• Nenhum resultado encontrado

Argumentos favoráveis à expansão, modernização e funcionalização do direito penal

2 EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E MEIO AMBIENTE: ASPECTOS

2.2 Divergências dogmáticas acerca da legitimidade e eficácia da tutela penal ambiental

2.2.2 Argumentos favoráveis à expansão, modernização e funcionalização do direito penal

A preocupação com a legitimação da atuação do Direito Penal na sociedade não é recente, mas, sensivelmente, a partir do século XX, por ocasião das crises econômicas, do incremento da população carcerária e do alto índice da reincidência, passou-se a levar em consideração as críticas feitas pela Sociologia Criminal à real situação do Direito Penal, principalmente quanto às suas pretensas funções, desempenhada, por longos anos, unicamente como retribuição pela prática dos delitos291. Daí, então, a visão puramente formalista de Direito Penal foi sendo abandonada, com o intuito de se dotar o jus puniendi de outras funções, precipuamente, as preventivas (geral e especial) e, portanto, mais relacionadas às necessidades sociais.

290 Conforme bem salientam, no mesmo diapasão, Machado, Fábio Guedes de Paula e Giácomo, Roberta

Catarina. Op. cit., p. 42.

291 Por muito tempo perdurou-se as ideias advindas das teorias absolutas acerca das funções do Direito Penal,

representadas por KANT e HEGEL, para quem, a missão deste ramo do direito era simplesmente buscar a retribuição moral (KANT) ou a retribuição jurídica (HEGEL) a partir da aplicação das penas. Na realidade, nenhuma outra função poderia ser atribuída ao Direito Penal, pois, para KANT, isso ―coisificaria‖ o homem a serviço de pretensos fins estatais. Neste sentido: SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 421 e ss.; PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 514.

Von Liszt292 concebia o Direito Penal como uma ciência com a função de ser instrumento delimitador do poder jurídico estatal, conhecido como a ―Magna Carta do criminoso‖. Este autor também considerava importantes os conhecimentos da Ciência da Política Criminal, mas advertia que seu objeto não poderia se confundir com o da dogmática penal, que possuía caráter científico diverso. Portanto, para Franz Von Liszt, a Política Criminal não poderia transpor os limites legais e garantísticos trazidos pelo Direito Penal293.

Roxin294, por sua vez, colocou um fim a esse impasse e, a partir de sua proposta funcionalista teleológica, reconheceu que um Direito Penal que pretende estar consetâneo à realidade para a qual é destinado, deve perseguir fins político-criminais, e, com isso, remodela toda a teoria do delito, baseando-se na necessidade de prevenção de crimes e redução da violência estatal na esfera das relações humanas. Diante das diversas tendências político- criminais decorrentes do posicionamento de Roxin, Figueiredo Dias295demonstra certo receio em relação à amplitude desta finalidade para atender a anseios sistêmico-sociais e, por isso, afirma que é necessário delimitar os parâmetros axiológicos das funções da Política Criminal com critérios normativos que têm como base o princípio da dignidade da pessoa humana.

Jakobs296, por sua vez, adota uma noção funcionalista sistêmica-normativista de Direito Penal, reconhecendo, ao mesmo tempo, a capacidade de promover a confiança e a manutenção das expectativas normativas dos indivíduos, o que deve se esperar de um sistema jurídico autopoiético297.

A indagação sobre a necessidade de uma funcionalização da dogmática penal na tutela do meio ambiente pode ser enfrentada por meio de uma série de abordagens, dentre as quais podem ser destacados, de um lado, o grupo dos autores que partem da aceitação de uma funcionalização do Direito Penal e suas categorias fundamentais, o que lhe permite uma adaptação às novas expectativas e tarefas, precipuamente aquelas em que surgem das relações de interação coletiva, e, dentro deste grupo, há que se diferenciar os que acolhem expressamente um ponto de partida funcionalista298, dos que apenas assim o são

292 Cf. VON LISZT, Franz. Tratado de derecho penal. Trad. Luís Jimenéz de Asúa. 3. ed. Madrid: Reus, 1994,

p. 80 e ss.

293 Cf. D‘ÁVILA, Fábio Roberto. Op. cit., p. 20. 294 Cf. ROXIN, Claus. Op. cit., p. 20.

295 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Parte Geral. Tomo I. 1. ed. brasileira. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais; Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 275.

