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A proteção do meio ambiente como reflexo da “expansão do direito penal” na sociedade

2 EXPANSÃO DO DIREITO PENAL E MEIO AMBIENTE: ASPECTOS

2.1 A proteção do meio ambiente como reflexo da “expansão do direito penal” na sociedade

Como alhures destacado, a complexidade social proporcionada pelos processos de globalização de mercados e de compartilhamento de riscos das atividades industriais, comerciais e tecnológicas que marcam esta nova sociedade mundial levou, invariavelmente, a uma situação de insegurança nas relações jurídicas, chamando-se, então, o Direito Penal para tutelar os novos interesses percebidos com tais transformações.

O meio ambiente encontra-se num dos pontos mais importantes desta discussão, pois sua temática envolve a essencialidade do bem para a concretização da dignidade da pessoa humana, tanto em relação às presentes quanto às futuras gerações (perspectiva voltada para o futuro) e, de outro âmbito, no que tange ao perigo iminente na escassez dos recursos e elementos naturais (água, solo, ar, flora e fauna), através das atividades em busca do crescimento econômico.

Este cenário, transportado para as discussões jurídicas, representa um dos grandes desafios para a Dogmática Penal Contemporânea, a saber: como o Direito Penal deverá atuar na prevenção e na persecução penal desta nova criminalidade que, dadas as suas características específicas, o enfrentamento pela tradicional teoria do injusto penal parece não estar apto para possibilitar soluções tão adequadas208.

Antes que se decida, assim como sugere Hassemer209, se recorrer a outra forma de controle social, tal como o Direito de Intervenção ou o Direito Civil, em substituição total ao Direito Penal, intenta-se, no presente trabalho, vislumbrar os aspectos mais problemáticos sobre o fenômeno conhecido como ―expansão da tutela penal‖ e verificar se isto logrou, ou não, alternativas viáveis de sustentação legítima da proteção penal do ambiente, como um novo âmbito de atuação punitiva.

208 Cf. SOUZA, Luciano Anderson de. Expansão do Direito Penal e Globalização. São Paulo: Quartier Latin,

2007, p. 61.

209 Cf. HASSEMER, Winfried. Características e Crises do Moderno Direito Penal. In: Revista de Estudos

Criminais, [Tradução de Pablo Rodrigo Alflen da Silva, de Kennzeichen und Krisen des modernen Strafrechts], n.º 08, 2003, pp. 54-66, também publicada em Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n.º 18, 2003, p. 144-157; Idem, Desenvolvimentos Previsíveis na Dogmática do Direito Penal e na Política Criminal. In: Revista Eletrônica de Direitos Humanos e Política Criminal. [Trad. Tradução de Pablo Rodrigo Alflen da Silva] do artigo ―Absehbare Entwicklungen in Strafrechtsdogmatik und Kriminalpolitik‖, publicado originariamente em Prittwitz/Manoledakis (Hrsg.) Strafrechtsprobleme an der Jahrtausendwende, 1. Aufl., 2000, pp. 17-25.

Para que se possa identificar as possíveis influências da então ―sociedade de risco‖, ou ―parâmetro de segurança‖, no Direito Penal, mais especialmente na proteção penal ambiental, no que tange à forma de tutela escolhida pelo legislador (com ênfase no aspecto da acessoriedade administrativa), é preciso esclarecer alguns pontos cruciais sobre a ideia deste novo paradigma social no âmbito do ius puniendi. Conforme já sustentado por Beck210, houve a mudança no potencial dos perigos211 atuais, quando comparados aos de épocas anteriores, já que os de agora são artificiais e não meramente causados por infortúnios naturais, pois são produzidos pela atividade do homem e vinculados à sua decisão. Aliás, estes perigos ameaçam um número indeterminado e potencialmente alto de pessoas, ameaçando, por vezes, toda a humanidade (já que estão relacionados à exploração e ao manejo de energia nuclear, produtos químicos, recursos alimentícios, riscos ecológicos, etc.). A globalização não produz só riquezas, produz novos riscos212 também.

