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Essa midiatização destaca não só a força social que o Movimento pela Vida busca, mas também a compreensão do outro diante da luta do movimento em grupo. As relações no mundo da vida acontecem não apenas para legitimar uma relação de dominação, entre dominado e dominador. O indivíduo também quer ser compreendido. De fato, a legitimidade é importante para o grupo, porém a visibilidade da dor e indignação que essas mães e mulheres sentem são midiatizadas por elas, talvez por não mais suportarem abafá-las.

Todo grupo tem uma história. A da criação do Movida surgiu através da dor de uma mãe que perdeu seu filho. Dor que D.ª Iranilde transformou em sentimento de justiça e

indignação. Dor que uniu outros corações com o mesmo sentimento de dor e perda, formando o grupo Movimento pela Vida. Essa mesma dor, sentida por essas pessoas, precisa ser, pelo menos, ser percebida pelo outro. Ou melhor, compreendida pelo outro. A necessidade de ter o sentimento de solidariedade do outro, desse outro que não viveu a mesma história que essas pessoas viveram. Percebemos isso na fala de D.ª Iranilde, em entrevista no dia 22 de março de 2017, às 15h:

A sociedade é indiferente. Apesar de tudo isso que acontece, de todas as mortes. A sociedade ainda é indiferente. No nosso movimento, participam somente as pessoas que estão passando pela dor. E no dia da caminhada pela paz, eu ainda sinto a indiferença da sociedade. Esse era um momento das pessoas se unir. Pois estão vendo que ali são pessoas que perderam seus entes queridos. Seria um momento de todos se unirem. Se colocarem no lugar dessas pessoas que estavam ali na caminhada (informação verbal).5

O sentimento de empatia é importante para essas pessoas. Sensibilizar-se com a dor do outro, além de ser um gesto de solidariedade, pode dar importância e sentido à causa do movimento. O que fica claro na narrativa de D.ª Iranilde é que o sentimento empático é mais presente em quem vivenciou a mesma experiência com a dor e com a violência. “Isso significa que o outro é como eu, capaz de agir e de pensar; que o fluxo de seus pensamentos apresenta o mesmo modo de conexão que o meu [...]” (SCHUTZ, 2012, p. 183).

Por empatia, a partir de Schutz (2012), a tese geral do alter ego significa um outro eu. No qual o pensamento, que Schutz chama de presente vivido, é apreendido pelo eu e vice-versa. Ou seja, o outro vai ter esse contato com o alter ego do semelhante, mas só o que é vivido “Agora” e não “Agora Mesmo”6. Só apreendemos o que está no instante e não o depois do que

foi vivido ou pensado pelo outro. O passado no pensamento do semelhante também é apreendido pelo outro como “Agora”, no presente vivido. “O alter ego é, portanto, aquele fluxo de consciência cujas atividades eu posso perceber no presente mediante minhas próprias atividades simultâneas” (SCHUTZ, 2012, p. 183). Esse fluxo de consciência do outro, que é vivido em simultaneidade, refletimos no sentido de pensar sobre com o fluxo de pensamento do outro. Para Schutz (2012), apresenta-se com a mesma estrutura fundamental que possui minha própria consciência, o que nos leva a pensar que o outro é como eu.

5 RUSSO, Iranilde. Entrevista concedida as pesquisadoras (Alda Costa, Ana Paula e Denise). Belém: 22, mar, 2017

6 Agora e Agora Mesmo são termos utilizado por Alfred Schutz (2012, p, 182), para explicar sobre a tese do Alter ego.

Mas o que isso tem a ver com a empatia? Ora, se esse outro tem o mesmo fluxo de pensamento que o meu e é semelhante a mim, faz-nos pensar sobre o conceito de empatia. A empatia está ligada ao sentimento de compaixão, simpatia, identificação, gostar ou não de alguém. Ela é a experiência pela qual eu colho o sentido do que se passa na consciência de outra pessoa. Quando Schutz se refere ao alter ego, lembramos que se trata de ser um outro eu – ou um fluxo de pensamento do outro e a mesma estrutura da própria consciência do eu. A empatia nos faz perceber o outro como semelhante a nós, com os mesmos pensamentos e necessidades. Assim, unimo-nos a quem nos é semelhante.

