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A sociabilidade midiatizada do Movimento pela Vida (Movida)

2.3 A midiatização nas relações sociais

2.3.1 A sociabilidade midiatizada do Movimento pela Vida (Movida)

Figura 2 - Grupo Movida na Praça da República

Fonte: Ana Paula de Mesquita Azevedo, acervo pessoal.

Os encontros no espaço público (Figura 2) representam, na nossa análise, uma relação de sociabilidade e midiatização do Movimento pela Vida (Movida). São realizados a cada último domingo do mês. A Praça da República é um local de movimentação de pessoas de todas as classes sociais, religiosidades, entre outros aspectos. É um espaço de pluralidade, de arte e cultura. Percebemos um dinamismo nesse local. Observamos um pouco de tudo acontecer, desde economia a entretenimento. Portanto, com inúmeros atrativos para as pessoas, o Movida se insere nesse ambiente. Dessa forma, é relevante compreendermos o Movida nesse cenário e as relações de sociabilidade de seus integrantes.

O Movimento pela Vida é um grupo constituído há mais de dez anos e que foi desenvolvido a partir da dor de uma mãe que perdeu o filho, de 28 anos, assassinado durante uma perseguição entre policiais e assaltantes. Com essa perda e dor, Dª. Iranilde, mãe de Gustavo, que não entendia nada sobre julgamentos, investigações ou do mundo jurídico e policial, começou a se interessar em buscar a justiça e a lutar contra a impunidade. Foi dessa luta de Dª. Iranilde, essa luta de dor e pela paz, que o Movimento pela Vida nasceu.

Observamos que o Movida se configura em uma luta de mulheres, considerando a luta por justiça por filhos e companheiros. Dizemos mulheres porque a maioria dos integrantes que participa ativamente das ações do movimento são mulheres; existem homens, porém eles não atuam com a mesma frequência que elas, fazendo com que assumam um papel de coadjuvante.

Percebemos, ao longo das visitas realizadas, seja na sede de funcionamento do Movimento seja nas reuniões na praça ou no tribunal de júri, um sentimento mútuo de coletividade e solidariedade entre os integrantes. As decisões são tomadas em conjunto, isto é, compartilhadas entre os componentes do movimento, conforme nos informou Dª. Iranilde, em entrevista aos pesquisadores, no dia 22 de março de 2017. A dor e a perda são sentimentos

compartilhados mutuamente entre os integrantes. A dor de um é a dor de todos. Observamos uma forte solidariedade no grupo, inclusive em alguns momentos das visitas realizadas, marcadas por emoções.

Ao analisarmos os sentimentos dessas mães e a ação do Movida, lembramos da crônica “Companheiras”, de Eneida de Moraes, que trata do sofrimento e solidariedade das mulheres, em ‘cativeiro’, longe de seus familiares:

Vinte e cinco mulheres, vinte e cinco camas, vinte e cinco milhões de problemas. Havia louras, negras, mulatas, de cabelos escuros e claros; de roupas caras e trajes modestos. Datilógrafas, médicas, domésticas, advogadas, mulheres intelectuais e operárias. Algumas ficavam sempre, outras passavam dias ou meses, partiam, algumas vezes voltavam, outras nunca mais vinham. Havia as tristes, silenciosas, metidas dentro de próprias; as vibráteis, sempre prontas ao riso, aproveitando todos os momentos para não se deixarem abater. Os filhos de Rosa eram nossos filhos. Sabíamos as graças e as manhas com que embalavam aquela mulher forte, arrogante, atrevida sempre mas tão doce, tão enlevada pelos "meninos". Quando Rosa falava nos "meninos" ficávamos todas em silêncio. Onde andariam eles? A polícia arrancara-os daquela mãe, negava-se a informar onde se encontravam, não admitia que Rosa soubesse notícias da família: o marido foragido, a irmã distante. E os "meninos"? No silêncio das noites, Rosa fazia com que assistíssemos aos nascimentos, aos primeiros passos, à primeira gracinha, ao primeiro sorriso, e depois o crescer rápido, a escola, os livros, idade avançada. Onde estariam eles? Problemas de uma, problemas de todas (MORAES, 1989, p. 62).

Esse sentimento de cumplicidade presente nas mulheres de “Companheiras” é semelhante ao sentimento das mulheres do Movida. Do mesmo modo, percebemos o sentido de sociação de Simmel (2006), pois existe entre as mulheres (indivíduos) a vontade de estar com outro. De estar unido por um ideal ou por uma necessidade – que, no caso do Movida, é o desejo de justiça; como na crônica “Companheiras” esse ideal é o desejo de liberdade. Em ambas as situações, a dor é compartilhada.

Outra questão observada, também com semelhanças entre a crônica de Eneida e o Movida, são as diferentes mulheres. Ou seja, a pluralidade das pessoas no grupo. Simmel (2006) diz que no grupo pode haver algumas tensões. Como não haver tensões em um grupo plural? Por isso, Simmel (2006) fala sobre o sentido do tato. Esse sentido do tato tem um efeito de autorregulação do indivíduo, com a finalidade de manter a boa convivência com o outro. Simmel (2006) afirma que, na sociabilidade, não há espaço para atritos. O sentimento tem de ser coletivo e mútuo. Por isso tentar manter o “faz-de-conta”, mas com a finalidade de aceitar o outro e fortalecer o grupo.

Esse “faz de conta”, definido por Simmel (2006), aproxima-se do conceito de ethos de Sodré (2006), por gerar normas estruturadoras do princípio de realidade. Oferece a segurança esperada para se ter uma boa relação, porém restringe a liberdade individual. “O ethos de um indivíduo ou de um grupo é a maneira ou o jeito de agir, isto é, toda a ação rotineira ou costumeira, que implica contingência, quer dizer, a vida definida pelo jogo aleatório de carências e interesses, em oposição ao que se apresenta como necessário e como deve ser” (SODRÉ, 2006, p. 25).

A unidade dos grupos em interação com eles mesmos, integrantes do grupo, apenas os fortalecem diante da sociedade. O Movida busca essa força social quando eles se apresentam em grupo na Praça da República com os banners. Assim, observamos que a sociabilidade no Movida pode se configurar como uma forma de midiatização. Se estar em grupo oferece maiores possibilidades de se alcançar as necessidades de cada indivíduo, a organização perante a sociedade e em interação na praça é a força fundamental para legitimar sua imagem enquanto movimento social. Simmel afirma que o indivíduo sozinho pode conseguir seus objetivos e alcançar suas necessidades, porém, é em grupo que esse indivíduo se fortalece.