Ainda segundo Beck, tais riscos são consequências secundárias do progresso tecnológico, com efeitos indesejados e imprevisíveis. O problema, segundo o autor, está nos efeitos acessórios, de ordem social, econômica e política, que vêm por trás dos efeitos imediatos que certas atividades possam desencadear para a vida humana e para os animais213. A inserção da noção destes riscos faz surgir um problema real de imputação e de atribuição das responsabilidades pelas consequências indesejadas, não só às pessoas físicas, mas também às jurídicas (incluindo-se as autoridades administrativas), pois, diferentemente da primeira modernidade, não há mais como culpar Deuses pelas forças da natureza ou pelo destino das pessoas. Desta forma, segundo Beck, surge um problema, não só em relação à quantificação

210 Cf. BECK, Ulrich. Op. cit., p. 66 e ss.

211 Como já inclusive destacado anteriormente, a diferença entre risco e perigo, apesar de essas palavras serem,

semanticamente, quase idênticas, é, muitas vezes, discutida na dogmática jurídico-penal. Para Luhmann, por exemplo, o risco é atrelado a uma decisão racional, mesmo que suas consequências sejam desconhecidas, enquanto que o perigo tem a ver com um dano eventual que decorre de uma causa exterior, da qual ainda não se alcançou o domínio. Vide: LUHMANN, Niklas. El concepto de riesgo. In: BERIAN, Josetxo (org.). Las consecuencias perversas de la modernidad. Barcelona: Anthropos, 1996, p. 126 e ss.

212De acordo com Di Giorgio: ―o risco não é nem uma condição existencial do homem, muito menos uma

categoria ontológica da sociedade moderna, e tampouco o resultado perverso do trabalho da característica das decisões, uma modalidade da construção de estruturas através do necessário tratamento das contingências. É uma modalidade da relação com o futuro; é uma forma de determinação das indeterminações segundo a diferença de probabilidade/improbabilidade‖ (DI GIORGIO, Raffaele. O risco na sociedade contemporânea. Tradução de Cristiano Paixão, Daniela Nicola e Samantha Dobrowolski. In: Revista do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, n.º 28, Ano 15, junho de 1994 - p. 45-54. Disponível na Internet em: file:////Platao/www/arquivos/RevistasCCJ/Seque...Giorgi-O_risco_na_sociedade_contemporanea.html. Acesso em: jun.2012).

213 Cf. BECK, Ulrich. Ibidem, p. 66 e ss. Seelmann questiona se tais perigos são, de fato, imprevisíveis e

incontroláveis, ou se, ao revés, é possível encontrar alguma maneira de mensurá-los. Cf. SEELMANN, Iuris, núm. 1, 1994, p. 273, nota 4,, bem como Luhmann, N. Soziologie des Risikos, 1991, pp. 54-117 apud MENDOZA BUERGO, Blanca. Op. cit., p. 28.

ou qualificação destes riscos, mas também em relação à culpabilidade ou à responsabilização a eles relacionadas214.

Com isso, surge o segundo aspecto que define a sociedade de risco: a complexidade organizacional e seus desdobramentos nas relações de responsabilidade, dados os novos contextos coletivos, em detrimento de situações meramente individuais. Segundo Buergo, quanto mais complexa e aperfeiçoada é uma organização, mais o indivíduo se sente menos responsável pelas suas ações, já que este acaba considerando que ―não é o único‖ a tomar determinada conduta ou ―que sua contribuição é irrisória‖, em determinada situação215.

Estes aspectos condicionam-se ao binômio ―insegurança-risco‖, ou seja, leva-se a uma sensação subjetiva de insegurança216, podendo haver, ou não, perigos a se temer. Assim, em nome da intensa demanda por segurança, busca-se, a todo custo, não só desenvolver uma proteção objetiva de riscos e perigos, mas também a necessidade de se sustentar a confiança deste tipo de proteção.

Segundo Salvador Netto, ―a periculosidade alcança não apenas o mundo material físico, como os rios, as águas, os animais, a saúde, mas também as esferas institucionais elementares para a mantença do capitalismo de padrões avançados‖217. Diante de todos estes

fatores, conforme aponta Silva Sánchez, ocorre o fenômeno da expansão do Direito Penal, que, assim, se vê forçado a controlar esses novos perigos218. O autor afirma, em sua obra, que a sociedade atual tem graves problemas de vertebração interna, ou seja, a acirrada competitividade gera o aumento da violência e da ―criminalidade de rua‖ ou de ―massas‖219.

Entretanto, ele não confunde ―expansão do Direito Penal‖, nas sociedades pós-industriais, com o movimento punitivista ―Law and Order‖ (Lei e Ordem) existente, principalmente, nos Estados Unidos na década de 70, isso porque, neste, havia um clamor social pela criação de

214 BECK, Ulrich. Op. cit., p. 66 e ss.

215 MENDOZA BUERGO, Blanca. Op. cit., p. 29.

216 Cf. F. X. KAUFMANNN, Normen und Institutionen als Mittel zur Bewaltigung von Unsicherheit: Die Sicht

der Soziologie, In Gesellschaft und Unsicherheit, 1987, pp. 37 ss. citado por HERZOG, Unsicherheit, p. 52, e PRITIWITZ, Strafrecht, p. 49 com nota 5. Cf. Também a este respecto, mais detalhadamente, PRITTWITZ., u lt. cit., pp. 65 ss., especialmente pp. 72 ss.; HERZOG, Unsicherheit, pp. 56 ss. apud MENDOZA BUERGO, Blanca. Op. cit, p. 30.