Constatamos que as vivências intersubjetivas no mundo da vida do Movimento pela Vida se deram entre os integrantes pelo sentimento de empatia, ou seja, de compreensão da dor do outro porque é semelhante à nossa. Os integrantes se uniram porque são semelhantes. Semelhantes na dor e nos interesses contra a impunidade e a violência. Os fluxos de consciência e pensamento entre os integrantes estariam em ‘sintonia’, interligados e estruturados quase da mesma forma. Dizemos em sintonia porque os indivíduos têm histórias de vida diferenciadas. Esses fluxos são experenciados no presente vivido no mundo da vida. Ainda que esse pensamento tenho ocorrido no passado, ele se conecta com o outro no presente.

Entendemos a empatia na esfera da compreensão. Schutz (2012) aponta que só podemos compreender o outro a partir das experiências que tenho desse outro. As impressões que vamos ter do outro serão subjetivas. Mas ainda assim, essas interpretações ou impressões terão um valor aproximado, isto é, não terão as impressões por completo do outro. “É de grande importância penetrar a fundo na estrutura dessa compreensão, para mostrar as experiências de outras pessoas em termos das próprias experiências que temos delas” (SCHUTZ, 2012, p. 186). As experiências que os indivíduos têm com o outro permitem conhecê-lo um pouco mais. Conhecê-lo com limitações, uma vez que cada um de nós já tem suas experiências vividas e individualmente guardadas; de modo que, quando vamos decifrar algo ou alguém, as interpretações já estão inundadas com as nossas próprias experiências vividas.

Com as observações feitas durante as pesquisas de campo e em diálogo com o pensamento de Schutz (2012), percebemos que as relações sociais do Movimento pela Vida, entre os próprios integrantes, dão-se na esfera da compreensão. Ainda que cada um tenha suas experiências particulares do mundo da vida, entendem a dor do outro, que é semelhante à “nossa”. Porém, quando essa compreensão ultrapassa o grupo e vai para o social, segundo o depoimento de D.ª Iranilde, essa empatia – ou mesmo solidariedade – não está presente no outro.

Por isso os recursos comunicacionais que são utilizados pelas integrantes do Movimento pela Vida – como os banners, as camisetas com as fotos e as participações nos eventos – são molas propulsoras para a divulgação do trabalho desenvolvido pelo grupo e da dor das mães e mulheres. Eis o processo comunicacional no mundo da vida, entre os integrantes do grupo e a sociedade. As experiências são compartilhadas. Às vezes sendo compreendidas, outras não.

Desse modo, as intersubjetividades que se situam no mundo da vida partem das experiências vividas, que foram guardadas e que em algum momento são expostas no seio social. Conceitos são firmados e/ou refeitos, assim como o conceito sobre a violência. Cada um tem uma opinião ou experiência sobre ela. Quando os indivíduos interagem uns com os outros, esses conceitos são reformulados.

As reflexões teóricas de Simmel (2006) são fundamentais neste contexto, para que se compreenda a interação entre os indivíduos do grupo e a forma como o grupo se estrutura para fixar ou legitimar suas ideias no tecido social. Recursos comunicacionais utilizados como divulgação (banners e camisetas) são formas para a midiatização do Movimento pela Vida. Portanto, forma de interação com o outro que não vivenciou a mesma dor que as mães e mulheres do Movida.

Em razão disso, entendemos que o tecido social se efetiva nas relações. Constitui-se com essa interação de culturas e de símbolos, que ao longo do tempo são naturalizados. Assim, podemos observar que o entendimento da violência ganha proporção entre as pessoas. Podemos observar, ainda, o conceito de violência para as integrantes do Movimento pela Vida. Existe um conceito dado por elas, que surgiu da sua experiência com a violência e das trocas de experiência com quem vivenciou a mesma situação.