296 Cf. JAKOBS, Günther. Op. cit., p. 55.

297 Cf. JAKOBS, Günther. Op. cit. p. 55. A partir do conceito trazido em Luhmann, entende-se que os sistemas

sociais ―autopoiéticos‖ são aqueles dotados de uma característica de ―auto-referência‖ e de ―auto-reprodução‖ internas, ou seja, são capazes de se diferenciar e de criar seus próprios limites em relação ao exterior (ambiente). Vide: LUHMANN. Op. cit., p. 42.

tacitamente299 (ou seja, sem assumir declaradamente uma postura funcionalista, embora admitindo a intervenção penal diferenciada face às novas tendências e expectativas sociais). De outro lado, há um grupo de autores que, de forma expressa ou tácita, acolhem a ideia de ―segurança‖ como diretriz do paradigma de sistema penal baseado numa sociedade risco300.

Por outro lado, há, ainda, aqueles301 que rechaçam a aceitação da ideia de novos riscos diversos dos vividos pela humanidade em tempos anteriores, porém, de certa forma, acabam concordando com o paradigma de mudanças, ao tratarem de novas técnicas de tutela, como por exemplo, os crimes de perigo abstrato e os delitos de cumulação302.

Diante das inúmeras teses atualmente que, de uma forma ou outra, concebem a possibilidade de proteção penal ambiental, algumas merecem destaque para que se possa confirmar o que se pretende neste trabalho, no sentido de dotar esta atuação de legitimidade e efetividade. Neste sentido, serão analisados os principais argumentos dos autores que defendem a necessidade de adaptação ou de modernização do direito penal para abranger o meio ambiente, dentre os quais figuram como consetâneos com os objetivos do presente estudo, as propostas de: Silva Sánchez, Kindhäuser, Kuhlen, Schünemann, Stratenwerth, Kratzsch e Tiedemann, conforme abaixo enfatizadas.

a) Silva Sánchez e o Direito Penal de 2ª Velocidade

De acordo com o sustentado por Jesus-María Silva Sánchez, em seus últimos trabalhos específicos sobre a tutela penal do meio ambiente, verifica-se um posicionamento do autor de modo moderado, em relação às tendências expansionistas, a fim de compactuar com algumas ressalvas promovidas pelos defensores de teses garantistas. Em outras palavras, Sánchez chega a admitir que um retorno ao Direito Penal tradicional, liberal clássico, é impossível diante dos novos bens e riscos, porém, não concorda com uma total flexibilização de garantias em nome desta expansão303.

Inicialmente, cabe ressaltar que, para Silva Sánchez, um Direito Penal Clássico e Liberal, tal como a Escola de Frankfurt pretende reconstruir, ―na realidade, nunca existiu

299 Representa esta característica: SCHÜNEMANN, Bernd. Op. cit., p. 113. 300 Neste sentido: KINDHÄUSER, Urs. Op. cit., p. 12.

301 Por exemplo, citem-se: SEELMANN (Op. cit.), SCHÜNEMANN (Op. cit.) e KUHLEN (Op. cit.). 302 Cf. KUHLEN, Lothar. Op. cit., p. 35.

como tal‖304, pois o que havia no século XIX era um sistema sancionador penal altamente

rigoroso e autoritário305, o que exigia, desta forma, um contrapeso com as garantias penais. O autor entende que nem todo sistema jurídico sancionador deve possuir as mesmas regras jurídicas, pois, mesmo no próprio sistema penal, em sentido estrito, as consequências jurídicas são ―substancialmente diversas‖306.

Sánchez afirma que a expansão do Direito Penal, em geral, não é, em si, um problema; na verdade, o que é ruim é a expansão da pena privativa de liberdade307. É neste sentido que, de certo modo, o autor compartilha, em alguns termos, com a proposta de Hassemer de retirar do ―Direito Penal Clássico‖ a tutela dos novos bens jurídicos coletivos, tal como o meio ambiente, delegando-se ao ―Direito de Intervenção‖ esta nova função, sem, contudo, prever a imposição de penas privativas de liberdade308.

Entretanto, Silva Sánchez não concorda com a delegação da tutela ao intitulado ―Direito de Intervenção‖ proposto pelo autor da Escola de Frankfurt, isto porque o jurista espanhol não vê problemas em incluir a proteção desses novos interesses coletivos, num modelo de menor intensidade de garantias dentro do próprio Direito Penal309, desde que não se utilize a pena privativa de liberdade.