217 SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Tipicidade Penal e Sociedade de Risco. São Paulo: Editora Quartier

Latin, 2006, p. 94.

218 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal. Aspectos da política criminal nas sociedades

pós-industriais. 2. ed. Trad. Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 33 e ss. O autor, entretanto, acredita que, para o ―direito penal dos riscos‖ deve haver uma ―segunda velocidade‖ de intervenção penal, ou seja, um sistema que respeite os princípios de um Estado Democrático de Direito, mesmo que de forma flexibilizada. Portanto, isso importará um abrandamento do rigor das sanções (conforme será abordado mais à frente).

novas leis criminais, por mais penas e por maior rigor relativo à criminalidade já conhecida - de rua ou de massas (patrimonial e violenta).

Já a ―expansão‖ (aqui designada) se refere à ampliação da atuação do Direito Penal para abarcar novas realidades traduzidas em novos bens jurídico-penais até então não protegidos, ou considerados, tendo em vista uma necessidade de segurança diante dos riscos sociais e tecnológicos advindos pelos avanços pós-industrialização. Além disso, o progresso técnico-científico altera a forma de criminalidade tradicional transformando-a em ―criminalidade cibernética e organizada‖220.

Silva Sánchez cita três causas para a ocorrência do fenômeno da expansão do Direito Penal, quais sejam: primeiro, pressupõe-se uma conformação, ou generalização, de realidades novas que até então não existiam e com as quais o indivíduo passou a ter que lidar; segundo, iniciou-se um processo de deterioração de realidades que eram tradicionalmente vastas e, agora, os indivíduos passaram a lidar com a escassez de seus recursos (v.g. o meio ambiente); e, em terceiro lugar, algumas realidades, até então não tão destacáveis, passaram a ser dotadas de valor essencial, graças à evolução social e cultural por que experimentaram algumas sociedades (v.g. patrimônio paisagístico, artístico, histórico e cultural)221. Caracteriza-se esta nova sociedade também pela existência de inúmeros sujeitos passivos222, representados pelos consumidores, pelos aposentados, pelos pensionistas, etc., que revelam uma certa acomodação ou inação diante das mudanças sociais e que, diante dos acontecimentos danosos, não consideram a hipótese de azar ou caso fortuito: há que se identificar sempre um culpado pelo evento danoso. Somado a isto, impõe-se ao Estado uma conduta positiva, no sentido de promover tranquilidade diante destas situações adversas.

A esse respeito, Silva Sánchez adiciona que há um fenômeno geral de

identificação social com a vítima, em grau maior do que com o autor/sujeito ativo do delito. Surge, então, além de uma nova forma de vitimologia, uma teoria do injusto e da pena, mais voltados para a vítima223. E, para completar o fenômeno, Sánchez afirma que está havendo um descrédito nas outras searas de proteção (v.g. Direito Civil, Direito Administrativo), como se o Direito Penal representasse um instrumento infalível de ―pedagogia político-social‖224.

220 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Ibidem, p. 36. 221 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Ibidem, pp. 33-34. 222 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Ibidem, p. 52. 223 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Ibidem, pp. 64-74.

224 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Ibidem, pp. 78-79; Idem, Aproximación al Derecho Penal contemporáneo.

O Direito Penal, tradicionalmente, desde os pioneiros do Iluminismo, manteve-se na salvaguarda dos chamados bens individuais, ou seja, aqueles que dizem respeito à personalidade, ao patrimônio, dentre outros, de pessoas visivelmente identificadas com as ofensas ou situações de periclitação dos bens jurídicos. Ou seja, preocupava-se, claramente, com a vida, com a liberdade, com o patrimônio, com a honra das pessoas físicas (e até, mais modernamente, das jurídicas) especificadas.

