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Do âmbito de atuação repressiva: o procedimento sancionador

3 DA RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E O DIREITO ADMINISTRATIVO

3.3 Do direito administrativo ambiental

3.3.2 Do âmbito de atuação repressiva: o procedimento sancionador

A expressão ―responsabilidade‖ tem sua etimologia derivada da palavra ―responsável‖, que do latim reponsus vem do verbo respondere, que traz a ideia de reparar, recuperar, compensar, ou pagar pelo que foi feito440. A responsabilização parte da premissa de que a prevenção deve sim ser preconizada, entretanto, não existe um Estado Democrático de Direito em que não se haja segurança jurídica de determinar sanções àqueles que infrinjam as normas de convivência, sobejamente em matéria ambiental441.

Primeiramente, cabe citar o conceito das sanções administrativas como sendo as penalidades impostas pelos órgãos vinculados de forma direta ou indireta à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, obedecidas as competências previamente fixadas em lei, em razão do chamado ―poder de polícia‖442 da Administração Pública em relação àqueles que

estão a ela vinculados de alguma forma443.

Para Osório Medina, a sanção administrativa teria quatro elementos fundamentais: a) autoridade administrativa (elemento subjetivo); b) efeito aflitivo da medida em que se exterioriza(elemento objetivo), que se subdivide em: b1. privação de direitos existentes e b2. imposição de novos deveres; c) finalidade repressora, reprimindo-se uma conduta e no restabelecimento de uma ordem jurídica (elemento teleológico); d) natureza administrativa do procedimento (elemento formal)444.

A responsabilidade administrativa, em matéria ambiental, ocorrerá quando houver infração a normas administrativas ambientais, sujeitando o infrator a penalidades (também administrativas)445. Sobre a responsabilidade administrativa em termos ambientais, também

440 SILVA. De Plácido e. Vocabulário jurídico. 29. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. 441 LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo. Op. cit., p. 59.

442 Vale lembrar que o poder de polícia administrativo corresponde à atividade estatal, no âmbito dos poderes

públicos, de limitar ou restringir atividades que lesem o interesse público, precipuamente relativos à segurança, ordem, higiene e até atividades econômicas que devem ser exercidas mediante controle da administração. Aliás, concebe-se a partir do texto constitucional, uma nova dimensão do poder de polícia: frente à demanda ambiental, que tem caráter difuso; o interesse não é meramente público, pois, com esta nova concepção, o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, pertencente tanto às presentes quanto às futuras gerações, o que o torna compartilhado por um grupo de indivíduos indeterminados, unidos por relações fáticas e de caráter notavelmente indivisível. Apesar de o poder de polícia ser, na maior parte das vezes, um poder administrativo que é exercido de ofício, sem provocação do particular – já que à Administração convém também a tomada de atitudes que visem proteger o meio ambiente de forma preventiva -, não se dispensa, de forma alguma, as garantias do devido processo legal. (Neste sentido, SILVA, José Afonso da. Op. cit.; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit.)

443 Cf. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Op. cit., pp. 133-137.

444 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,

p. 162.

algumas noções essenciais devem ser trazidas para a compreensão do presente estudo. De acordo com a Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), em seu art. 70, há a definição de que infrações administrativas ambientais são ―toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e reparação do meio ambiente‖.

As sanções administrativas mais comuns nas Leis Ambientais (conforme art. 72 da Lei 9.605/98) são: advertência; multa simples; multa diária; apreensão de coisas e objetos; destruição ou inutilização de produtos; suspensão de venda ou fabricação de produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obras; suspensão de atividades (parcial ou total) e, até, certas penalidades administrativas restritivas de direitos (tal como a proibição de contratar com o Poder Público ou a cassação da função ou atividade técnica).

Assim como em relação às demais sanções, a sanção administrativa ambiental depende, para sua aplicação, de um devido processo administrativo disciplinar ou sancionador, no qual Hely Lopes Meirelles afirma ser necessária a efetivação das garantias constitucionais do processo, tais como: contraditório, oportunidade de defesa, sob pena de anulação do processo446.

