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4.3 Uma troca de experiência 1

4.3.5 Narrativas de Dª Ana

4.3.5.1 A experiência da dor de Dª.Ana

O marido de Dª. Ana morreu esfaqueado no 16 de maio de 2012. Ele se chamava Adenilson Rodrigues, 52 anos, era arrendatário do clube ASSIBAMA46. Ele foi esfaqueado por dois homens que assaltaram o clube. Anteriormente, segundo Ana, esses mesmos rapazes já tinham roubado o clube, e seu marido registrou um boletim de ocorrência na delegacia. De

46 Associação dos Servidores do IBAMA

acordo com ela, por vingança, voltaram e mataram Adenilson. Dª. Ana relata a história com muita tristeza e voz embargada.

Algumas pessoas disseram, que ele estava almoçando e na hora que ele chegou do almoço. Ele entrou no clube e não tinha ninguém. Ele tinha ido pagar uma pessoa, para trabalhar, para ajeitar o campo, para capinar e o rapaz que veio, na hora dois caras estavam saindo do clube. Por que? Na hora ele já estranhou e disse assim: “esses rapazes estão aí? Eles estão proibidos de entrar aí, por

que que eles estão saindo?”, porque meu marido tinha proibido deles

entrarem. Eles tinham roubado e ele descobriu. Em abril do mesmo ano, ele tinha feito um boletim de ocorrência contra essas criaturas. E ele proibiu de entrar porque eles roubavam cerveja, cadeira, muita coisa de lá. Então, eles chegaram, roubaram ele e mataram, segundo a testemunha que estava lá dentro. [...] disseram que eles iriam matar porque ele tinha denunciado eles. Então foi triste demais, sabe? Não consigo nem... é como se eu tivesse vendo todo esse filme, porque embora eu não vi esse episódio, é como se tivesse passando na minha cabeça... é muito constrangedor. É uma coisa que não desejo para o meu inimigo, eu não desejo. Isso é uma ferida que se abre todo dia e sangra, sabe? Então... aí eu não sabia quem tinha matado. Até saiu no jornal. Os bandidos mataram meu marido, “mas quem foi? Quem foi? ” , e as pessoas com medo de me dizer, me explicar. Depois eu vim saber de toda a verdade (informação verbal)47.

Ao narrar a morte do marido, Dª. Ana demonstra ainda muita dor, assim como reforça a tristeza dos filhos, que inclusive sempre estão presentes na sua narrativa, como se Ana falasse em nome dos três, ou seja, a dor não foi somente dela, mas também dos filhos que amavam muito o pai e o perderam, de forma bárbara. Era impossível falar na dor dela sem incluir os filhos nessa tristeza. Relatou como os filhos ficaram sabendo da morte do pai. A filha estava na universidade. Mas relata Ana que só permitiu que avisassem a filha depois que o corpo do pai fosse recolhido pelo Instituto Médico Legal. Com o filho não foi possível fazer isso, porque ele estava junto com a mãe e chegou lá e presenciou a cena do crime. Ana disse que o filho ficou traumatizado. A filha, conta Dª. Ana, até quis parar os estudos, pois não tinha condições emocionais, mas reforça Ana, “Deus foi tão bom, que na época, no ano, houve uma greve na universidade, parece que foram 6 meses”. Esse tempo ajudou a colocar em ordem os sentimentos de sua filha.

Indagamos se sentia-se uma vítima da violência. De imediato, Ana disse que sim. “A violência é a pior coisa que pode existir na vida do ser humano. Ela traz muitos traumas, ela desequilibra todo nosso viver, fica uma marca para sempre”, desabafa Dª. Ana. Continua

47 RODRIGUES, Ana. Entrevista concedida as pesquisadoras Ana Paula Mesquita, Alda Costa e Denise Salomão. Belém: 05 de julho de 2017.

narrando, dizendo que o sonho de seu marido era ver a filha formada. “Ele planejava em fazer um almoço para comemorar a graduação da filha e reunir a família”.

A falta do pai para os filhos era a maior tristeza de Ana, que lembrou das dificuldades enfrentadas após a morte do marido e de como a figura do pai era importante para aquela família. Nesse momento, Ana, de cabeça baixa, apresentava um choro tímido e contido. Nós também seguramos as lágrimas muitas das vezes. Assim como quando a dor de uma delas passa a ser de todas, nesses dias em que tivemos contatos mais próximos com elas durante as entrevistas, as dores passaram a ser nossas também. Sentimos tristeza, angústias e revoltas junto com elas. As experiências delas com a dor foram nossas por esse tempo.

Dª. Ana, assim, relata às pesquisadoras que hoje não tem mais medo de acontecer algo com ela. A violência experienciada, com a morte do marido, trouxe uma coragem que não imaginava que tinha. Mas com relação aos filhos, se diz constantemente preocupada com a violência urbana. “Minha filha não vai para canto nenhum. Só pra estudo, às vezes, ela vai para igreja e eu sempre me preocupo quando ela fica na universidade até tarde. Meu filho, quando chega tarde do serviço, lá pela meia noite, eu só me deito depois que ele chega”. O medo de Ana é perder os filhos como perdeu o marido. A violência deixou sérios traumas, isto é, a coragem com que enfrenta as lutas para punir os culpados pela morte do seu marido, não é a mesma com relação aos filhos. Teme que possa acontecer alguma coisa com eles.

Segundo ela, a religião foi fundamental na sua vida, pois ajudou a superar a dor da perda, pois é uma dor da alma. “É muito difícil superar essa dor, porque uma dor natural você toma um remédio e passa, alivia aquela dor. Essa só Deus pode ajudar”, afirma Ana.

Na sua narrativa, são enfatizados a solidão e o abandono, dela e dos filhos, com a morte do marido. Diz que não recebeu ajuda de ninguém. O filho estava desempregado e a filha na universidade. Ana relata que foi uma fase bem difícil. Ela se isolou do mundo, com uma tristeza profunda. Segundo ela, foi um ano de muitas perdas, pois também teria perdido um irmão com quem ela contava. “Tudo aconteceu ao mesmo tempo. A família ficou desestruturada”, afirma. Relata que foi um momento de revolta. Ninguém da família saía de casa, não se tinha mais vida. Lembra que não houve comemoração na formatura da filha. Não havia ânimo para nada. Hoje isso mudou, conta Ana, foi uma fase de superação da perda.

Mesmo com a desestruturação da família pela perda, Ana diz que consegue perdoar as pessoas que fizeram mal ao seu marido. “Nada do que aconteceu vai trazer meu marido de volta. Eu perdi ele. A minha filha também... o meu filho que se exalta um pouco, às vezes, mas ele já está aceitando...”.