez.12, p. 37.

508 Este era o modelo presente na época da Ditadura Vargas e em outros períodos ditatoriais no Brasil. Cf.

tratar o direito penal como direito administrativo, admitindo-se barganhas, privatizando-se presídios etc. O autor acredita que a administrativização seja, de certo modo, um fenômento patológico, pois desconfigura os papéis de ambos os sistemas sociais, fazendo-se dotar o Direito Penal de funções ilegítimas509.

Neste sentido, num primeiro modo de vista, as condutas que incorrem em delitos ambientais, de conteúdo fortemente administrativo (v.g. art. 29 e tantos outros da Lei 9.605/98, que tratam de típicas apenas as condutas praticada na ausência de licença, autorização ou permissão administrativa), poderão ter sua tipicidade penal apoiadas por critérios de legalidade administrativa, de modo que, em alguns casos, até a antijuridicidade estará também afetada, razão pela qual se torna inarredável a análise das formas de relacionamento entre o Direito Penal e o Direito Administrativo na proteção do meio ambiente, a fim de aferir o grau de autonomia entre as esferas de sancionamento estatal.

3.6 Das modalidades de relacionamento entre o Direito Penal e o Direito Administrativo:

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