A instauração do processo administrativo sancionador ambiental pode se dar por meio de Auto de Infração ou qualquer peça de informação equivalente, nos quais a autoridade competente pela autuação deverá descrever todos os elementos necessários para a elucidação da infração (dia, hora, local etc.) e para a responsabilização do agente causador (identificação e conduta realizada). Na sequência, haverá a Instrução, onde serão apreciadas as provas produzidas bem como será possibilitada a defesa do imputado, em todos os meios admitidos pelo direito. Ao final, a Autoridade competente para o Julgamento mediante o Relatório, julgará o caso com a proposta de aplicação da sanção ou absolvição do imputado.

Uma das grandes discussões sobre a responsabilidade sancionatória administrativa ambiental está no complexo quadro de competências de diversos órgãos – Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA), Instituto Estadual de Florestas (IEF), Polícia Ambiental, etc -, que atuam (muitas vezes) simultaneamente, acerca da mesma infração ou dano ao meio ambiente, em razão da competência constitucional de proteção ambiental ser, como visto anteriormente, comum.

Além disso, outro ponto questionado na atuação do direito administrativo ambiental na proteção do meio ambiente é em relação à imparcialidade ou falta de neutralidade da figura do julgador no processo administrativo sancionador. Isto porque, a

Administração é, ao mesmo tempo, parte interessada e julgadora dos processos administrativos sancionadores em matéria ambiental447. Ela tem a função de proteger o meio ambiente e, ao mesmo tempo, julgar os eventuais ilícitos administrativos praticados por administrados ou até mesmo, em alguns casos, pelos seus próprios entes, quando por meio de condutas comissivas ou omissivas, houverem contribuído com a degradação ambiental.

Ressalte-se que toda atividade processual, notadamente sancionadora, deve guardar respeito com o princípio do ―devido processo legal‖, que compreende várias garantias processuais, que dele partem diretamente. Dentre elas, destacam-se: ampla defesa; contraditório; igualdade; publicidade; motivação; juiz ou autoridade administrativa natural; duplo grau de jurisdição ou revisibilidade das decisões administrativas etc. Ressalte-se que, inobservadas tais garantias, não há pressupostos processuais nem de processo administrativo e muito menos de judicial, posto que mesmo perante à Administração Pública deve ser garantido aos particulares a efetiva e menos onerosa participação dos administrados na formação da vontade estatal, sob pena de se agir de forma completamente árbitrária.

Entretanto, conforme leciona Maria Sylvia Zanella di Pietro448, as decisões administrativas jamais farão coisa julgada, pois, justamente em razão de o julgador administrativo também ser parte interessada, isto violaria um dos preceitos basilares do due

process of law, de forma que o controle jurisdicional é determinado constitucionalmente e deve ser assegurado – inclusive, na proteção penal do meio ambiente.

O grande entrave da atuação do Direito Administrativo Ambiental Sancionador, no que tange à imparcialidade do julgador, reside na possível responsabilização dos entes administrativos, dado que, no Brasil, em matéria ambiental, a responsabilidade é objetiva e solidária. Nesta situação, o Ente Administrativo Sancionador se quedaria num impasse entre se proteger o meio ambiente e desonerar a própria Fazenda Pública das eventuais responsabilidades.

Conforme lecionam Délton Winter de Carvalho e Lucía Gomis Catalá, pelo fato de os danos ao ambiente serem, em sua maioria, compostos por múltiplos agentes e dada a dimensão coletiva, abrem-se duas alternativas sobre a responsabilidade civil ambiental: primeiramente, a responsabilidade coletiva, onde, havendo vários agentes responsáveis pelo dano, cada qual deve ser responsabilizado pela parte correspondente à sua conduta; e, como é muito comum haver dificuldades em identificar todos os co-responsáveis e o seu grau de participação, é possível a aplicação da responsabilidade civil solidária, naquela em que

447 Cf. COSTA, Helena Regina Lobo da. Op. cit., p. 231. 448 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 492 e ss.

“qualquer dos co-responsáveis deverá responder pela totalidade da reparação, sem contudo,

haver prejuízo ao seu direito de regresso em relação ao percentual da participação atribuída a cada um dos responsáveis identificados‖449.