Na visão assim sustentada, acredita-se que o Direito Penal ―aporta sua maior neutralidade no que diz respeito à política, assim como a imparcialidade própria do jurisdicional‖, o que, se comparado ao Direito Administrativo Sancionador, torna mais difícil para o agente delituoso fazer-se valer ―de técnicas de neutralização do juízo de desvalor (reprovações de parcialidade, politização) de que aquele (Direito Administrativo) se serve com frequência diante da atividade sancionadora das administrações públicas‖310.

Assim, eis que o meio ambiente é um bem jurídico supra-individual, que pode vir sim a ser tutelado pelo Direito Penal, porém, em sua estrutura de 2ª velocidade, quando houver a relativização de princípios de garantia – o que já acompanha as novas técnicas de

304 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, p. 177.

305As sanções impostas por este tão ―propagado‖ Direito Penal Liberal Clássico do século XIX consistiam em:

degredo, trabalhos forçados, penas de prisão perpétuas etc. Daí a necessidade de se pleitear garantias contra os arbítrios estatais. Hoje, contudo, as sanções (pelo menos, as inerentes aos delitos ambientais), são notadamente pecuniárias e preconizam a reparação do dano. Tanto é que a lei faculta antes mesmo da intervenção penal, a possibilidade de assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta ou de celebrar a transação penal prevista no art. 74 da Lei 9.099/95, o que, demonstra a diferença com as sanções penais ―liberais‖ do século XIX.

306 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, p. 181.

307 Um estudo recente e bem aprofundado sobre a falência da pena de prisão pode ser encontrado em:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

308 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, p. 183. 309 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, pp. 184-185. 310 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, pp. 184-185.

tutela inerentes à proteção do mesmo – e, neste sentido, não há que se falar em penas de prisão, mas somente em penas reparatórias, pecuniárias e privativas de direitos. Apesar de suas penas serem muito similares às sanções administrativas, diante das necessidades político- criminais existentes, ainda se manteria a característica do sistema penal, atrelada à judicialização, tendo em vista a imparcialidade máxima, assim como manter-se-iam os significados ―penais‖ dos ilícitos e de suas respectivas sanções. Em outras palavras, o autor almeja com esta bipartição das formas de imputação e sancionamento, garantir que, por exemplo, na proteção do meio ambiente, a sanção ―fosse imposta por uma instância judicial penal, de modo que preservasse (na medida do possível) os elementos de estigmatização social e de capacidade simbólico-comunicativa próprios do Direito Penal‖311.

Nesse âmbito de flexibilização, seriam perfeitamente compreensíveis, dentro de certos critérios: a imputação da pessoa jurídica, a ampliação dos critérios de autoria ou de omissão imprópria, a utilização dos crimes de perigo abstrato e os delitos de acumulação para a proteção de bens supraindividuais, como o meio ambiente. Tudo isto, reiterando-se, desde que não se aplique a pena privativa de liberdade312.

O único lamento de Sánchez é que, nos países, em geral, esta expansão legislativa não tem abdicado da pena de prisão, o que, em termos, vem carecendo de razoabilidade político-jurídica313.

b) Urs Kindhäuser

De acordo com as premissas sustentadas por Kindhäuser, nas sociedades industriais modernas há uma série de riscos que perpassam o indivíduo, os quais conduzem a inseguranças que só podem ser dominadas por toda a coletividade. Neste sentido, o Direito surge como um dos principais mecanismos de gerenciamento de riscos existentes e, mais precisamente, o Direito Penal se apresenta quando é preciso observar valores-limites para os riscos socialmente considerados314.

311 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, p. 191. 312 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, pp. 190-192. 313 SILVA SÁNCHEZ, Jesus-María. Ibidem, p. 192.

314 KINDHÄUSER, Urs. Estructura y legitimación de los delitos de peligro del derecho penal. Trad. Nuria Pastor

Muñoz. Revista Electrónica del Instituto Latinoamericano de estúdios en ciências penales y criminologia, 004- 01 (2009), pp. 1-17) Disponível na Internet em: www.ilecip.org. Acesso em: jul.2012, pp. 1-2.

O progresso técnico-científico não contribui de forma apenas positiva, mas colabora também para acrescer possibilidades de abusos (como os crimes ambientais e informáticos). Assim, a possibilidade desses abusos aumenta os temores individuais e coletivos que se apaziguam diante da prevenção. Esta necessidade, por sua vez, é saciada pela previsão de sanções de cunho penal. Assim, o Direito Penal se converte em ―Direito Penal de Segurança Social‖315.

