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1.3 O meio ambiente como bem jurídico-penal

1.3.3 Dignidade penal e necessidade de tutela penal do meio ambiente

A partir de uma teoria constitucionalista de bem jurídico, reconhece-se que o objeto jurídico de tutela penal deve ter substrato e importe fático na Constituição (de um Estado Democrático de Direito). Assim como assevera Mir Puig, o fato de um determinado

181 PALAZZO, Francesco Carlo. Op. cit., p. 75.

182 DIAS, Jorge de Figueiredo. Op. cit., p. 190-191. Nas palavras do autor: ―Mas a minha concepção pretende

igualmente afastar-se – e aqui reside o mais difícil, mas também o essencial – de uma concepção antropocêntrica dos bens jurídicos ecológicos, ligada a um entendimento ‗monista-pessoal‘ do bem jurídico, tal como é hoje vivamente preconizada, entre outros, por Hassemer e, de uma forma mais geral, pela chamada ‗Escola de Frankfurt‘. (...) Com esta formulação, uma tal tese parece-me incompatível com o reconhecimento de verdadeiros bens jurídicos ecológicos. Estes devem ser aceitos, sem tergiversações, como autênticos bens jurídicos colectivos. (...) O carácter coletivo do bem jurídico ecológico não exclui decerto a existência de interesses individuais que com ele convergem...‖ (DIAS, Jorge de Figueiredo. Ibidem, p. 191).

183 PALAZZO, Francesco Carlo. Op. cit., p. 75.

184 ALASTUEY DOBÓN, Maria Carmen. Ibidem, pp. 225-227. 185 ALASTUEY DOBÓN, Maria Carmen. Ibidem, pp. 225-227.

bem configurar um bem jurídico, ou seja, um importante valor consagrado inclusive constitucionalmente, não lhe dá o caráter de bem jurídico-penal, isto porque, ―nem todo bem jurídico requer tutela penal, nem todo bem jurídico há de se converter num bem jurídico- penal‖186.

Para que um bem jurídico, em conotação político-criminal, possa assim ser considerado um bem jurídico-penal, são necessárias duas condições: ―importância social e necessidade de proteção pelo Direito Penal‖187. Aliás, Rodríguez Mourullo acrescenta ainda

um terceiro critério: ―a eficácia de proteção‖188, que será tratado mais à frente, no âmbito das

discussões dogmáticas sobre a legitimidade da intervenção penal do ambiente.

A dignidade penal, conforme se depreende de Manuel da Costa Andrade, é ―um juízo qualificado de intolerabilidade social, assente na valoração ético-social de uma conduta, na perspectiva de sua criminalização e punibilidade‖189. Em outras palavras, significa que o

bem jurídico é de uma relevância tão grande para determinada sociedade que sua proteção é fator inarredável para o desenvolvimento da pessoa humana, num aspecto de preceitos mínimos de existência digna190. Assim, mesmo que um bem seja considerado digno de proteção penal, isto não quer dizer que a tutela será feita em relação a quaisquer ofensas. Graças ao caráter fragmentário da intervenção punitiva, apenas uma parcela de ofensas é objeto de tutela penal.

A colocação feita por Fábio Roberto D‘Ávila também deve ser trazida ao debate. Para o autor, é preciso atestar a legitimidade dos injustos-típicos, pois, mesmo diante das pretensões político-criminais do Estado, nem tudo pode ser objeto de incriminação. Esta análise de legitimidade parte, necessariamente, da ótica da dignidade do bem jurídico, sendo que esta investigação parte ―de uma noção de bem jurídico cujo conteúdo, além de estar em harmonia com a ordem axiológico-constitucional, seja trans-sistemático em relação à ordem

186 MIR PUIG, Santiago. El Derecho Penal en el estado social y democrático de derecho. Barcelona: Ed. Ariel,

1994, p. 159 e ss. (tradução livre da autora)

187 MIR PUIG, Santiago. Ibidem, p. 162.

188 Assim como Max Ernst Mayer, o referido autor espanhol destaca três critérios ou qualidades para que um

bem jurídico mereça proteção penal. Entretanto, o primeiro destaca, além do merecimento e da necessidade, o quesito da ―suscetibilidade‖ de tutela, o que, para Mourullo, quer dizer ―eficácia‖, no sentido de que, a referida proteção possa ser executada com eficácia pelo sistema penal. Diante destes aspectos, Reyna Alfaro adverte, contudo, que a ―eficácia do sistema penal na proteção de bens jurídicos deriva da atuação de seus operadores, ou seja, é um problema de índole processual que não se deve considerar como transcendente na determinação do conteúdo material do conceito em discussão‖ (REYNA ALFARO, Luis Miguel. Op. cit., p. 215, trad. livre da autora).