Conforme já assinalado alhures, várias mudanças sociais, econômicas e culturais, influenciadas pela inserção de tecnologias, vêm trazendo consigo também novos riscos225 até então desconhecidos pela Ciência Moderna. Sánchez afirma que, na medida em que o progresso técnico e científico se acentua, uma criminalidade nova, mais organizada, também se projeta no cenário mundial, levando a uma situação de insegurança em diversos setores sociais, fator típico do declínio do próprio modelo de Estado de Bem-Estar Social226. Diante deste contexto, por todos os lados surgem novas tendências criminalizantes (crimes contra o meio ambiente; contra a ordem econômica, tributária e as relações de consumo; contra a saúde pública; etc.), com a justificativa de que se está a proteger os novos direitos, ou interesses, advindos das relações sociais globalizadas e de risco. Como são bens muitas vezes relativos a inúmeros destinatários, nem sempre identificados em um dado momento ou local, sustenta-se, de um lado, a necessária ―modernização‖ do Direito Penal para que se consiga lidar com a tutela desses novos bens jurídicos (coletivos ou supraindividuais).

Diferentemente da proposta de Hassemer227, que será tratada mais abaixo, a viabilidade da tutela penal não é descartada por Silva Sánchez, diante dessa nova criminalidade. Eis que surge a construção de um Direito Penal de segunda velocidade para abranger bens jurídicos, como o ambiente, difusos ou coletivos (diferentemente do de

primeira velocidade, que é voltado aos bens jurídicos individuais tradicionalmente construído)228.

Para verificar se tal upgrade da Dogmática Penal Tradicional (sempre baseada em bens jurídicos individuais) é legitimamente possível, algumas noções prévias deverão ser contornadas. Esta situação obriga a transformação do Direito Penal clássico (idealista),

225 Cf. já discutido anteriormente e citado por Beck, Ulrich. Op. cit., p. 19 e ss. 226 Cf. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., pp. 33-39.

227 Hassemer (Op. cit.) sustenta o Direito de Intervenção (e não o Direito Penal) como hábil para tutelar situações

sem bem jurídico aparente, ou de bens que não possam ser remetidos a interesses pessoais (conforme será pontuado nos próximos pontos do estudo).

estandardizado pelos corolários liberais, em um ―Direito Penal da Segurança229‖ (ou ―Direito

Penal do Risco‖), já que suas técnicas rudimentares não conseguem promover nenhum grau de eficiência na proteção de novos bens230.

A partir das lições de Bidasolo, pode-se correlacionar a ideia de necessidade de precaução231 no Direito Penal com a explicação histórica da inserção dos riscos globais. Da mudança de paradigma da sociedade burguesa do século XVIII, houve uma profunda alteração no modo de produção, que, de artesanal, se tornou industrial, pautado na produção em massa, a partir das inovações tecnológicas que capacitaram as indústrias à produção em larga escala232. Neste aspecto, Bottini argumenta que este tipo de modelo econômico intensificou também a pesquisa científica para impulsionar, cada vez mais, o caminhar tecnológico das forças de produção, de forma que o autor chega a afirmar que a ideia do risco passa a caminhar com o desenvolvimento da sociedade. Logicamente, os riscos, inicialmente, eram amenizados em sua dimensão negativa, uma vez que eram efeitos decorrentes da busca pelo progresso e bem-estar da população233.

Tanto Beck234 quanto Bottini235 afirmam que, deste cenário de intensa utilização de tecnologias, houve uma desatenção quanto ao planejamento e a avaliação dos desdobramentos indesejáveis do avanço industrial econômico, promovendo-se, na visão de Beck, um efeito reverso: ao invés de se alcançar a certeza sobre determinadas atividades, houve um verdadeiro incremento de situações novas, desconhecidas e incertas.

229 Expressão utilizada por Kindhäuser (1992, p. 229 apud MENDOZA BUERGO, Blanca. Op. cit., p. 34), para

quem ―o homem é o primeiro fator de insegurança na sociedade de risco‖.

230 Cf. SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Op. cit., p. 94.

231 A ideia de precaução está intimamente ligada à limitação ou ao gerenciamento de riscos. Entretanto, a

prevenção atua onde os riscos são conhecidos e testados científicamente. A precaução adentra a seara dos riscos hipotéticos, ou sem absoluta certeza científica. A inserção deste princípio de forma expressa nos ordenamentos jurídicos deu-se com a determinação do Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992. Até então, não havia a menção de técnica de prudência tão específica quanto a precaução, que só foi levada em conta, de forma mais precisa, nas negociações da Convenção de Viena de 1985 sobre a proteção da Camada de Ozônio, já que a falta de certeza científica, no que tange aos gases tóxicos que destroem tão importante película da atmosfera terrestre, impôs a adoção de medidas restritivas à comercialização de certos gases ―possivelmente‖ poluentes (FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Op. cit., p. 121). Sobre o princípio da precaução: LOPEZ, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da Responsabilidade Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

232 CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Límites objetivos y subjetivos a la intervención penal en el control de

riesgos. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999, p. 33 e 34.