Logicamente, Kindhãuser reconhece que os outros ramos do Direito (como o Direito Civil e o Administrativo) podem sim fazer frente à necessidade regulamentar de segurança. Por exemplo, no âmbito da responsabilidade civil objetiva, pode-se primar por direitos de indenização com a mera colocação em perigo de determinados direitos, o que obriga muitos setores a promoverem técnicas preventivas ou a realização de seguros316.

Também no âmbito do Direito Administrativo e dos demais setores do Direito Público, o autor verifica que é possível gerenciar esses novos riscos de forma até mais significativa que o Direito Civil, seja através da exigência de autorizações para a realização de determinados comportamentos (v.g. licenças e permissões ambientais), seja por meio da standardização de valores-limite para a emissão de determinadas substâncias nocivas pelas empresas e o controle de atividades perigosas (v.g. usinas nucleares etc.)317. Entretanto, ainda que sejam importantes tais setores no controle das atividades de risco, os legisladores estatais, em sua maioria (o autor cita exemplificativamente, a Alemanha), ainda não acreditam que a evitação dos perigos possa ser realizada sem o Direito Penal, dada sua inerente força dissuasória no comportamento dos eventuais infratores. Isto porque, em que pese as duas formas sancionatórias estatais - administrativa e penal - é nesta última, com a previsão da pena privativa de liberdade, que se demonstra uma intervenção mais intensa do ordenamento318.

O autor destaca que o Direito Penal, precipuamente no âmbito da dogmática- penal, sempre esteve concatenado com a realidade social na qual se inseria e que isto, invariavelmente (e não só agora), impôs-lhe a necessidade de modernizações e adaptações na estrutura do injusto. Cite-se a mudança de concepção havida de Feuerbach (que compreendia o delito como ofensa a direitos subjetivos) para Birnbaum (que criou a teoria do bem

315 KINDHÄUSER, Urs. Ibidem, p. 2 e ss. (tradução livre da autora) 316 KINDHÄUSER, Urs. Ibidem, p. 2 e ss.

317 KINDHÄUSER, Urs. Ibidem, p. 2 e ss. 318 KINDHÄUSER, Urs. Ibidem, p. 2 e ss.

jurídico), que se apresentou mais coerente, por exemplo, para a fundamentação penal da proibição de atos lesivos contra a Administração da Justiça319.

Deste modo, Kindhäuser acredita ser perfeitamente possível a modernização do Direito Penal para abarcar as novas situações de risco, tais como as relativas ao meio ambiente, pois acredita que os bens jurídicos são característicos não só das pessoas, mas também de determinadas coisas e instituições que ―servem ao livre desenvolvimento do indivíduo no Estado Democrático e Social de Direito‖. Diante desta compleição e, considerando-se que, em nome do patamar de segurança ora sustentado, ampliaram-se as formas de menoscabo dos bens jurídicos, admite-se como ofensas intoleráveis não apenas a lesão, mas também a colocação em perigo (concreta ou abstrata)320.

Essa modernização não altera o caráter fragmentário e de ultima ratio da intervenção penal, pois este ramo só será chamado a atuar em hipóteses extremas de gerenciamento de riscos, quando razões político-criminais de segurança assim o exigirem.

c) Lothar Kuhlen

Lothar Kuhlen, ao lado de pensadores como Stratenwerth e Schünemann, defende também um Direito Penal pautado nas ideias de prevenção e segurança, diante dos novos riscos sociais e, para tanto, intentam demonstrar, não obstante as inúmeras críticas, que é preciso modernizar a estrutura dogmática diante das deficiências apresentadas pelo enfoque tradicional.

Bem observa Kuhlen que os bens jurídicos ecológicos devem ser o prisma da proteção penal do meio ambiente, já que as fontes basilares vitais (tais como: água, ar, solo) necessitam ser protegidas para que se mantenham nas respectivas qualidades que possuem321. No entanto, a forma utilizada para a preservação destes interesses inarredáveis do bem-estar pode se dar a partir de diferentes mecanismos e regramentos, tendo em vista o caráter

319 O autor cita, na passagem, o crime de ―perjúrio‖ contra a Administração Pública e sem nenhuma vinculação

direta com direitos subjetivos individuais, fazendo perder a credibilidade da tese defendida por Feuerbach (KINDHÄUSER, Urs. Ibidem, p. 4 e ss.)