189 ANDRADE, Manuel da Costa. A dignidade penal e a carência de tutela penal como referência de uma

doutrina teleológico-racional do crime. In: Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Lisboa, Aequitas, abr./jun. 1992.

190 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A importância da tutela penal do meio ambiente. In: Revista de

jurídica e concretizável em realidades suscetíveis de viabilizar uma posterior análise de ofensividade‖191.

Outro importante argumento em favor da dignidade do meio ambiente como bem jurídico é o que pode ser extraído de Pierpaolo Cruz Bottini, para quem o desenvolvimento do indivíduo não ocorre de forma egoística, mas prescinde de mútuas relações existentes com todos. Desta forma, para o autor, se houvesse a supressão do meio ambiente, através de sua constante degradação, certamente isto ofenderia o desenvolvimento de cada cidadão. Em suma, preservar o meio ambiente é fator indispensável para a promoção da dignidade e do desenvolvimento de cada um dos indivíduos de uma sociedade192.

No que tange ao critério da necessidade de tutela penal do meio ambiente como bem jurídico, é preciso ressaltar que o Direito Penal sempre deverá atuar como ultima ratio, ou seja, apenas na medida em que os demais ramos do ordenamento não forem suficientemente eficazes para a salvaguarda da coexistência pacífica entre os indivíduos.

A necessidade deve ser orientada, portanto, por um juízo de ponderação entre o grau de relevância do bem jurídico e a ―danosidade social em comparação com a importância do direito restringido e o grau de sua restrição penal, ao se avaliar a carência da tutela penal‖193. Nestes termos, in casu, deve ser sopesada a proteção do meio ambiente (bem a ser

tutelado) em relação à liberdade ou, indiretamente também, ao patrimônio (bens sacrificados pela incidência do Direito Penal através de penas privativas de liberdade, pecuniárias ou de multa). Desta forma, o legislador infraconstitucional deve verificar, na tipificação das condutas contra o meio ambiente, se a lesão, ou o perigo de lesão, representa uma ofensa tal que justifique a necessária atuação penal.

Conforme foi asseverado, em vários casos, a proteção penal do meio ambiente se impõe perante a atual sensação de insegurança diante dos riscos assumidos pelo processo de industrialização e pela inserção de novas tecnologias. Restou demonstrado, também, que tais riscos ambientais podem, diante de determinadas atividades potencialmente poluidoras, gerar danos irreparáveis ao equilíbrio dos ecossistemas e, precipuamente, à vida e à saúde de várias

191 D‘ÁVILA, Fábio Roberto. Ofensividade em Direito Penal. Escritos sobre a teoria do crime como ofensa a

bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 106. Com base nestes preceitos, D‘ávila (Ibidem, pp. 106-108) entende que, diante das especificidades do bem jurídico ambiental e das exigências constitucionais que condicionam, de certa forma, à legitimidade material do ilícito, o grande debate se dará, principalmente, quanto aos limites relativos às técnicas de tutela penal ambiental, questionando-se, principalmente, os delitos de perigo abstrato e os crimes de acumulação, que são, sem dúvidas, os pontos mais debatidos hoje, tanto na Alemanha, quanto na Espanha, na Itália, no Brasil e em outros países, com uma extensa carga de legislação penal ambiental.

192 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, pp. 182-183. 193 CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. Op. cit., p. 73.

pessoas, animais e plantas. Além deste fator, o risco, há o fato de que são tantas as agressões ambientais em nome de interesses econômico-empresariais que somente a ameaça de pena criminal, em alguns casos, é fator a inibir determinados comportamentos, dada sua carga negativa na vida dos indivíduos.

No sentido de se justificar a necessidade de tutela penal do ambiente, cabem as precisas lições de Eduardo Ortega Martin, para quem a utilização deste ramo jurídico para a proteção do ambiente, em determinadas circunstâncias tem se demonstrado indispensável, ―não só em função da própria relevância dos bens protegidos e da gravidade das condutas a perseguir (o que seria natural), senão também pela maior eficácia dissuasória que a sanção penal possuir‖194.

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