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4.2 As mulheres e mães do Movimento pela Vida

4.2.2 Movida na Praça da República

A Praça da República, localizada no bairro da Campina, é um espaço de concentração de muitas pessoas, oriundas de diversas regiões da cidade, do estado e até mesmo de outras regiões e países, já que é espaço de lazer e ponto turístico de Belém. É um lugar onde se respira arte e artesanato, onde manifestações culturais e políticas disputam o espaço público. Inaugurada no dia 15 de novembro de 1897, a praça possui múltiplas funções e expressões, sendo uma das mais importantes de Belém/PA. O dia de maior concentração de pessoas é aos domingos. Nesses dias, acontece a feira da República, isto é, centenas de artesãos montam suas barracas, com objetos diversos – entre eles, artesanatos, acessórios de moda, roupas, comida, etc. Nesses dias, quase sempre acontecem manifestações populares e eventos. É espaço frequentado por famílias, crianças e idosos, vendo-se todo o tipo de pessoa na praça durante os domingos.

O Movimento pela Vida não fica de fora. Marca presença todo último domingo de cada mês, com os integrantes se reunindo em círculo para conversar. Para Costa; Corradi; Amorin (2017) esse encontro demarca uma representação física e simbólica do movimento.

O encontro na Praça da República representa a demarcação do espaço físico e simbólico de luta do movimento, em que seus integrantes se reúnem com a finalidade de serem percebidos em sua causa. Mesmo que não busquem uma interação direta com as pessoas que estão na praça, no sentido de fazerem abordagem corpo a corpo, mas a presença sistemática dos integrantes, demonstra uma identidade de luta e de existência (COSTA; CORRADI; AMORIN, 2017, p. 4343).

No encontro, são comemorados os aniversários dos integrantes, são agendados os compromissos do Movida e definida a participação nos eventos. Do mesmo modo, discutem o andamento dos processos e a preparação para os julgamentos. O encontro da praça é um momento de articulação e confraternização. É o momento de encontrar e conhecer os novos integrantes. De compartilhamento das dores, mas também das vitórias. É um momento de comunhão entre as integrantes do Movida.

Nos encontros na praça, são resumidas as situações pendentes dos integrantes. São definidas as estratégias de mobilização para as audiências com autoridades públicas. Em determinados momentos, o grupo reflete sobre os novos casos de violência e a repercussão na mídia local. Em outros, conversam sobre o dia a dia de casa, da família e das tarefas cotidianas. Observamos que muitas das mães não gozam mais de plena saúde. Às vezes também narram que são ameaçadas de morte pelos envolvidos na morte dos entes, como uma forma de impedir que continuem lutando por justiça. Com a luta diária, elas conseguem interferir nos processos. Alguns dos acusados passam a cumprir a pena em liberdade e, muitas das vezes, elas recorrem e conseguem fazer com que o acusado volte a cumprir a pena em regime fechado.

Cobrar e fazer cumprir o que determinam as leis e as instituições, na garantia de direitos, é a política empreendida pelo Movimento pela Vida. A organização, assim, configura-se como um espaço que dá voz às pessoas afetadas pela violência, que clamam e lutam por justiça e pelo cumprimento da lei.

Figura 9 - Praça da República – 30/10/2016

Fonte: Ana Paula de Mesquita Azevedo, acervo pessoal.

Elas sempre estão em roda, sentadas em cadeiras de praia (Figura 9), conversando umas com as outras; a maioria veste camisetas brancas. Quando se chega mais próximo, percebemos que cada camiseta contém uma foto ou mensagem de saudade, com orações ou alguns trechos da bíblia. Cada uma tem a particularidade de manifestar sua dor e saudade nas camisetas.

Lanches são distribuídos no encontro. As tarefas são divididas. Uma leva a garrafa de café, outra leva os copos descartáveis. Existe uma organização; uma organização feminina, de mãe. Percebemos o cuidado e zelo em distribuir algo para comer para quem vai ao domingo para o encontro do Movida. Tudo muito simples. Um café preto com bolachas de água e sal. Mas existe a preocupação de quem vem de longe para se encontrar e conversar com suas parceiras de luta. Existem senhoras de idade que, quando podem, participam do encontro na praça.