320 KINDHÄUSER, Urs. Ibidem, p. 14 e ss.

321 KUHLEN, Lothar. Umweltstrafrecht – auf der Suche nach einer neuen Dogmatik. Zeitschrift für die gesamte

Strafrechtswissenschaft 105, 1993, pp. 699-700 apud COSTA, Lauren Loranda Silva. Os crimes de acumulação no direito penal ambiental. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011, p. 41 e ss.; Idem, Os crimes de acumulação no

direito penal ambiental. Disponível em:

http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2009_1/lauren_costa.pdf. Acesso em: jul. 2012, p. 1 e ss.

intergeracional que abrange sua manutenção. Neste sentido, o autor entende que há que se fazer uma relativização no foco de proteção dos bens jurídicos ligados ao meio ambiente, pois, em alguns aspectos, a tutela é relativa diretamente aos interesses do homem, em si (visão antropocêntrica), mas em outros, também há que se proteger diretamente a natureza em si mesma (visão ecocêntrica) ou, ainda, concomitantemente, devem ser protegidos os interesses assim inter-relacionados (visão eco-antropocêntrica)322.

A tutela penal ambiental exerce uma real proteção (e não meramente simbólica) de bens jurídicos coletivos ou universais, através da previsão de regras e respectivas sanções, segundo Kuhlen, o que faz parte dos modernos problemas de desenvolvimento do Direito Penal diante da necessidade de gestão da insegurança social, própria da sociedade de riscos. Diante do particular contexto desses bens jurídicos, exigem-se fórmulas de tutela ou tipificação diversas dos demais bens individuais, tais como os crimes de perigo abstrato e, precipuamente, os delitos de cumulação (ações individuais, em primeiro plano, inofensivas, mas que, de forma reiterada ou cumulativa, geram ofensa de perigo a bens jurídicos).

Kuhlen, de certa forma, se preocupou em contribuir com uma técnica de tutela que garantisse a transcendência das condições vitais, através da punição das condutas que pudessem ser ofensivas à manutenção destas bases constitutivas323. Ele afirma que, em casos de um agricultor que lança dejetos num córrego, gerando-lhe condições desfavoráveis, e que, mesmo em longo prazo, não haja ofensa maior aos recursos hídricos, em razão de seu uso pelo homem, há que se observar, também, posteriormente, se tais condutas não vão gerar um problema para a manutenção da vida dos peixes e do ecossistema aquático, pois, em se tratando de proteção ao meio ambiente, estes itens devem ser observados tanto em relação aos homens, quanto aos animais e às plantas324.

Bottini afirma que os delitos por acumulação não podem ser tutelados por meio dos crimes de resultado, mas sim, por meio das técnicas dos tipos penais de perigo abstrato, isto porque, por meio dos critérios tradicionais de se aferir a relação de causalidade, não se conseguiria demonstrar o risco de dano potencial por meio de uma conduta isolada; somente em caso de reiteração é que a potencialidade do risco se demonstraria claramente325.

322 COSTA, Lauren Loranda Silva. Os crimes de acumulação no direito penal ambiental. Porto Alegre:

EDIPUCRS, 2011, p. 41 e ss.

323 Cf. BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. Delitos de acumulação e racionalidade da intervenção penal. In:

Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 17, n. 208, p. 03-05, mar., 2010, pp. 03-05.

324 Cf. KUHLEN, Lothar. Op. cit., p. 714-715 apud COSTA, Lauren Loranda Silva. Op. cit., p. 41-42.

325 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Op. cit., p. 125. Nas palavras do autor: ―Não será possível atrelar, por critérios

causais, o dano potencial a um ato isolado, porque este fenômeno decorre de um somatório de ações similares, que podem ser praticadas por agentes diversos. Logo, a única forma de atrelar uma consequência penal aos

Em relação aos delitos de perigo abstrato por cumulação envolvendo ataques ambientais, citam-se os exemplos326 a partir dos artigos 29 (caça de animais da fauna nativa sem autorização) e 34, I (pesca proibida), ambos da Lei 9.605/1998, em que o potencial lesivo das condutas só pode ser, de fato, constatado, sob a ótica da cumulatividade. Pense-se, por exemplo, a caça não permitida de 1(um) jacaré no Pantanal: aparentemente, é improvável que esta conduta possa levar à extinção ou à alterações bruscas no ecossistema. Entretanto, o tratamento do risco não deve ser visto de forma isolada, pois, pelo somatório de condutas aparentemente insignificantes, é que se haveria a razão penal de coibi-las.

Reconhece o autor que, para a intervenção penal no caso de delitos de cumulação (a citar como exemplo, novamente, o crime de poluição), os efeitos prejudiciais advindos com

Documentos relacionados