• Nenhum resultado encontrado

Do âmbito de atuação preventiva: as licenças, permissões e autorizações

3 DA RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E O DIREITO ADMINISTRATIVO

3.3 Do direito administrativo ambiental

3.3.1 Do âmbito de atuação preventiva: as licenças, permissões e autorizações

Dentre os mecanismos de prevenção e averiguação da responsabilidade ambiental mais importantes do direito administrativo estão, certamente, as licenças ambientais.

Inúmeros comportamentos diários, embora possam ser aparentemente lesivos ao meio ambiente em grande escala, são, contudo, socialmente tolerados em nome das necessidades de desenvolvimento sustentável. Caso não se tolerasse um mínimo de condutas potencialmente poluidoras, quase nenhuma atividade da sociedade contemporânea poderia ser realizada. Diante deste contexto, cabe à Administração, através de seus órgãos administrativos especializados e através de seu poder regulamentar, editar os limites toleráveis de exploração dos recursos ambientais, sopesando-se assim, interesses particulares e econômicos importantes e, convocando o particular para atender às exigências mínimas de cautela.

Entretanto, como é necessário um frequente controle de níveis toleráveis das atividades potencialmente poluidoras, algumas destas exigem, para a sua execução, dos condicionamentos preventivos inerentes à Administração Pública: as licenças, permissões e autorizações ambientais. Para José Afonso da Silva, trata-se de um direito cujo exercício é condicionado ao preenchimento de determinadas exigências e de alguns requisitos impostos em lei. A outorga da licença significa o atendimento dessas exigências. Por isso, na visão deste autor, a licença é um ato vinculado, ou seja, se o titular comprova o cumprimento dos requisitos para o efetivo exercício, não pode ter seu pleito recusado422.

Contudo, o licenciamento ambiental diferencia-se bastante da licença tradicional. O licenciamento ambiental é ato discricionário da administração, discricionariedade esta não analisada em um único momento e sim em todo complexo procedimento para concessão de uma licença ambiental.

Das lições tiradas da obra de Celso Fiorillo: ―O licenciamento ambiental, por sua vez, é o complexo de etapas que compõe o procedimento administrativo, o qual objetiva a

concessão de licença ambiental‖423. Para Edis Milaré, ―autorizações e licenças tipificam atos

administrativos que se referem a outorga de direitos‖424.

A autorização é definida como um ato precário e discricionário, porque não pressupõe um direito anterior a ser exercido. Vale dizer, o direito ao exercício da atividade autorizada nasce com a outorga da autorização. Ao contrário, ela pressupõe uma proibição geral, expressa ou decorrente do sistema, ao exercício da atividade. Já a licença, por sua vez, seria um ato administrativo vinculado e definitivo, que impõe a obrigação de o Poder Público atender à súplica do interessado, uma vez atendidos, exaustivamente, os requisitos legais pertinentes.

Na legislação ambiental muitas vezes o termo ―permissão‖ é usado no sentido de ―autorização‖. Mas permissão, para Hely Lopes Meirelles425 ―é ato administrativo negocial,

discricionário e precário, pelo qual o Poder Público faculta ao particular a execução de serviços de interesse coletivo, ou o uso especial de bens públicos a título gratuito ou remuneração, nas condições estabelecidas pela Administração‖.

Para Silva, a permissão também não se confunde com concessão (contrato administrativo bilateral), nem com autorização (contrato administrativo unilateral). Na

concessão contrata-se um serviço de utilidade pública. Pela autorização consente-se uma atividade de interesse exclusivo ou predominante do particular. Já na permissão, faculta-se a realização de uma atividade de interesse concorrente do permitente, do permissionário e do público426.

Quanto à diferenciação entre a licença administrativa tradicional e a licença ambiental, Paulo Affonso Leme Machado esclarece que: ―O emprego na legislação e na doutrina do termo ―‗licenciamento‘ ambiental não traduz necessariamente a utilização da expressão jurídica licença, em seu rigor técnico‖427, em relação ao ato administrativo

vinculado da licença administrativa e ao ato administrativo discricionário do licenciamento ambiental. Esclarece o jurista que: ―Não há na licença ambiental o caráter de ato administrativo definitivo; e, portanto, com tranquilidade, pode-se afirmar que o conceito de licença, tal como o conhecemos no direito administrativo brasileiro, não está presente na expressão licença ambiental‖428.

423 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Op. cit., p. 65. 424 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 510.

425 MEIRELLES, Hely Lopes. Op. cit., p. 184. 426 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 283.

427 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 257. 428 MACHADO, Paulo Affonso Leme, Ibidem, p. 258.