Neste diapasão, o direito pátrio optou claramente pela responsabilização objetiva dos danos perpetrados ao meio ambiente, cabendo tão somente se comprovar a existência dos gravames ao meio ambiente, bem como o seu nexo causal, uma vez que, tendo como um dos princípios norteadores da responsabilidade, o princípio do risco integral. Do referido princípio, estando presentes os elementos compostos pela: conduta, dano e nexo causal, definida estará a responsabilização privada ou pública dos eventuais efeitos lesivos causados450.

Assim, ante a ausência de Tribunais Administrativos autônomos451 para o sancionamento ambiental, há que se recorrer, em dados casos, ao Direito Penal Ambiental, dado o seu caráter jurisdicional e garantístico ser, ainda com todos os problemas eventualmente apresentados, a solução subsidiária diante da eventual ineficácia do Direito Administrativo Sancionador Ambiental.

449 CATALÁ, Lucía Gomis. Responsabilidad por daños al medio ambiente, p. 189 apud CARVALHO, Délton

Winter de. Dano ambiental futuro. A responsabilização civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2008, p. 108.

450 Os remédios legais, ou instrumentos processuais para efetivação ou garantia da reparação dos danos

ambientais que afetem a esfera privada, por parte daquele que se sentiu lesado em virtude da ação ou omissão causadora do dano ambiental, podem ser intentados perante o Judiciário seguindo-se o procedimento civil ordinário. Já os mecanismos processuais para a reparação dos danos ambientais em sua dimensão difusa ou coletiva, seja na esfera pública, ou causados por agentes públicos, ou por eles autorizados, deverão ser exercidos através da ação civil pública (procedimento previsto na Lei 7.347/1985), pela ação popular (Lei 4.717/65) e até mesmo por Mandado de Segurança e Tutela Cautelar em matéria Ambiental. No que tange às ações civis públicas, grande parte dos doutrinadores ainda afirma que os danos ambientais são de difícil reparação e valoração, vez que, atrelado a esta questão, encontra-se a possibilidade da cumulação com os danos morais coletivos(ver detalhamento sobre o assunto em LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Op. cit., p. 151 e ss.), na ação civil pública, restando o sistema jurídico pátrio, a despeito de proteger e criar salvaguarda de direitos, inclusive previstos na esfera constitucional, passa a não efetivá-los com clareza instrumental, criando óbices e complexidade processual desmedida, e muitas vezes passível de críticas. Cf. MILARÉ, Édis. Op. cit., p. 115.

451 Cabe citar o exemplo da Justiça Francesa, a qual: ―(...) divide-se em dois grandes ramos, absolutamente

independentes: Justiça Administrativa e Justiça Judiciária. Para julgar os conflitos de jurisdição entre estas duas Justiças, há o Tribunal de Conflitos, formado por 8 juízes com mandato de 3 anos. A Justiça Administrativa tem na cúpula o Conselho de Estado que, segundo ensina Luiz Guilherme Marques na excelente obra ―A Justiça na França – Um Modelo em Questão‖, LED, p. 132: ― tem duas funções: a) ajudar na redação de projetos de leis, ordenanças e decretos do Conselho de Estado e interpretação dos textos administrativos; b) julgar as causas em que a Administração é parte (contencioso administrativo)‖. O Conselho de Estado conta com 330 membros, dos quais parte são magistrados (http://www.conseil-etat.fr/cde/fr/chiffres-cles). Na segunda instância são 8 Cortes Administrativas de Apelação e, no primeiro grau, 42 Tribunais Administrativos (http://www.conseil- etat.fr/cde/fr/organisation-2/). Os juízes administrativos decidem questões de grande relevância (p. ex., as causas ambientais envolvendo o Estado), gozam de total independência e suas sentenças não são submetidas aos juízes dos Tribunais ordinários. Não há nada semelhante no Brasil.‖ Cf. INSTITUTO BRASILEIRO DE ADMINISTRAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO. A justiça na França. Administração da Justiça. Disponível em: http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=170. Acesso em: nov.2012.

3.4 As fronteiras entre o Direito Penal e o Direito Administrativo Sancionador:

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