233 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco.

Prefácio de Antônio Luís Chaves Camargo; apresentação: Márcio Thomaz Bastos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 48.

234 BECK, Ulrich. Op. cit., p. 17.

235 Em resumo, conclui Pierpaolo Cruz Bottini (Op. cit., p. 47) que a rapidez dos avanços científicos, das técnicas

e dos insumos de produção ―não se faz acompanhar pelo conhecimento científico sobre os efeitos destas inovações, nem sobre os potenciais perigos oriundos de sua aplicação em processos produtivos: é o que gera risco‖.

O que se pretende com o uso de um princípio da precaução no âmbito do Direito Penal é obstar à requisição de certeza científica para se empreender ações voltadas para a preservação ambiental, quando, muitas vezes, caso resultados imprevisíveis ocorressem, os danos poderiam ser mais prejudiciais do que a própria conduta preventiva ex ante.

O medo e a insegurança, somados à necessidade de precaução, alteram as tipificações penais, no que tange aos aspectos de causação de dano, ou de perigo, e também vai gerar reflexos no tema da culpabilidade. Isto se deve à já mencionada falta de exatidão quanto aos riscos, ou mecanismos, que podem causar danos, já que, como afirma Beck, na sociedade de risco moderna, as próprias pessoas produzem, por elas próprias, os riscos que, muitas vezes, passam despercebidos, tornando o futuro algo totalmente imprevisível236.

Prittwitz afirma que a expansão do Direito Penal se dá de forma tridimensional: primeiro, surgem novos bens jurídicos a serem tutelados pelo Direito Penal, tal como o meio ambiente; segundo, a fronteira entre a conduta punível das não puníveis é alargada; reduzem- se os requisitos para a responsabilidade penal, com ampliação do foco da violação de bens jurídicos tutelados, para abranger também a mera colocação de perigo desses bens. E enfatiza: o Direito Penal do risco criminaliza uma conduta, não enquanto considerada socialmente inadequada, mas de modo que ela venha a ser, depois, considerada inadequada, de tal forma que se possa revitalizar a ideia da ―força moralizadora do Direito Penal‖, com motivações extremamente éticas237. Aliás, a falta de certeza em relação ao potencial dos riscos, somada à imposição da função de ―gerenciamento da insegurança‖ ao Direito Penal, decorre do ponto crucial dos reflexos da expansão do Direito Penal na sociedade de risco: a ―administrativização da tutela penal‖.

Esse termo é utilizado por Sánchez para designar o que Mir Puig já havia enfatizado anteriormente: que se atua em nome da primazia da gestão de ordem ou contextos coletivos (tal como o meio ambiente), em detrimento da afetação individual. Segundo Silva Sánchez é possível verificar uma característica do Direito Penal nas sociedades pós- industriais, qual seja a postura ampla de assumir ―a lesividade global derivada de acumulações ou repetições, tradicionalmente própria do administrativo. (...) convertendo-se [o Direito Penal] em um Direito de gestão ordinária de grandes problemas sociais‖238.

236 BECK, Ulrich. Op. cit., p. 66.

237 PRITTWITZ, Cornelius. Teoria e prassi del diritto penale dell'ambiente. Rivista Trimestrale di Diritto Penale

Dell'Economia, Padova, v. 23, n. 3, p. 492, jul./set. 2010.

É justamente neste contexto que se insere a problemática do presente trabalho: na atual configuração do Direito Penal do Risco, a proteção penal do meio ambiente tem se baseado nas técnicas de reenvio (conceitual, normativo ou de ato) ao Direito Administrativo, na tentativa de gerenciar o nível de risco permitido das condutas potencialmente lesivas ao equilíbrio das condições ambientais. Desta forma, os limites antes existentes entre ilícito penal e ilícito administrativo podem restar um tanto quanto incertos, já que, aparentemente, a função do Direito Penal Ambiental seria exercer um reforço das sanções administrativas ambientais. A dúvida reside, portanto, nos limites em que a acessoriedade administrativa se relaciona com os tipos penais ambientais, típicos do ―Direito Penal de Segurança‖ ou ―Direito Penal do Risco‖, para que se possa garantir a legitimidade e a autonomia funcional de atuação do âmbito punitivo, com vistas a se garantir os princípios delimitadores clássicos, que informam a intervenção penal.

Antes, porém, de se adentrar o tema, em específico, e feitas as abordagens gerais

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