Nem todas as mulheres que integram o Movimento pela Vida têm uma condição financeira boa ou escolaridade completa. De fato, o Movida é um grupo no qual se pode desenvolver a sensibilidade e a solidariedade. A ajuda não consiste apenas em consolo, abraços e compartilhamento da dor, mas sim de conhecimento. O que é relevante se se considerar que umas têm mais escolaridade do que outras, de modo que a ajuda pode vir a forma de informações importantes. Instruir alguém, ensinar o outro é uma forma de caridade. É uma missão. O conhecimento é a oportunidade para quem o tem de disseminar a concórdia e lucidez para as pessoas.

A mesma pessoa que recebeu a ajuda pela informação, retribui com atitudes positivas de colaboração. Despertado nesse outro a paciência, a tolerância, a sensibilidade que esse outro que a ajudou apesar de ter tido acesso aos estudos podem não ter desenvolvido qualidades da alma. É uma troca constante de experiências que ocorre no Movimento pela Vida. Observamos que o movimento reúne pessoas de classes econômicas diferentes, mas que se unem em uma luta única: a da justiça.

Tanto o encontro da Praça da República quanto a Caminhada Pela Paz são formas de o Movida se visibilizar enquanto grupo, mostrar seu trabalho e sua luta. É uma forma de comunicação com outro. O Movida busca se legitimar no tecido social, não desejando apenas se tornar visível, mas ser reconhecido como movimento que luta contra a violência e por todos, independentemente de serem integrantes ou não da organização. Suas ações buscam ainda não esquecer os entes perdidos, nem esquecer que existe violência.

Essa troca de experiência com o outro se concretiza nesses momentos em que o Movida se torna visível na sociedade. Os eventos são oportunidades, também, de interagir com esse outro. Interação pela dor, pela luta, e pela história de cada um. Identificamos no próprio cartaz de convite da Caminhada (Figura 5) uma forma de interação com um potencial interlocutor. Ou então, a midiatização da luta, da causa e a interação que vem a partir da narração de uma dor que a pessoa afetada pela violência não quer que seja esquecida, conforme trechos a seguir: “Eles continuam em nossos corações. Muitos esqueceram, mas Deus e nós nunca esqueceremos o que fizeram com os nossos”. Este trecho está no cartaz sobre a caminhada caminha (Figura 5). Identificamos como uma narrativa de dor e de lembrança. A lembrança é fator que demarca as narrativas de testemunho. Essa ideia de não esquecer, de estar sempre lembrando é muito forte nos relatos das integrantes do Movida.

Testemunhar o relato de alguém é também ser testemunha de algo. Ou seja, a testemunha não presenciou o acontecimento, mas a ela foi narrado um fato. Portanto, ela não testemunhou o fato, mas testemunhou o relato desse fato. As integrantes do Movimento pela Vida são provas testemunhais da dor. Elas narram para nós sua história, a história do ente querido ao outro, que passa também a ser testemunha dessa história e dor. O ato de testemunhar no Movida é uma forma de comunicação interativa, que as integrantes utilizam para estar “diante do outro” (SCHUTZ, 2012).

Nas entrevistas que realizamos, fomos testemunhas da dor dessas mulheres. Escutamos suas histórias. Suas opiniões sobre a violência e sobre a vida. Nesse momento, pudemos perceber com mais detalhes a cada uma delas. Seus jeitos, sua vida cotidiana, sua forma de

pensar e agir no mundo da vida. Nossa entrevista nos trouxe um olhar mais sensível sobre essas mulheres, pois pudemos perceber sua personalidade. Assim, iniciaremos as descrições das entrevistas com as cincos integrantes do movimento, durante as quais pudemos observar as experiências de cada uma delas.