Milaré afirma que as licenças ambientais nem sempre são atos administrativos vinculados, como é trazido pela doutrina o conceito de licença tradicional429. Isto porque em algumas situações, a licença ambiental está condicionada ao prévio estudo de impacto ambiental, cujo resultado não é, nos dizeres de Lúcia Valle Figueiredo, ―vinculante para o administrador, que poderá escolher uma das soluções encontradas no relatório, mesmo que não seja ela a preferida da equipe técnica elaboradora do estudo‖430.

Para alguns autores como, Paulo Affonso Leme Machado431, Toshio Mukai432, por exemplo, a licença ambiental trata-se na verdade de autorização e não, propriamente, de

licença. Isto porque se fosse licença, deveria o ato da outorga trazer necessariamente a marca da definitividade, o que, na prática não ocorre, pois há prazos de validade para as outorgas. Já para Paulo de Bessa Antunes433 e Édis Milaré434, apesar da licença ambiental ter prazo de validade estipulado, goza de caráter de estabilidade, portanto, sabe-se que constitui um direito, garantido a todos o exercício, desde que atendidas as restrições legais, de forma que trata-se de uma licença e não de uma autorização.

Certo é que a summa divisio entre atividades estritamente vinculadas e discricionárias não pode mais ser vista no Direito Administrativo moderno. Nenhuma atividade é, exclusivamente, característica de apenas uma ou da outra função. O que ocorre é uma preponderância do caráter discricionário sobre o vinculado em determinados atos administrativos, o que dão o tônus da atribuição435. Neste sentido, é preciso levar em consideração as peculiaridades do licenciamento ambiental, para não confundi-lo com os conceitos tradicionais de outros atos administrativos.

Não se pode olvidar que a Constituição Federal deixou a cargo do IBAMA, órgão federal, uma competência supletiva para intervir nos licenciamentos iniciados pelos órgãos estaduais ou municipais, caso haja alguma irregularidade com estes.

Para Paulo de Bessa Antunes, a criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) foi para possibilitar uma melhor organização das diversas atribuições e

429 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 515.

430 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Discriminação constitucional das competências ambientais. Aspectos pontuais

do regime jurídico das licenças ambientais. In: Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 35, p. 53, 2004.

431 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 295.

432 MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, pp. 37-

40.

433 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008, p. 141. 434 MILARÉ, Édis. Ibidem, p. 517.

435 Celso Antônio Bandeira de Mello (Op. cit.) se figura diante dos autores, embora minoria, que discordam desta

concepção e que sustentam a diferença entre atos vinculados e discricionários diante das finalidades previstas em lei para a sua execução.

promover a descentralização da Administração, de forma cooperada e harmoniosa. Salienta Antunes, que em nome da competência residual dos integrantes do SISNAMA, ―é plenamente possível que sejam necessárias licenças diversas e que a concessão de uma delas por si só, não seja suficiente para autorizar determinado empreendimento‖436.

Edis Milaré437 e Paulo Affonso Leme Machado438 também se conformam com este posicionamento porque, para eles, o licenciamento integra o âmbito da competência de execução, e, assim sendo, os três níveis de poder estão habilitados a implementar o procedimento licenciatório de obras ou atividades impactantes. Além disso, enquanto não se elaborar a Lei Complementar prometida pelo art. 23, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, estabelecendo normas para cooperação entre as pessoas jurídicas incumbidas da gestão ambiental, ―é válido sustentar que todas elas, ao mesmo tempo, têm competência e interesse de intervir nos licenciamentos ambientais‖439.

Outro ponto questionado é se a Resolução n. 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é constitucional, pois no seu art. 7º, dispõe que ―os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência‖, ao passo em que a Constituição (art. 23, III, VI e VII) teria afirmado que a competência dos órgãos é comum para proteger o meio ambiente. Neste aspecto, em especial, é importante ressaltar que quando a dita resolução afirmou ―um único nível de competência‖, deve-se interpretar que a competência de que trata é a competência legislativa, ou seja, as regras para o licenciamento ambiental devem ser unas para quaisquer dos entes federados.

Fazendo-se esta interpretação, é possível chegar à conclusão de que embora a competência administrativa para licenciar seja de acordo com a intensidade do dano, e, que isso não descarta a possibilidade de licenças cumulativas para maior proteção ambiental, é indispensável que estes vários procedimentos cumulados obedeçam a regras procedimentais gerais que atendam aos princípios básicos do processo administrativo – precipuamente aqueles decorrentes da Lei 9.784/99 (que trata do processo administrativo no âmbito federal).

Diante do que foi apresentado, verifica-se a importância das licenças, permissões ou autorizações ambientais como instrumentos preponderantes de prevenção de danos e gerenciamento de riscos ambientais, sujeitos a múltiplos controles pela autoridade administrativa.

436 ANTUNES, Paulo de Bessa. Ibidem, p. 153. 437 Cf. MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 525.

438 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 296. 439 MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 525.

Documentos relacionados